Acções de contestação ao nuclear civil em França[1]
As primeiras manifestações significativas de oposição às centrais nucleares surgiram em França em 1971, tendo como alvo os estaleiros das centrais de Fessenheim (1.500 pessoas no dia 12 de Abril) e Bugey (15.000 em 10 de Julho), entradas em serviço, respectivamente, em 1978 (os dois grupos da primeira) e 1972 (1º grupo, o 5º em 1980 da segunda). Foram acções encabeçadas pela organização Amies de la Terre, fundada em 1970 e ligada à Friends of The Earth, estadounidense. Dois anos mais tarde, 25.000 pessoas desfilavam em Paris.
A partir de 1973, muitas autarquias locais começaram a contestar a energia nuclear civil na sequência das grandes manifestações de Maio, realizadas em vários pontos de França. 120 comunas pronunciaram-se contra a central de Dampierre, em construção, embora lhes tenham sido prometidas várias contrapartidas de natureza social, assim nascendo um método de “compra” das autarquias através da atribuição de benefícios sociais e, depois, das célebres “rendas”, de que tanto se tem falado em Portugal.
Um plano governamental conhecido por Plano Messmer, Primeiro Ministro (1972-1974), desencadeou uma vaga de manifestações junto às centrais de Fessenheim, Creys-Malville (local do reactor “breeder” Super-Phénix) e outras. 4.000 cientistas assinaram um documento contra este Plano, o “tout éléctrique, tout nucleaire”.
Em Fevereiro de 1975, foi tornado público o documento intitulado “Apelo dos 400”, que recolheu mais de 2.000 assinaturas de colaboradores do CNRS, do Collége de France, do Comissariat à l’Énergie Atomique e EDF, traduzindo o mau estar que o programa nuclear do governo francês gerava nas populações e contra a opção governamental de preterir o reactor do tipo urânio natural, gás, grafite, de tecnologia francesa, em benefício do PWR estadounidense, o que significava perder toda a investigação que tinha sido realizada pelos cientistas franceses, ficar na dependência da tecnologia estadounidense e do pagamento de licenças às empresas dos EUA na construção de grupos nucleares. Também se punha em causa as regras de licenciamento e aludia-se à necessidade de esclarecimento das populações para os perigos que corria.
As centrais sindicais CGT (de maior influência comunista) e CFDT (de maior influência socialista) tomaram posições muito críticas em relação ao programa nuclear francês, com a segunda com posições mais radicais.
Analisando o debate na Assembleia da República francesa no dia 14 de Maio de 1975, verifica-se que o Partido Socialista, o Partido Comunista, os Republicanos Independentes eram favoráveis à opção nuclear, enquanto os Radicais de Esquerda eram desfavoráveis. Os Reformadores, pela voz de J.J. Servan-Scheiber, afirmaram que ainda não se tinha realizado um debate sério sobre o assunto. Aquele deputado referiu os doze acidentes ou incidentes registados desde 1966 nas centrais de urânio enriquecido. A UDR, não contestando a energia nuclear civil, considerou que informação sobre o assunto devia ser divulgada e que as diversas associações de defesa do ambiente deviam ser verdadeiros interlocutores.
Na sequência das acções descritas, ocorreram acções violentas com duas bombas em Fessenheim, duas bombas em Monts d’Arrée, explosões que danificaram instalações da Framatome, empresa construtora do equipamento nuclear, o equipamento da mina de urânio da Margnac e o apartamento do Director-Geral da EDF.
Em várias localidades foram organizados referendos, nos quais os votantes se pronunciaram por um não ao nuclear.
Durante o ano de 1977, realizaram-se novas manifestações em Creys-Malville, numa das quais, com 20.000 participantes, houve um violento recontro com a polícia, de que resultou um morto, uma centena de feridos e a prisão de muitas pessoas.
No texto “La Dictature du Plutonium” Michel Bosquet[2] escreveu:
«O Ministério do Interior está a fazer fichas dos adversários e críticos do programa nuclear [francês] e estes estão a ser vigiados, desde Fevereiro de 1975, por um oficial de Segurança Militar, cujo nome é Chauvet.
