A Vida Depois da Vida – por José Magalhães

 Um Café na Internet  

 

 

Ilustração – quadro de Dorindo Carvalho

Gosto de escrever.

Escrevo muito, a mais das vezes só na folha guardada no mais profundo do meu pensamento. Invento histórias, diálogos, cenas e cenários, escrevo poemas de amor, de escárnio e de mal dizer, comento situações, acções, coisas do dia-a-dia e palavras ouvidas aqui e ali, e a grande maioria nunca passa pela caneta nem fica imprimida num papel. Escrevo em mim e dialogo comigo constantemente, pensando que ao menos posso escrever, mas para o passar a letra de forma falta ainda uma eternidade, mesmo tendo tempo de sobra.

Alarmo-me com a perspectiva de que mais cedo ou mais tarde esta minha capacidade se esgotará, e o meu stock de ideias desaparecerá sem que tenha tido a oportunidade de o dar a conhecer. Um dia morro e depois de morto já não escreverei.

Estes pensamentos angustiam-me. A morte angustia-me. Se estivesse a sonhar, quereria acordar, melhor, acordava-me para não me sentir assim. Será que depois de morrer poderei continuar a escrever, a inventar histórias, diálogos, cenas, cenários, e a poder fotografar a vida tal e qual ela seja naquele momento? É que eu também gosto de fotografar, de perpetuar momentos e de capturar instantes. Como seria bom poder continuar a escrever e a fotografar. Quando morrer irei para o Céu? Por certo que sim, que tenho trabalhado para isso. Quer dizer, tenho trabalhado mais ou menos. Se calhar mais menos do que mais. Se calhar não vou, mas gostaria muito de ir.

Como será a vida lá em cima? Encontrarei antigos amigos e familiares? Antigos amores? Ouvirei choros e risos? Haverá televisão? E música? A música faz-me muita falta. Gosto muito de quase todos os géneros. Nem sou esquisito nem nada. Estou certo que haverá música!

Estranhos estes pensamentos. Chego a ter receio deles. Já na semana passada andei com eles a bater na minha cabeça. Foi logo a seguir a ter sido assaltado e se calhar por causa disso. Roubaram-me as máquinas fotográficas de dentro do automóvel. Malditos automóveis que nos simulam a ideia de segurança. Malditos ladrões que não respeitam seja quem for. Fiquei cheio de raiva e de pensamentos obscuros. E se eu tivesse apanhado o ladrão em flagrante? E se me tivesse envolvido com ele? E se ele me tivesse espetado com uma faca ou dado um tiro. E se eu morresse? E por aí a fora o pensamento fluiu.

Poderiam ter-me levado os pensamentos, a minha escrita mental, as minhas capacidades, os meus poemas ou as minhas ideias. Mas não foi assim, o meliante só me levou as máquinas fotográficas e o GPS. O GPS não me faz falta, já que sei o caminho de casa. Sempre o soube, mesmo quando me perdia. Nunca me perdi de facto, foi sempre de amor ou de paixão. As máquinas, essas sim, fazem-me falta para caçar o tempo, para o parar e levar comigo ou para perpetuar momentos. Agora, tal como o que mentalmente escrevo, só os posso guardar nas gavetas fechadas à chave da minha memória, chaves que muitas vezes perco, e que quando as perco fico perdido, sem saber por onde ando. Tal e qual como se também me tivessem roubado os pensamentos.

Na semana passada e também no princípio do ano, esta coisa me passara pela cabeça. Esta coisa de morrer e de não saber o que me esperaria lá em cima. Mas não ficaram por lá nem as passei a papel. Só hoje o decidi fazer, como se fosse uma catarse.

(www.atributos-3.blogspot.com)

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