O caminho para nenhures- a crise da dívida europeia. Por Satyajit Das. III

Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota

 

(continuação)

 

Muro da Dívida…


Uma questão fundamental é a capacidade dos soberanos europeus de serem capazes de cumprir os seus compromissos nas datas de vencimento de dívida e de conseguirem manter os custos de tomada de fundos a um nível sustentável.


Os soberanos europeus e os bancos precisam de encontrar no mercado financiamento na ordem de grandeza de 1.9 milhões de milhões para refinanciar a dívida com vencimento em 2012, equivalente a cerca de 7,5 mil milhões de euros cada dia útil.


A Itália precisa de 113 mil milhões  de euros,  no primeiro trimestre e cerca de  300 mil  milhões de euros durante o ano completo, equivalente a cerca de 1,5 mil milhões  de euros por dia útil de negócios. A Itália, a Espanha, a França e a Alemanha juntos terão de emitir mais de 4,5 mil milhões de euros todos os dias úteis de 2012.


Os bancos europeus, cujos destinos estão entrelaçados com os dos países soberanos, devem 500 mil milhões de euros no primeiro semestre de 2012 e 275 mil  milhões no segundo semestre. Eles precisam de levantar 230 mil milhões de euros por trimestre em 2012 em comparação com 132 mil milhões de euros por trimestre em 2011. Desde Junho de 2011, os bancos europeus foram apenas capazes de levantar cerca de 17 mil milhões de euros em comparação com 120 mil milhões para o mesmo período em 2010.


Dado que os bancos e os investidores têm vindo a reduzir suas exposições ao risco activos dos  países europeus e dos seus bancos, a capacidade de financiar este muro da dívida é incerta. O fundo de resgate e o FMI, com cerca de Euro 200-250 mil milhões  cada um deles  não pode absorver essa emissão. A Europa vai ser forçado a recorrer a “Sarko-nomics solution”  para se financiar a si-mesma, ou seja, os bancos europeus comprarem a dívida e depois, tomando-a como colateral,  levantarem ilimitadamente fundos no BCE  ou nos respectivos bancos centrais nacionais,  o que perpetua o fluxo circular de fundos com os governos  a apoiar os bancos que por sua vez é suposto resgatarem os governos nacionais.


O BCE reduziu as taxas de juro do Euro e alongou o prazo de financiamento de emergência dos bancos por três anos, com regras mais fáceis em aceitar títulos como garantia (um bilhete de loteria é agora aceitável como garantia para empréstimos). O Presidente francês sugeriu que os bancos devem comprar títulos do governo, que poderiam então ser colocados como garantia para conseguirem levantar fundos ilimitados junto do BCE ou junto dos  bancos centrais nacionais.


Nicolas Sarkozy foi extraordinariamente directo: “cada Estado pode virar-se  para os seus bancos, que terão  liquidez à sua disposição.”  Sarkozy sublinhou  que ganhar 6% sobre  obrigações italianas que poderia então ser financiados a  1%  pelos dos bancos centrais é simples de entender, nem é preciso pensar. Ao mesmo tempo, o presidente do BCE, Mario Draghi está a pressionar os bancos a reduzirem  as carteiras de títulos  soberanos e para utilizar os fundos fornecidos para responderem aos seus compromissos nas datas de vencimentos da dívida.

 

A Sarko-nomics perpetua o fluxo circular de fundos com os governos a apoiar os bancos que, por sua vez, devem apoiar o governo. Ele não aborda sequer o elevadíssimo e insustentável custo do levantamento dos fundos para países como a Itália. Se o custo da dívida fica em torno de taxas correntes de mercado, os custos de juros da Itália aumentará em cerca de 30 milhares de milhões de euros nos próximos dois anos, ou seja 4,2% do PIB actualmente até 5,1% do PIB  no próximo ano e de  5,6% em 2013.


Em muitos países, Sarko-nomics poderá ser complementada pela “opressão financeira”, com os governos a pressionarem os seus cidadãos e instituições para comprarem  títulos soberanos. As mudanças na regulação exigirão uma parte da poupança individual para a reforma  a ser investida  em títulos do governo. Os bancos e as instituições financeiras serão obrigadas a ter em carteira  quantidades crescentes de títulos do governo para satisfazer os  requisitos de liquidez e outros. Pode haver restrições aos investimentos estrangeiros e às transferências de capital para fora do país.


A opressão financeira irá complementar as estratégias tradicionais de finanças públicas, tais como a redução directa das despesas governamentais, as reduções indirectas na forma de mudança de condições de elegibilidade, tais como o adiamento na  idade da passagem à  reforma, mais elevados  impostos, incluindo a re-introdução dos impostos sobre a riqueza e sobre a propriedade  bem como sobre os direitos de sucessão ou de doação .

 

A redução da dívida através de uma reestruturação permanece fora da agenda. A reacção adversa do mercado ao anúncio da redução de 50% na dívida grega forçou a UE a garantir aos investidores que o caso grego era uma excepção e não constituiria nunca, mas nunca mesmo,  um precedente. Apesar disso, os investidores permanecem cépticos, limitando as compras de dívida soberana europeia.

 

Os países mais fracos da zona euro poderão tentar resolver as suas exigências de dívida através destas medidas, mas isto só iria prolongar o período de ajustamento.  Isto também irá aumentar a dimensão do problema, enfiando a Europa num período de baixo crescimento e de aumento dos níveis da dívida.