Uma circular interna interdita os trabalhadores do CEA (Comissariat à l’ Énergie Atomique) de realizarem toda e qualquer crítica pública do programa nuclear francês. Uma circular interna da EDF considera a contestação deste programa como uma acção subversiva organizada “à escala nacional e mesmo internacional, com vista a entravar o bom funcionamento da sociedade actual”. Os direitos sindicais são ameaçados em diversas indústrias nucleares (nomeadamente na Framatome onde o delegado da CFDT está a ser objecto de uma campanha de difamação). Os funcionários do serviço central de protecção contra as radiações são obrigados a manter secreto os níveis de radioactividade que detectam».
A contestação ao programa nuclear francês continuou nos anos seguintes, encabeçada pelas associações de defesa do ambiente, mas os diferentes partidos mantiveram no essencial as mesmas posições. No entanto, o programa nuclear francês sofreu diferimentos, o que provocou uma crise de rendibilidade da empresa produtora de equipamento, a Framatome, a qual passou por várias reestruturações, alterando o nome para Areva, e vindo a ser absorvida pela EDF.
Como se vê é impossível ver aqui o dedo do “bloco soviético”, quando os intelectuais e cientistas marxistas e o Partido Comunista defendiam em França a “utilização pacífica” da energia nuclear, quando quem encabeçou as acções de protesto foram organizações ambientalistas, ideologicamente muito longe das ideias comunistas, com intervenções, algumas violentas, de um tipo muito diferente das dos comunistas e ainda com alguma influência do Maio de 1968.
Além disso, a oposição ao nuclear continuou após o desmoronamento do “bloco soviético”.
Também aqui não é possível ver «atividade dos lobbies ligados a outras formas de energia», quando muitas das acções surgiram expontaneamente por parte das populações e as organizações ambientalistas não se podem comparar aos lobbies dos combustíveis líquidos e gasosos, da energia nuclear, ou outros, esses sim ligados a poderosos interesses económicos.
Acções de contestação ao nuclear civil na República Federal Alemã[3]
Em 1972, registaram-se as primeiras reacções significativas à implantação de reactores nucleares na RFA, quando o primeiro reactor alemão (Gundremmingen) entrou em serviço em 1967. Depois Lingen em 1968 e Obrigheim em 1969.
A luta foi crescendo com a criação de numerosos grupos locais, verificando-se em 1973 e 1974 oposição às centrais de Breisach e Whyl, no primeiro caso argumentando-se que o vapor de água que sairia das torres de arrefecimento iria prejudicar as vinhas da vizinhança, alterando as características dos vinhos. Foram recolhidas 60.000 assinaturas obrigando a uma alteração do local da central. Também se registaram grandes oposições à construção da central de Whyl.
Dado que o Governo de Baden-Würtenberg aprovou o sítio de Whyl, a construção da central iniciou-se em início de 1975, o que provocou a ocupação do local por centena e meia de habitantes da zona, o que levou à suspensão das obras. A seguir, houve uma grande manifestação em que se verificaram recontros com a polícia e, tendo ocorrido nova ocupação do local alguns dias depois, sucedeu outra intervenção policial violenta. A ocupação durou 9 meses e nela tiveram relevância as mulheres de meia-idade das cercanias, numa acção inédita. Em Janeiro de 1976, um tribunal decidiu que os trabalhos não deveriam prosseguir antes de Novembro de 1977, ordenando a continuação dos estudos sobre o impacte da central no meio ambiente. Em 14 de Março, o tribunal administrativo de Fribourg-en-Brisgau decidiu interditar a construção da central.
Em Brockdorf, as primeiras manifestações reuniram centenas de pessoas mobilizadas pela “Iniciativa dos Cidadãos” e, em Novembro de 1976, juntaram-se 25.000 manifestantes, oriundos de vários pontos da RFA. Três horas de recontros entre os manifestantes e contigentes da polícia vindos de vários pontos do país, saldou-se em mais de uma centena de feridos e um prejuízo avultado para a empresa eléctrica. De seguida, o Tribunal Administrativo de Schleswig emitiu uma moratória baseada na não existência de uma solução para o armazenamento definitivo dos resíduos radioactivos.
