A Guerra na Ucrânia… e a Hungria — “O Ocidente continua a devorar os seus”, por Conor Gallagher

 

Seleção e tradução de Francisco Tavares

12 min de leitura

O Ocidente continua a devorar os seus

Por Conor Gallagher

Publicado por  em 31 de Maio de 2023 (original aqui)

 

O último ponto de conflito entre os EUA/UE e a Hungria é o facto de Budapeste (juntamente com Atenas) estar a bloquear o 11º pacote de sanções da UE contra a Rússia. Tanto a Hungria como a Grécia querem que algumas ou todas as empresas dos seus países sejam retiradas de uma lista de “patrocinadores de guerra” compilada por Kiev. Este pedido tem-se revelado controverso, com críticas vindas de todos os quadrantes, exemplificadas pela belicosa ministra alemã dos Negócios Estrangeiros, Annalena Baerbock, que se desentendeu com o seu homólogo húngaro numa recente reunião em Bruxelas.

Agora, a UE vai analisar amanhã (1 de Junho) a possibilidade de retirar à Hungria a presidência rotativa da UE, que deverá ocupar no próximo ano. Entre outras funções, o país que detém a presidência representa os governos da UE nas relações com outras organizações internacionais e planeia e preside às reuniões dos ministros dos governos da UE e de outros organismos. A Alemanha citou a falta de apoio da Hungria ao esforço de guerra na Ucrânia como razão para as suas dúvidas.

Há muito em desacordo com a UE sobre uma série de questões, a Hungria tornou-se ainda mais um estranho no bloco por se recusar a participar no pensamento mágico que domina a zona no que diz respeito à Ucrânia.

Na semana passada, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, cometeu o crime de afirmar o óbvio quando disse a uma multidão em Doha que não há qualquer hipótese de vitória militar ucraniana. Do Daily News Hungary:

“Esta guerra é o fracasso da diplomacia. Nunca deveria ter acontecido”, afirmou. A questão principal não é “quem invadiu quem”, mas salvar as vidas que se perderiam se a guerra continuasse, disse Orbán. Depois de negociado o cessar-fogo, a questão de uma nova “arquitectura de segurança do continente europeu” também deve estar na ordem do dia, disse.

Orban vai ao ponto de questionar a razão de ser da UE nos dias de hoje:

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É difícil discordar da lógica de Orban. Há também uma questão de política interna na disputa de Orban e outros políticos húngaros com Bruxelas e Washington. Como vimos noutros países, como a Turquia, quanto mais o Ocidente pressiona, mais a sua popularidade diminui nesse país. O apoio à UE situa-se actualmente em apenas 39% (contra 51% no ano passado) na Hungria – um dos níveis mais baixos entre os Estados membros.  Porque é que o número de húngaros que aprovam a UE está a cair a pique? Segundo os meios de comunicação social ocidentais, a culpa é de Orban e não pode ter nada a ver com o facto de o bloco se ter tornado um grupo insular dirigido por pessoas cada vez mais desligadas da realidade e que insistem que a Hungria faça o mesmo. Segundo a Bloomberg:

“Isto é extremamente significativo e assustador, dada a rapidez com que as atitudes estão a mudar”, disse Daniel Hegedus, membro do German Marshall Fund em Berlim. “É espantoso como Orbán está a ser eficaz a destruir a atitude pró-europeia da Hungria….

Em Bruxelas, o declínio é largamente atribuído ao controlo de Orbán sobre os meios de comunicação social. De facto, os viajantes em Budapeste estão habituados a ver cartazes políticos como parte dos ataques de Orbán aos que ele considera inimigos do Estado.

Mas, aparentemente, esse controlo não parece assim tão abrangente, uma vez que a Bloomberg menciona o seguinte no final do artigo:

Enquanto a campanha pró-europeia é liderada pelo ALDE, o grupo de cúpula dos partidos liberais na UE, os EUA também estão envolvidos na contra-ofensiva. Recentemente, anúncios financiados pela embaixada dos EUA apresentam o slogan “Russos vão para casa”, um grito de guerra contra a invasão soviética da Hungria em 1956, sobreposto ao actual ataque da Rússia à Ucrânia.

