CARTA DO PORTO – RECORDANDO UM CAMPEÃO – Por José Carlos Oliveira (562)

 

 

ABÍLIO SERAFIM DA CONCEIÇÃO

Cem anos, cem títulos de campeão (1923 – 2023)

Este apontamento acerca da história desportiva do Abílio, «o Ruivo», constitui uma homenagem para assinalar os cem anos do seu nascimento (26 de Dezembro de 1923) e baseia-se em muito do que ouvimos e do que fomos lendo na imprensa, mas, também, do que ainda tivemos a grata oportunidade e o enorme privilégio de verificarmos pessoalmente.

 

O Abílio foi internacional por Portugal em duas modalidades: Basquetebol e Andebol de Onze.

Envergando a camisola das quinas na selecção de basquetebol
Em representação da selecção de andebol 11 em 1951, no extinto estádio do Lima na cidade do Porto, num jogo Portugal 9 X França 7

Natural do Bonfim – Porto, brincava no castiço bairro de S. Vítor, nas Fontainhas. Com uma bola a sério, começou por brincar nas Camélias, onde o olho cirúrgico de Alves Teixeira o detectou, fazendo-o jogador do seu S. C. Vasco da Gama.

Sob a orientação de Alves Teixeira, o Abílio treinava no Campo das Camélias na parte da manhã a partir das 9 horas — e sempre que possível também da parte da tarde — os lançamentos e dribles, tudo isso a troco de uns simbólicos trocos do bolso do próprio Alves Teixeira.

Teve o seu baptismo com a camisola das quinas no Basquetebol, em 1 de Maio de 1947 – no dia em que foi Pai pela primeira e única vez de Maria Fernanda – em Madrid, num Espanha x Portugal, quando ainda representava o S. C. Vasco da Gama. Outras internacionalizações se lhe seguiriam, desconhecendo-se porém o seu número exacto.

Integrou a Selecção Nacional Ferroviária nos campeonatos da USIC — Union Sportive International des Cheminots — em 1951, 1953 e 1955 (sagrando-se Vice-Campeão em 1951 e 1955), tendo, aquando do Campeonato disputado em França (1951), merecido por parte da imprensa portuguesa da época a seguinte menção: «na altura da distribuição dos prémios, a assistência brindou Abílio Serafim com a maior ovação, apreciando a sua enorme técnica e tenacidade».

No ano de 1975, comandou como seleccionador e treinador a equipa ferroviária portuguesa que disputou o campeonato da USIC, em Wroclaw – Polónia.

A Selecção do Porto chamou-o por diversas vezes para fazer equipa com jogadores como o Pima, o Veiga e o Dias Leite, entre outros.

Já em Setembro de 1949, o extinto jornal O Comércio do Porto cotava-o como «o melhor jogador de todos os tempos» e acrescentava que «a sua ida para o basquetebol corporativo com o seu «Ferroviários», desfalcou o basquetebol nacional e que falta ele tem feito nos jogos internacionais».

Em 1951, à partida para Paris, para disputar o campeonato da USIC, instado pelo jornalista Nuno Rocha, o Abílio afirmou que «a minha maior aspiração como jogador de basquetebol é ser de novo internacional, o que se torna difícil porque só disputo provas corporativas».([1])

Em representação do S. C. Vasco da Gama, o Abílio Serafim sagrou-se Campeão Nacional de Basquetebol na categoria de juniores e sénior. Integrou a famosa equipa do S. C. Vasco da Gama que em 1946 defrontou e venceu a Selecção Nacional do Brasil, em jogo particular disputado na nave principal do Palácio de Cristal.

Em 13 de Janeiro de 1946 conseguiu a proeza de bater o recorde nacional dos marcadores — 50 cestos, correspondendo a 89 pontos, naquela época ainda sem «triplos» — num jogo da Divisão de Honra da Associação de Basquetebol do Porto, que terminaria com o resultado de Vasco da Gama 134 x 20 Portuense Desporto.

 

 

Essa extraordinária marca perdurou até à época de 1971/72, quando Dale Dovar, que foi uma lenda do basquetebol portista e nacional, marcou 119 pontos num só jogo, representando o F. C. do Porto.

 

Relativamente ao Abílio, referia O Norte Desportivo na sua edição de 20 de Maio de 1951 tratar-se de um «jogador extremamente habilidoso para qualquer desporto — praticou andebol, onde conta com cinco internacionalizações, futebol, voleibol, ténis de mesa e ainda atletismo, com vários títulos de Campeão Nacional, Distrital e Peninsular / Ibérico — atingiu no basquetebol notável categoria de encestador, sendo cotado como um dos melhores lançadores portugueses de sempre».

Em publicação do «Grupo do S. C. Vasco da Gama» no Facebook, datada de 4 de Março de 2023 — assinada por Luciano Rodrigues, em «Mais um Tesourinho» — com base num recorte de jornal de Maio de1950 e acerca da passagem pelo Porto das equipas de basquetebol dos «All Stars» e dos «Globetrotters», registaram-se dois comentários que aqui se transcrevem: «A partir deste dia a miudagem do Vasco foi apelidada de «Globetrotters» devido à sua extraordinária habilidade – Diamantino, Mário Barros, Abílio, etc., etc.» (José Silva) e, ainda, «O Vasco da Gama foi a grande escola de atletas, mas gostaria de referir o Abílio, que era um praticante excepcional, com uma visão de jogo fantástica, para além da sua veia de brincalhão. Grandes saudades desses tempos!» (Casimiro Fernando Silva).