Em Grohnde, cerca de 3.000 dos 15.000 manifestantes confrontaram-se com igual número de polícias, mas destruíram a vedação que protegia o local. A refrega durou três horas, registando-se três centenas de feridos.
Houve também grandes manifestações em Gorleben, onde se previa o armazenamento de resíduos radioactivos. Desde 1990, continuam as manifestações. Também em Wackersdorf nos anos 80, contra a instalação de uma unidade de reprocessamento, projecto abandonado em 1988 ou 1989.
Em meados de 1977, o Tribunal Administrativo de Muenster pôs em dúvida a validade constitucional do reactor reprodutor (ou “breeder”) de Kalkar.
Em contrapartida, em 10 de Novembro de 1977, realizou-se no estádio de Dortmund uma manifestação pró-nuclear que reuniu cerca de 40.000 pessoas. Esta manifestação foi convocada pela federação sindical DGB com o pretexto da defesa de milhares de postos de trabalho. Não foram certamente alheios a esta posição as pressões exercidas pelos partidos da coligação governamental, social-democrata e liberal, e a indústria nuclear alemã com relevo para a construtora KWU. Algum tempo mais tarde, a opinião pública teve conhecimento que a poderosa empresa de elctricidade RWE (Rheinisch-Westfälisches Elektrizitätswerke), que tinha então dezenas de milhares de funcionários, contribuiu com 5.000 manifestantes, a quem ofereceu o transporte até Dortmund, o almoço e 20 marcos por cabeça[4].
Nos anos seguintes, continuaram as acções de contestação, as quais atrasaram o programa nuclear até à inexistência de novas encomendas e conduziram a uma cada vez maior oposição à energia nuclear civil, que ainda hoje se manifesta, portanto depois da queda da URSS, em particular por parte do Partido Os Verdes.
Tal como nos EUA e França, é impossível ver-se aqui o dedo do “bloco soviético”, quando a República Democrática Alemã (RDA) tinha enveredado pelo nuclear civil, preferindo certamente que no país ao lado a população o aceitasse para não contaminar a sua, quando quem encabeçou as acções de protesto foram organizações ambientalistas, ideologicamente muito longe das ideias comunistas, com intervenções, algumas violentas, de um tipo muito diferente das realizadas pelos comunistas e ainda, tal como em França, com alguma influência do Maio de 1968. Além disso, essas organizações organizaram protestos na RDA contra a instalação de armamento nuclear e os mísseis SS-20, num dos quais chegou a ser preso o ambientalista português António Eloy[5], como o fizeram contra a instalação na RFA dos misseis Pershing estadounidenses.
Além disso, a oposição ao nuclear continuou após o desmoronamento do “bloco soviético”.
Também aqui não é possível ver «atividade dos lobbies ligados a outras formas de energia», quando muitas das acções surgiram espontaneamente por parte das populações e as organizações ambientalistas não se podem comparar aos lobbies dos combustíveis líquidos e gasosos, da energia nuclear, ou outros, esses sim ligados a poderosos interesses económicos.
Em Abril de 2023, a Alemanha encerrou as suas últimas três centrais nucleares.
Acções de contestação ao nuclear civil na Suécia [6]
A oposição às centrais nucleares neste país iniciou-se em 1972, sob o impulso do Professor Hannes Olof Gösta Alfven[7], após a entrada em serviço do primeiro grupo da central de Oskarsham.
Sob a influência do debate travado nos órgãos de comunicação social e da acção dos grupos ambientalistas, multiplicaram-se as oposições às centrais em construção, as quais atingiram maior relevo nas manifestações contra a central de Ringhals, cujo primeiro grupo acabou por entrar em serviço em 1975.
A movimentação popular acabou por influenciar os meios políticos, o que levou a que o Parlamento, embora rejeitando uma moratória nuclear, tenha decidido que fossem suspensas as autorizações para a construção de novos grupos, até serem publicadas as conclusões dos estudos sobre segurança dos reactores e o armazenamento definitivo dos resíduos. Em Janeiro de 1974, o governo decidiu promover um grande debate nacional,
Inquéritos à opinião pública revelaram que a população não exigia o encerramento das centrais existentes, mas se opunha à instalação de novos reactores. Apenas 1/3 da população concordava com o crescimento do parque nuclear.
