CARLOS MATOS GOMES – A INDOCHINA E A ARGÉLIA — FRANÇA NÃO APRENDEU NADA?

 

24 de Outubro de 2023. Emmanuel Macron, presidente da República Francesa, foi de visita a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, que o recebeu em Jerusalém, a cidade que, segundo as Nações Unidas e o tantas vezes invocado Direito Internacional (quando convém), continua a ser uma cidade internacional e não a capital do Estado de Israel (Resolução 181 Assembleia Geral das Nações Unidas, 29 de novembro de 1947 : “A cidade de Jerusalém será estabelecida como um corpus separatum sob um regime internacional especial e será administrada pelas Nações Unidas). Macron entrou vencido (de cócoras, passe a vulgaridade), como todos os políticos europeus, aliás. Jerusalém é a nova Kiev por onde passam em romaria os atuais dirigentes da Europa a mostrarem a sua impotência, a sua hipocrisia, a sua mediocridade. Falta uma “Bucha” para irem depositar flores a supostos mártires da causa israelita, que os tem causado mais do que sofrido. O facto de a França abrigar a maior comunidade judaica da Europa (a da Rússia é maior, mas a Rússia deixou de ser Europa por sanção americana) em vez de ser uma justificação para o beija-mão é uma confissão do caráter racista da luta que se trava na Palestina entre os europeizados e civilizados judeus e os indígenas palestinianos, uns animais, segundo aqueles.

Macron propôs a Netanyahu que a coligação já existente para combater o Estado Islâmico, liderada pelos Estados Unidos, que o criaram, possa lutar também contra o Hamas! «Ele insistiu igualmente na necessidade de um relançar decisivo do processo político com os palestinianos». Esclareceu o Le Monde.

A visita e as declarações revelam o absurdo em que se movem os políticos europeus, as contradições em que se encontram enovelados e, pior, demonstram que estão perdidos, que não dispõem de qualquer referência para os orientar, nem buscando-a no passado, nem descobrindo um farol que os oriente para o futuro.

Desde a fundação do estado de Israel que a Palestina vive uma situação colonial, tal como ela está tipificada na Declaração adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 1514, de 14 de dezembro de 1960, em que os estados membros reafirmam a sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana, a consciência da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar, de estabelecer relações pacíficas e amistosas baseadas no respeito dos princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação de todos os povos, e que os conflitos que resultam da negação de liberdade a estes povos, ou dos obstáculos à mesma, constituem uma grave ameaça à paz mundial, reconhecendo que os povos do mundo desejam o fim do colonialismo em todas as suas manifestações.

A criação do Estado de Israel sob o patrocínio das Nações Unidas assenta na contradição entre os bons princípios e os interesses em jogo — a mesma entidade e os mesmos estados que decretam o fim do colonialismo criam um estado colonial! Mas essas contradições não alteram o caráter essencial de ter sido criada na Palestina uma relação colonizador-colonizado, ou, pior, de colonialidade, um conceito que reúne a violência da colonização que os europeus desenvolveram no continente americano, eliminando povos, com a do colonialismo que impuseram em África, sujeitando povos. Na Palestina ocorre a eliminação e a sujeição. Sem assumir a situação colonial na Palestina não há solução nem propostas sérias. Apenas fumo.

A Europa, apesar de substituída pelos Estados Unidos e de não dispor de meios para intervir no processo de colonialidade implantado na Palestina, tem, ou devia ter uma memória histórica que evitasse a triste figura de a França, um dos seus mais antigos e globais atores da colonização e do colonialismo ir a Jerusalém soprar os Xofares, a trombeta de chifre que convoca os judeus, porque eles não necessitam do apoio da França, têm a proteção do império, que já lhes colocou dois super porta-aviões como guarda-costas e dinheiro em conta aberta.

Resta a solução do problema palestiniano. A França esteve envolvida em duas guerras coloniais, na Indochina e na Argélia. Devia ter adquirido a sabedoria do que é o colonialismo: a opressão sistematizada de um povo, em que o grupo submetido é desumanizado através da exploração, tortura, pilhagens, racismo, assassinatos coletivos, que se revezam em diferentes níveis para fazer do autóctone um objeto nas mãos da nação ocupante.

Os franceses, tal como os ingleses e os portugueses e também os Estados Unidos, aprenderam à sua custa que as situações coloniais não se resolvem com meios militares, mesmo que sejam tapetes de bombas e de agentes químicos e biológicos. Propor destruir o Hamas é tem a mesma racionalidade de queimar um suspeito de judaísmo para acabar com uma peste! Mas o Ocidente apoia o poder colonial de Israel que se exerce fundamentalmente através da violência. Todos os processos de descolonização do século vinte demonstram que o poder das armas do colonizador e dos seus aliados só cede à diplomacia e à razão depois de ser obrigado a isso pela reação armada do colonizado. Os palestinianos sabem disso e sabem que Macron, que a Europa e os Estados Unidos nada lhes têm a propor e que estão contra eles. Sabem que são o elo fraco da violência que presidiu ao arranjo do mundo pós-Segunda Guerra e à hierarquia de poderes que se estabeleceu, com os Estados Unidos como potência globalmente dominante, o foco da ação política no planeta, goste-se ou não. Na realidade, apesar da complexidade das estruturas de poder global, todo o Ocidente está subordinado ao poder económico e político-militar da única superpotência do mundo: os Estados Unidos. É por eles e só no seu interesse que passa a solução do problema palestiniano e Israel são os estados Unidos e vice-versa.

Os palestinianos sabem-no e a resposta que há setenta e cinco anos dão é a mesma dos povos colonizados e que pode ser resumida em «guerra do povo — exército do povo», a estratégia que o general Giap utilizou no Vietname e que o levou à vitória. A manobra de separar os colonizados dos combatentes que a violência colonial gerou, neste caso eliminar o Hamas, é historicamente desastrosa, o que os manuais de guerra anti subversiva já ensinavam e a poesia de Manuel Freire reconhecia: «Não há machado que corte a raiz ao pensamento». Macron foi propô-la aos estrategas americanos e aos israelitas!

3 Comments

  1. Talvez a idade de Macron não permita ter um bom conhecimento da recente historia da França Colonial em Africa e Asia, …mas talvez pedindo á esposa, essa com certeza poderá ensinar ….

Leave a Reply