Uma vez que o governo controla grande parte dos meios de comunicação social na Hungria, os EUA continuarão a contactar directamente os húngaros, disse um porta-voz da embaixada em Budapeste. O ministro do Governo, Gergely Gulyas, disse em 12 de Abril que os cartazes mostram que os EUA já estão a fazer uma campanha directa na Hungria.

De acordo com as recentes fugas de informação dos serviços secretos norte-americanos, Orban apelidou os EUA de “principal adversário” numa sessão de estratégia política, o que a CIA classificou como “uma escalada do nível de retórica anti-americana no seu discurso”. Entretanto, a embaixada dos Estados Unidos em Budapeste pratica actos como a publicação do seguinte vídeo, que pede aos espectadores para adivinharem se as declarações foram feitas por Orbán e os seus apoiantes ou por Putin:

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Por outro lado, a administração Biden excluiu a Hungria das Cimeiras da Democracia deste ano e do ano passado, e os EUA sancionaram o Banco Internacional de Investimento (IBB), controlado pela Rússia, em Budapeste, em Abril; a Hungria foi forçada a retirar-se um dia depois. Os EUA estão a considerar a possibilidade de sancionar indivíduos próximos de Orban e do Governo húngaro. De acordo com o Centro de Análise de Política Europeia, a conclusão a retirar das sanções sobre o IBB é que é preciso fazer mais do mesmo, ou seja, tentar intimidar toda a gente até à submissão:

Como observou Daniel Hegedus, analista do German Marshall Fund of the United States, as acções da Hungria demonstram que esta reage à pressão, ou pelo menos à pressão dos EUA (uma vez que a acção da UE parece ter provocado pouca resposta).

Essa pressão continua a aumentar para que Budapeste não só aceite as sanções, mas também corte as suas ligações energéticas com a Rússia. A recém-eleita Presidente húngara, Katalin Novák, foi recebida de forma rude durante a sua primeira visita à Polónia, no ano passado. Segundo o VSQUARE, o encontro com o primeiro-ministro polaco Mateusz Morawiecki assemelhou-se mais a um interrogatório. Mais informação:

Os polacos, por exemplo, verificaram – e consideraram discutíveis – as afirmações do governo húngaro e da MOL, a companhia petrolífera húngara estatal, sobre o tempo exacto que seria necessário para mudar as refinarias de petróleo do tipo russo dos Urais para outros tipos de petróleo. O argumento húngaro era que seriam necessários entre dois e quatro anos e centenas de milhões de dólares. Mas os peritos do Primeiro-Ministro polaco concluíram que isso poderia ser feito num prazo muito mais curto do que o alegado pelos húngaros. Morawiecki também confrontou Novák com o facto de que, mesmo que os russos encerrassem o oleoduto da Amizade (Druzhba), a Hungria não entraria em colapso, porque poderia substituir o petróleo perdido utilizando o oleoduto do Adriático, a partir da Croácia.

O primeiro-ministro polaco e a sua equipa prepararam-se antecipadamente também para o tema do gás natural. Morawiecki deu uma palestra à sua convidada sobre os vários interconectores e rotas alternativas de gás que, de acordo com os seus peritos, poderiam ajudar a Hungria a libertar-se gradualmente do gás russo, se assim o desejasse. Mencionou também que o governo húngaro assinou um contrato de gás de longo prazo com a Gazprom da Rússia no Outono de 2021, que também não apontava na direcção da redução da dependência energética russa.

As relações entre Varsóvia e Budapeste, outrora das mais estreitas da UE, são agora tão más que a embaixada húngara na Polónia é palco de manifestações, recebe ameaças de morte e até um pacote cheio de excrementos.

A recusa da Hungria em deixar de importar energia da Rússia aumenta a perspectiva de o gasoduto receber o tratamento Nord Stream. Zelensky quer, aparentemente, fazer explodir o gasoduto, de acordo com a recente reportagem do Washington Post sobre as fugas de informação do Discord, que continuam a ser convenientemente divulgadas. Este relatório em particular foi apenas um sinal da loucura de Zelensky ou foi também um aviso a Budapeste?