As eleições de 1976 foram fortemente influenciadas pela questão nuclear, tendo Olof Palme, Presidente do Partido Social-Democrata e Primeiro Ministro derrubado, expressado, durante a campanha, que o debate sobre energia nuclear obscurecera todos os outros assuntos, em particular os de carácter social. Ao fim de 44 anos no poder, o Partido foi afastado.
A legislação sobre a segurança nuclear tornou-se muito mais severa, obrigando as empresas eléctricas, se quisessem instalar grupos nucleares, a assinarem um contrato em que estivesse garantido o reprocessamento do combustível irradiado e o armazenamento dos resíduos radioactivos.
Em inícios de 1978, o governo de coligação recusou a concessão de novos créditos para a construção do terceiro grupo da central de Forsmark. Foi nesta central que foram primeiro detectados na Europa níveis de radiação anormais, resultantes do acidente de Chernobyl e que inicialmente se pensou ter origem na própria central.
Também na Suécia não se vê o dedo do “bloco soviético” na oposição ao nuclear civil, tendo sido um governo conservador a travar o desenvolvimento desta via. Além disso, como nos outros países, as organizações ambientalistas envolvidas estavam e estão ideologicamente muito longe das ideias comunistas,
Também aqui não é possível ver «atividade dos lobbies ligados a outras formas de energia», quando muitas das acções surgiram espontaneamente por parte das populações e as organizações ambientalistas não se podem comparar aos lobbies dos combustíveis líquidos e gasosos, da energia nuclear, ou outros, esses sim ligados a poderosos interesses económicos.
Acções de contestação ao nuclear civil em Espanha
Em 1946, constituiu-se em Espanha o Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, no qual foram implementadas comissões especializadas em tecnologias militares.
Em 1955, realizou-se um acordo nuclear entre Espanha e EUA, apesar de o primeiro país ter visto ser votada na Assembleia Geral da ONU, em 1946, a sua exclusão de organismos internacionais e de não pertencer à NATO. Também já houvera participação de técnicos espanhóis em missões a vários países europeus, de que resultou, entre outras questões, a prospecção de urânio em solo espanhol, minério muito raro na Europa Ocidental, a não ser Portugal.
Em 1958, foi fundada a Junta de Energia Nuclear (JEN), dirigida por um general. No mesmo ano, entrou em serviço o primeiro reactor nuclear espanhol de investigação, o JEN-1 de 3 MW, fornecido pela General Electric; em 1961, o reactor Argos de 1 kW, em Barcelona e, em 1962, o Arbi de 10 kW, em Bilbau. Depois, em 1968, o reactor a neutrões rápidos Coral I[8].
Em 1959, a Espanha entrou como membro na Agência Internacional de Energia Atómica, entidade da ONU fiscalizadora da utilização da energia nuclear, mas também de implementação da energia nuclear civil..
Em 1963, foi lançado o Projecto Islero com o objectivo de fabricar bombas atómicas.
Em 1968, arrancava a primeira central nuclear para produzir energia eléctrica, José Cabrera, ou Zorita, com um grupo de 150 MW, instalada junto ao Rio Tejo perto de Madrid; em 1971, Santa Maria de Garoña, com um grupo de 466 MW na região de Burgos e, em 1972, Vandellós I com 508 MW na região de Tarragona, junto ao Mediterrâneo. Este reactor tinha como objectivo, também, produzir plutónio para a bomba atómica. Mais uma vez a estreita relação entre o nuclear militar e o nuclear civil. A Espanha apostava, então, em possuir a bomba atómica. Em 1981, os EUA pressionaram o Governo a desistir de produzir a bomba, mas o país só assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1987.
Entretanto, foram instaladas várias empresas no domínio nuclear em diferentes fases do ciclo nuclear, desde a exploração de urânio às diferentes fases do chamado ciclo do combustível, incluindo o sofisticado e perigoso reprocessamento do combustível irradiado. Também as empresas dos EUA, com relevo para a Westinghouse, instalaram unidades de fabrico de reactores, um sector que recorre a tecnologias altamente evoluídas e ainda hoje sujeitas a licenças. A General Electric também se candidatou.