Em confronto com a realidade


As perspectivas para a economia real na Europa são incertas. Os problemas de dívida europeia e a desaceleração do crescimento nos mercados emergentes, como China, Índia e Brasil podem levar a um crescimento baixo ou mesmo a nenhum crescimento.


Para as nações que receberam resgates, as medidas de austeridade impostas não funcionaram. O crescimento, os objectivos quanto ao défice orçamental e à dívida parecem ter sido perdidos. A Grécia tem em Março de 2012 um vencimento de uma parcela da sua dívida, neste caso de 14,4mil milhões de euros. O Primeiro-ministro Lucas Papademos deve cumprir os actuais objectivos e acordar o segundo resgate grego no valor de 130 mil milhões até ao final de Janeiro de 2012, antes das eleições agendadas, de modo a poder permitir que o financiamento oficial esteja  disponível para re-financiar essa dívida.


Mesmo a Irlanda, a criança muito elogiada do poster de propaganda do resgate pela   austeridade, tem  tido problemas. No terceiro trimestre o PIB do país caiu 1,9% enquanto que o Produto nacional Bruto (PNB) desceu 2,2% (este último agregado é uma melhor medida de desempenho económico na Irlanda, devido à grande actividade de exportação do país ou de / actividades  de transbordo).  A Irlanda deve reduzir o seu défice orçamental de cerca de 32% do PIB em 2010 para cerca de 3% até 2015. Apesar de aumento nos cortes da despesa pública e do aumento dos impostos, a Irlanda está a gastar  57 mil milhões de euros, incluindo 10  mil milhões de euros  para apoiar os seus cinco bancos nacionalizados, contra  34 mil milhões de  euros  em receitas fiscais.


A Espanha, que tem voluntariamente assumido a cura pela austeridade, está a não cumprir os seus objectivos económicos. O défice do orçamento da Espanha está acima da previsão e esta tem necessidade de apoiar o do sistema bancário espanhol o que pode prejudicar ainda mais as finanças públicas. A previsão económica para a Espanha é de a situação  se degradar ainda mais.


De acordo com o primeiro-ministro Mario Monti, a Itália aprovou medidas legislativas e orçamentais para estabilizar a dívida. As acções concentram-se sobretudo no aumento dos impostos , especialmente o imposto sobre as taxas do IVA, ao invés de cortar nas despesas públicas. As reformas estruturais para promover o crescimento ainda estão a ser estudadas e quer em termos de conteúdo quer em termos de aplicação temporal nada se sabe ainda. Também não é claro se os planos serão totalmente implementadas ou mesmo se eles funcionam..

 

Se as coisas continuarem na mesma no resto da Europa, é improvável que a Itália seja  capaz de estabilizar as suas finanças públicas. A queda acentuada na procura a partir de cortes na despesa pública e de impostos mais altos irá resultar numa desaceleração económica, o que resultará em défices contínuos e dívida crescente.

No terceiro trimestre de 2011, a economia da Itália contraiu-se em cerca de  0,2% do PIB.  A previsão do governo é de uma maior contracção de 0,4% em 2012. As previsões do governo podem até ser muito optimistas. A Confindustria, a federação italiana da indústria prevê que a economia irá ser sujeita a uma contracção de  1,6% em 2012.


O consumo é especialmente fraco em muitas das economias com fortes problemas, com a Grécia a ter  quedas de cerca de 30% e a Itália também já a sentir  grandes quedas.


Os países mais fortes dentro da zona-euro também serão afectados. A falta de procura dentro da Europa e dos mercados emergentes para as exportações, combinadas com condições de crédito mais restritivas podem retardar o crescimento.


A produção industrial alemã e as encomendas de exportação estão a sofrer uma  desaceleração , reflectindo o facto de que a UE continua a ser o seu maior mercado de exportação, maior do que a procura  dos países emergentes. As exportações da Alemanha para a Itália e para a Espanha, são cerca de 9-10 por cento do total em 2010, taxa superior quer à das  exportações para os EUA (6-7%) ou ainda China (4-5%).


Como o que acontece na Europa não tem apenas  efeitos sobre a  Europa, sendo transmitido através de canais do comércio internacional e do  investimento, os efeitos de reacção negativos  vêm  complicar as perspectivas de evolução económica.


Uma complicação poderá ser o próprio euro. Seguindo os seus homólogos americanos, que insistem que eles favorecem um dólar forte,  o ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble, de modo  inconsistente  com a realidade, declarou que: “O Euro é uma moeda estável”. Na verdade, o euro caiu cerca de 12% em relação ao dólar.


Se a crise da dívida europeia causa a volatilidade do euro, como parece provável, os efeitos serão generalizados. Um elemento não público dos sucessivos apelos para que o BCE se envolva na flexibilização quantitativa, na quantitative easing,  é para enfraquecer o euro, aumentando a competitividade das exportações dos  países europeus mais fracos e assim estimular o crescimento económico. Tais acções correm o risco de  desencadearem uma  guerra  de moedas  e quer  as  nações desenvolvidas (EUA, Japão, Grã-Bretanha, Suíça) quer  os países emergentes podem querer retaliar. O risco de controles de capital, das restrições comerciais e das intervenções cambiais são elevados. 

 

(Continua) 

 

Satyajit Das,  The Road to Nowhere” – Europe’s Debt Crisis. 9 Janeiro de 2012.

 

Das é o autor de Extreme Money: The Masters of the Universe and the Cult of Risk (2011)

 

 

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