(A Comissão Europeia nega que a presidente Ursula von der Leyen tenha proposto a Kiev o encerramento do oleoduto ou, pelo menos, a ameaça de o fazer, como forma de pressionar Budapeste).

A Hungria recebe a maior parte do seu petróleo através do oleoduto Druzhba, que vem da Rússia e atravessa a Ucrânia. O governo russo informou anteriormente que 4,9 milhões de toneladas de petróleo foram transportadas para a Hungria através do oleoduto em 2022. Também é transportado petróleo da Hungria para a Eslováquia e a República Checa. Em Abril, a Hungria também alterou um contrato de gás natural com a Rússia em termos amigáveis. Detalhes dados pela Associated Press:

Numa conferência de imprensa em Moscovo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto, disse que a empresa estatal russa de energia Gazprom tinha concordado em permitir à Hungria, se necessário, importar quantidades de gás natural para além das quantidades acordadas num contrato de longo prazo que foi alterado no ano passado.

O preço do gás, que chegará à Hungria através do gasoduto Turkstream, será limitado a 150 euros ($163) por megawatt-hora, disse Szijjarto, parte de um acordo que permitirá à Hungria pagar as compras de gás numa base diferida se os preços de mercado ultrapassarem esse nível.

Porque é que a Hungria está a ser tão obstinada? Os responsáveis húngaros já explicaram várias vezes; eis um resumo recente do ministro dos Negócios Estrangeiros, Péter Szijjártó, no Fórum Económico UE-Ásia Central. Do Daily News Hungary:

Num debate sobre as maneiras de melhorar o clima dos negócios na região, ele afirmou que, lamentavelmente, o mundo está a caminhar para a formação de blocos. “Esta é a pior notícia possível” para a Europa Central, afirmou, argumentando que a história mostrou sempre que a região perdeu com os conflitos entre o Leste e o Oeste.

Quando a Hungria defende a conectividade e a cooperação “civilizada” entre o Leste e o Oeste, não é porque o país seja amigo ou espião de alguém, mas porque “estamos conscientes dos nossos próprios interesses nacionais e da nossa própria experiência nacional”, acrescentou.

 

Mas o culto europeu do jardim está-se nas tintas. Diz-se que a falta de entusiasmo da Hungria em cometer suicídio económico pela causa pode acabar por conduzir a um “Huxit“.

V

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O bloco não tem actualmente o poder de expulsar um Estado-membro, mas poderia tornar a vida tão miserável para a Hungria que Budapeste poderia optar pela via da saída. Tal caminho seria extremamente improvável – pelo menos num futuro próximo. Orbán tem rejeitado repetidamente essa ideia, dizendo que a saída não faria sentido devido ao facto de a Hungria estar tão ligada à UE. Quase quatro quintos das suas exportações destinam-se ao mercado da UE e a sua economia é apoiada pelo investimento de empresas alemãs como a Mercedes-Benz e a BMW.

É essencialmente uma situação semelhante à da Turquia. Embora a Turquia pertença à NATO e não à UE, também enlouquece os funcionários ocidentais ao recusar-se a escolher um lado e ao beneficiar da tentativa de ocupar o meio-termo (Budapeste também se juntou a Ancara para bloquear a candidatura da Suécia à NATO), mas a tentativa de manter a amizade com ambos os lados está a tornar-se cada vez mais ténue.

Enquanto Moscovo e Pequim respeitam esta posição e não pressionam os países a escolher um lado, o mesmo não se pode dizer da actual atitude ocidental do “connosco ou contra nós”. Como a Ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, disse recentemente ao seu homólogo chinês: “Neutralidade significa tomar o partido do agressor”.

À medida que a UE se torna cada vez mais conflituosa com a China, isso só leva a mais desentendimentos com Budapeste. Tanto a Hungria como a China estão de acordo quanto à necessidade de uma paz negociada para a guerra na Ucrânia, e estão também a trabalhar para aumentar os laços comerciais.

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No entanto, estes acordos estão a ir contra a corrente na UE, que quer “desvincular-se” da China e, ao mesmo tempo, fazer a transição para os veículos eléctricos e cumprir objectivos climáticos ambiciosos. Ainda não se sabe exactamente como é que isso vai acontecer, mas espera-se que a Hungria entre no programa.

 

 

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