Em 1970, verificou-se um acidente perto de Madrid, num reactor de investigação da JEN, do qual resultou o derrame de produtos radioactivos no Rio Manzanares e, depois, no Rio Tejo, que foram detectados pelas autoridades nucleares portuguesas ao longo do rio, mesmo na região de Lisboa, mas que a comunicação social em Espanha e Portugal não noticiaram, devido à Censura.
Até à morte do General Franco em Novembro de 1975, não foram visíveis em Espanha oposições à energia nuclear. A repressão e a ausência de liberdade de imprensa impediam-no. Logo em 1977, numa reunião em Soria, constituiu-se a Coordinadora Estatal Antinuclear (CEAN), que deu lugar à Coordinadora Estatal de Defensa del Medio Ambiente, que em 1990 conseguiu recolher 460.000 assinaturas visando o encerramento das centrais nucleares[9].
Em Junho de 1979, foi organizada uma Jornada Internacional Contra la Energia Nuclear, em Tudela, Navarra.
Ainda em 1979, cerca de uma centena de presidentes de Câmara e conselheiros municipais ocuparam Villanueva de la Serena, na região de Badajoz, contra a instalação da central nuclear de Valdecaballeros , apoiados por manifestações das populações, uma das quais atingiu 30.000 presenças no dia 1 de Setembro. O governo suspendeu a construção e a central nunca foi por diante.
Também no final dos anos 70, o projecto da central de Sayago da Iberduero – hoje Iberdrola – foi visado por manifestações nos dois lados da fronteira, pois a central estava a ser construída desde 1973 junto ao Rio Douro e perto da fronteira com Portugal. O facto de utilizar água de arrefecimento daquele rio despoletou a oposição de autarcas, proprietários e população do Douro, receosos que a central afectasse a credibilidade do Vinho do Porto, pois eram conhecidas os inúmeros derrames de produtos radioactivos para rios e mares em todo o mundo, além dos gases radioactivos que se escapam dos reactores, arrastando com eles outros produtos radioactivos que se vão depositar nas terras vizinhas das centrais. Alem disso, poderiam ser afectadas outras áreas da agricultura e o abastecimento das populações. Por essa altura, houve manifestações e um Festival/ Manifestação em Mirando do Douro, com o apoio da autarquia local e organizadas pelo grupo Terra Viva. A construção da central acabou por ser cancelada.
Nos anos 70 e 80, verificou-se uma luta intensa contra a central nuclear de Lemoniz, da Iberduero, no País Basco, em construção desde 1972. Manifestações convocadas por grupos de defesa do ambiente numa das quais a Guarda Civil matou a militante Gladys del Estal do Grupo Ecologista de Eguía[10]. Destacou-se o grupo Ekologistak Martxan ou o Ecologistas en Acción, este estendido a todo o país. A ETA realizou vários ataques armados ao estaleiro da central nos quais foram mortos trabalhadores. O chefe da central foi raptado pela ETA e acabou por ser executado, numa acção condenada pelos grupos ambientalistas. Já com a central concluída com dois grupos, foi encerrada nos anos 80. O seu desmantelamento custou 6.000 milhões de euros, valor que mostra porquê os proprietários de reactores nucleares tentam adiar o mais possível o seu fim de vida, arriscando a ocorrência cada vez mais provável de acidentes graves, devido à degradação dos equipamentos, fragilizados pelas radiações.
