A VIAGEM
Poucos dias de estadia no ordinário hotel chamado Grafanil de zero estrelas, nas redondezas de Luanda, o Batalhão 1875 arranca em marcha, rumo ao norte, distrito de Uíge, mais propriamente Cidade Carmona.
A marcha é logo de manhã, com primeira paragem em Úcua, cenário acentuado de guerra continuamos estrada fora, metidos em camiões descapotados sob as ordens e responsabilidade do tenente-coronel Júlio dos Santos Batel.
Em cima deste oficial recaía a responsabilidade de um bom punhado de homens, todos eles com pouca experiência de vida, embora na flor da juventude. Chegamos já noite à capital do Uíge, Carmona. De Luanda a Carmona, não sei dizer quantos km são, mas levámos um dia inteiro para fazer este trajecto com um piso de alcatrão extraordinário e a viagem correu extraordinariamente bem.
Pernoitamos nas redondezas da cidade, em cama de “cão”, embrulhados num cobertor e toca a descansar uns em cima das viaturas outros, no chão.
Depois de uma bela noite de descanso…Acham?…Arrancamos viagem em direcção a Vila Nova de Caípemba, Vila do Songo, Vale Loge, onde ficou estacionado o comando companhia serviços.
A outra companhia foi para o Ingae, a 1494, na qual eu ia integrado sob o comando do graduado tenente Adelino Q. F. de Almeida – mais tarde promovido a capitão – desinibido homem alto, tipo militarista de carreira, mas amigo dos seus homens, depois direi porquê!…
A 1ª SAÍDA PARA O MATO – INAUGURAÇÃO
Chegado ao Toto, fomos recebidos pelos Veteranos mais velhos. Em Toto, local que foi durante 17 meses um lugar com óptimas condições em pleno centro de guerra, tínhamos lá estacionados manutenção de alimentos e oficinas auto.
Era aqui que muitas companhias vinham fazer reabastecimentos de toda a qualidade de mantimentos. Este local comandado por um oficial posto tenente, também tinha um Aeródromo à distância seguramente a 3 km. Neste encontravam-se dois rapazes do Fundão: o António Augusto e o Beleza, este último ainda o vejo com muita frequência.
A unidade que fomos render foi deslocada para o leste de Angola e creio terem terminado aí a sua comissão, nestas coisas em princípio não atribuímos certa e determinada importância, porque queríamos era dias passados. O Beleza e o António Augusto, eram rapazes da minha recruta do mesmo curso Batalhão Caçadores 6, Castelo Branco.
Na primeira saída para as operações, acompanhados ainda pelos veteranos mais velhos, não sei com quantos meses na altura, lá saímos para o mato. Mas ainda dentro da parada no momento de saída, quando mal dou por mim vejo um indivíduo a lutar com o tenente Almeida em cima da viatura…
Nunca cheguei a saber o porquê.
A inauguração da primeira saída foi para os lados do Rio Mabrites, alguns km depois, saímos das viaturas e continuamos o itinerário a pé.
Percorridos alguns km sobre intensa mata e debaixo de um calor infernal, fomos sendo dirigidos pelos soldados mais antigos conhecedores da zona. Nesta coluna penso ter ido um rapaz de Valverde, que me ajudou a atravessar um rio às costas.
Alguns km depois, as viaturas esperavam por nós a fim de regressarmos ao quartel, mas perante a primeira saída para a guerra, vi jeitos de deitar o estômago fora, devido ao enjoo, disse para comigo mesmo se isto continua assim como irei aguentar dois anos extremamente difíceis, não estando habituado a este tipo de alimentação, bolachas, ração de combate e água podre…
A primeira saída em contacto com a guerra, correu dentro da normalidade, embora com um esforço tremendo apesar da boa preparação física.
Mas noutras operações mais complicadas, vi colegas do pelotão de morteiros derramar lágrimas em plenas operações. Porque andar a carregar com a “Querida namorada costureirinha” (termo carinhosamente usado para apelidar a arma de guerra), mais munições, morteiro grande e respectivo prato, e ainda as granadas para o alimentar, chegámos a descer morros com o rabo de rastos.