 

A classe e o estilo de jogo do Abílio destacavam-se frente a todos os adversários
A classe e o estilo de jogo do Abílio destacavam-se frente a todos os adversários

 

De locomotiva ao peito, ganhou tudo o que havia para ganhar — foi um poliglota no desporto corporativo; um verdadeiro coleccionador de títulos! Foram pelo menos 100 as vezes que as suas mãos tocaram o título de campeão, no seu longo percurso entre o S. C. Vasco da Gama e o «Ferroviários», nos Campeonatos Federados e Corporativos.

 

Com o emblema da locomotiva, foram pelo menos 89 os títulos — 86 no Corporativo e 3 no Federado (2 Internacionais, 29 Nacionais e 55 Distritais) — assim distribuídos:

 

 

Tabela de títulos

Campeonato Corporativo

Campeonato Federado

Basquetebol Campeão Ibérico (2), Nacionais(6) e Distritais(19) Andebol de Onze Distritais (2)
Andebol de Onze Nacionais (16) e Distritais (16) Basquetebol Distrital (1)
Andebol de Sete Taça de Ouro (1), Nacionais (5) e Distritais (10)
Atletismo Nacional (1)
Voleibol Distritais (6)
Futebol Distritais (3)
Ténis de Mesa Distrital (1)

 

Em pé: Pires, A. Mário, Reinaldo, Abílio, Sande e Árbitros
Em Baixo: Maia, Ângelo, Armando, Esteves e Varela

Campeão Peninsular Corporativo 1951 – Pavilhão dos Desportos de Lisboa, 23/6/1951

(G.D.F.C. 57 X Indústrias Químicas de Madrid 20)

 

 

Com a camisola do S. C. Vasco da Gama colecionou, ainda como júnior, 1 Campeonato Regional e 1 Nacional, conquistando, já como sénior, 8 títulos Regionais e 1 Nacional.

 

Teve ainda uma curta passagem pelo futebol distrital sob a égide da A. F. do Porto, representando o Clube Desportivo de Portugal e o F. C. do Marco (nos anos 50), onde pôs à evidência os atributos de marcador de golos, através do seu poderoso remate de bico — «biqueirada» — e da boa notável capacidade de cabeceador, fruto da excelente técnica de impulsão que o basquetebol lhe deu.

Na sua profissão ferroviária, Abílio Serafim, «O Ruivo», era operário estofador, tendo entrado para as Oficinas Gerais do Minho e Douro da CP, em Campanhã, em 7 de Junho de 1947, mas foi um autêntico patrão no Basquetebol, na posição de base.

Ainda nesse ano de 1947, «alguém» intercedia em carta endereçada ao Eng.º Sousa Pires — Chefe da 4ª Circunscrição da CP e Presidente do Conselho Técnico do «Ferroviários»: «O Abílio, apesar de ser possivelmente o jogador mais valioso, ganhando muito pouco, enfrentando uma situação difícil, se se atender a que já é casado e tem uma filhinha. Vª Exª certamente aumentar-lhe-á as suas possibilidades de vida, logo que possível.»

O Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã viveu com ele o seu período áureo e, ainda hoje, o Abílio continua a ser um dos símbolos do «Ferroviários».

O Abílio foi o jogador ferroviário mais internacional — em Basquetebol e no Andebol — e foi considerado o melhor jogador ferroviário de Basquetebol de todos os tempos, logo seguido pelo internacional barreirense José Valente.

Em qualquer colectivo, há sempre individualidades que se destacam. No testemunho de jogadores como José Varela (falecido em 2019), Francisco Magalhães, José Viseu (falecido em 2023) e Felisberto Ferreira, entre outros, o Abílio constituiu sempre, sem qualquer favor, o destaque maior, um driblador e um lançador de encantos tamanhos, com aqueles seus inesquecíveis lançamentos de meia-distância, com a bola a bater na tabela e a cair suavemente dentro do cesto.

A maior referência do basquetebol ferroviário português despediu-se das competições na época de 1978/79 (Inatel), já com a bonita idade de 56 anos. Ganhou com naturalidade e todo o mérito a admiração e o absoluto respeito por parte dos amantes do Basquetebol, dos camaradas de trabalho e, como não poderia deixar de ser, o reconhecimento do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã, expresso na artística «salva de prata» nos anos 50, em 1981 aquando das «Bodas de Ouro» e ainda nos XX Jogos Desportivos Ferroviários de 1990, disputados em Guifões, sem nunca se pavonear em «VIP» — são assim as verdadeiras estrelas naturais!

 

 

No Andebol de Onze, foi internacional em cinco ocasiões, com destaque para a participação no Campeonato do Mundo de Seniores de 1948, realizado em Niorte – França.

 

Agraciado com salva de prata pelas mãos do Eng.º Celso Vasconcelos, Presidente do GDFC, anos 50

 

Recebendo um troféu das mãos do Prof. Manuel Puga, anos 60

 

Nunca mais o «Ferroviários de Campanhã» voltou a ter um jogador / atleta desse gabarito.

 

Desde 2002 que repousa para sempre no Cemitério de Campanhã.

Bem hajas, Abílio!

 

 

José Carlos Oliveira

(Ex-Presidente do Grupo Desportivo dos Ferroviários de Campanhã)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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