Em meados dos anos 80, o governo espanhol tentou instalar em Aldeadávila de la Ribera, mais uma vez junto da fronteira portuguesa e do Rio Douro, um cemitério de resíduos altamente radioactivos com uma vida de dezenas de milhares de anos e que não têm ainda hoje em qualquer parte do mundo uma solução satisfatória. Alertado para o problema por António Eloy, o Eng. Carlos Pimenta, Secretário Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais do X Governo Constitucional liderado pelo Professor Cavaco Silva, levantou o problema numa reunião sobre o Ambiente em Bruxelas, tendo-se desencadeado uma violenta discussão entre a parte portuguesa e a parte espanhola. O assunto transitaria depois para os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, com a Comissão Europeia desagradada com a situação[11]. Recorde-se que a entidade Amigos da Terra (inspirada na citada Friends of The Earth), liderada por António Eloy, que estava então numa missão europeia, apresentaram uma queixa junto da União Europeia em 1986, a qual foi aceite, comprometendo a iniciativa do Estado espanhol[12]. O Governo espanhol argumentava que se tratava de uma mero laboratório de investigação, mas a pressão das populações e dos autarcas em Portugal e Espanha e as pressões diplomáticas acabaram por obrigar o Governo espanhol a desistir do projecto. Um dos argumentos portugueses filiou-se, certamente, nas regras internacionais que obrigam os governos dos países que pretendam construir uma instalação nuclear perto da fronteira de outro país a obterem a aprovação deste, no “Acordo de Cooperação na utilização da energia nuclear para fins pacíficos entre o Governo de Portugal e o Governo de Espanha”, de 14 de Janeiro de 1971, e no “Protocolo entre o Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear em representação das autoridades nucleares de Portugal e a Junta de Energia Nuclear de Espanha, sobre cooperação no domínio da segurança nuclear” de 31 de Março de 1980.
No início da segunda década dos anos 2000, o Governo espanhol fez nova tentativa de construir um cemitério provisório de resíduos altamente radioactivos de todas as centrais nucleares espanholas, agora em Villar de Cañas (Cuenca), mas, perante a oposição de populações, autarcas e organizações ambientalistas, foi obrigado a recuar.
Em resultado de todas estas acções nos 80, se o Plano Energético Nacional (PEN), de 1964, para o período 1972-1981, portanto ainda em tempo de ditadura, previa uma grande participação do nuclear na produção de energia eléctrica e o PEN-1975 pretendia fazer passar a participação nuclear de 7,1% em 1975 para 56,0% em 1985, o PEN-1982 ficava-se por 3,4% em 1982 e 16,0% em 1991.
Nos anos 80, a central de Almaraz teve de substituir os seus geradores de vapor, como atrás já se referiu, mas, já nos anos 2000, a Greenpeace revelou que 4.000 alterações tinham sido introduzidas nesta central.
Nos anos 80, Espanha atingiu o pico da sua utilização da energia nuclear civil, com várias empresas em todo o ciclo, empregando cerca de 20.000 trabalhadores. A indústria nuclear teve neste sector um importante núcleo de apoio, receando muitos trabalhadores (e suas famílias) perderem os seus postos de trabalho, influenciando os seus sindicatos. Além disso, obrigados a assinarem termos de confidencialidade, escondiam os problemas graves que se passavam dentro das instalações, alinhando com as administrações das empresas. E com as autoridades de fiscalização, que não cumpriam (e continuam a não cumprir em todo o mundo) com o seu dever de proteger as populações.
Em 2014, data já fora do âmbito do presente texto, mas significativo, foi autorizada a exploração da mina de Retortillo, perto de Salamanca. Contra a sua exploração constituiu-se a Plataforma Stop Uranio, que desenvolveu inúmeras acções contra a exploração da mina, acabando por ser cancelada a referida autorização. Outras minas espanholas já deixaram de funcionar. Recorda-se que houvera prospecção de urânio nas regiões de Cáceres, Salamanca, Corunha e Zamora. A exploração competia à ENUSA, Empresa Nacional de Urânio, SA.
Em 2019, houve uma nova tentativa de licenciar a exploração de uma mina, agora em Zahinos, perto de Barrancos[13]. A licença de prospecção foi concedida à empresa Qbis Resources, mas encontrou uma forte resistência das populações locais e dos cinco municípios da zona. As numerosas e participadas manifestações exibiam a sigla “Dehesa sin Uranio”.
Também já nos anos 2000, inúmeras acções foram empreendidas em Espanha para reivindicar o encerramento de todas as centrais. Nestas acções houve também participação da Greenpeace. Almaraz, junto à fronteira potuguesa, teve uma atenção especial, em particular por parte do Movimento Ibérico Antinuclear (MIA). Este Movimento participou em inúmeras acções em Espanha, numa rara colaboração entre entidades dos dois países. O Governo espanhol decidiu que todas seriam encerradas até 2035.
As acções em Almaraz visaram, para além da exigência do seu encerramento, dado que o segundo grupo já tem 40 anos, e o primeiro mais, impedir que se instalasse o designado por Armazenamento Temporário Individual (ATI) para guardar os resíduos altamente radioactivos desta central e, depois, das outras de toda a Espanha, pois estas já não conseguem guardar esses resíduos e a instalação de Villar de Cañas não vingou..
Tal como nos outros países analisados, é impossível ver-se aqui o dedo do “bloco soviético”, verificando-se muitas acções mesmo depois do desmoronamento daquele bloco. Além disso, as organizações ambientalistas envolvidas estavam e estão ideologicamente muito longe das ideias comunistas,
Também aqui não é possível ver «atividade dos lobbies ligados a outras formas de energia», quando muitas das acções surgiram expontaneamente por parte das populações e seus artarcas e as organizações ambientalistas não se podem comparar aos lobbies dos combustíveis líquidos e gasosos, da energia nuclear, ou outros, esses sim ligados a poderosos interesses económicos
(continua)
[1] Adaptação do texto elaborado pelo autor do presente escrito para o livro O Que É a Energia Nuclear – Oportunidade em Portugal, de Domingos Moura, Frederico Carvalho, Rui Namorado Rosa, Alfeu Fernandes Forte, João Manuel Gaspar Caraça, António Mota Redol, João Barreto, João F. Martins, M.Rodrigues, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1978, agora desenvolvido. Informações recolhidas pela leitura sistemática das revistas de energia nuclear Nuclear Engineering International, Révue Génerale Nucleaire, Nucleonics Week, no Boletim de Informação Nuclear (JEN), ), revista de energia elétrica Eletrical World, de economia e tecnologia Usine Nouvelle e outras, eventualmente, como The Economist, Le Monde, Notiziario.
[2] Michel Bosquet é o pseudónimo de André Gorz (nascido Gérard Horst na Áustria), filósofo do grupo de Jean Paul Sartre, economista, com vários livros escritos sobre ambiente, fundador do jornal Nouvel Observateur.
[3] Ver Nota 17.
[4] António Mota Redol, “Indústria nuclear: A crise e as pressões (1)”, Diário de Lisboa, 28 de Outubro de 1978.
[5] António Eloy, Um Grão de Areia em 40 Anos de Cidadania e Ambientes, Lisboa, Esfera do Caos Editores, 2014, p. 36..
[6] António Mota Redol, “Estudo preliminar da taxa de disponibilidade das centrais termoeléctricas de Tapada do Outeiro e Carregado”, Lisboa, Órgão Central de Planeamento da EDP, Julho de 1978.
[7] Prémio Nobel da Física em 1970, com trabalhos sobre a magnetohidrodinâmica, domínio que tem sido considerado na produção de energia eléctrica.
[8] Ana Romero de Pablos, “Poder político y poder tecnológico: el desarrollo nuclear español (1950-1975)”, Revista Iberoamericana de Ciencia, Tecnologia e Sociedad 21, Vol. 7 (Ciudad Autonoma de Buenos Aires, Ago. 2012).
[9] Yollanda Picazo, “La parición del movimiento antinuclear y del movimiento ecologista”, Almaraz e Outras Coisas Más, (Coordenação António Eloy), Caldas da Raínha, Cooperativa Editorial Caldense, CRL, p. 188-197..
[10] Idem.
[11] Informação do Eng Carlos Pimenta por mensagem electronica.
[12] António Eloy, “Esfregando dois pauzinhos”, Almaraz e Outras Coisas Más, (Coordenação António Eloy), Caldas da Raínha, Cooperativa Editorial Caldense, CRL, p. 17.
[13] Note-se a tendência do Estado espanhol para localizar instalações nucleares perto da fronteira portuguesa. Contará com a inércia e complacência das nossas autoridades?
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