LONDRES É TOMADA. A NOTÍCIA CHEGA A VENEZA

 

 

 

07h00 – Forças da EPA de Vendas Novas, comandadas pelos capitães Patrício e Mira Monteiro, ocupam a colina do Cristo-Rei, em Almada (com o nome de código Londres). – Surge no Terreiro do Paço, do lado da Ribeira das Naus, um pelotão de reconhecimento Panhard do RC 7, orientado pelo seu 2º comandante, tenente-coronel Ferrand de Almeida que, perante o dilema de ter de disparar ou de se render, opta por esta última posição, sendo preso.

 

– Uma coluna do RC 3 de Estremoz, sob o comando do capitão Andrade Moura e Alberto Ferreira, sai do Quartel e dirige-se a Setúbal, a fim de atingir a Ponte Salazar (actual Ponte 25 de Abril). Juntam-se-lhe os capitães Miquelina Simões e Gastão Silva, colocados no Regimento de Lanceiros 1 de Elvas, na sequência do frustrado golpe das Caldas.

 

O Agrupamento Norte – envolvendo, nesta altura, forças do RAP 3 e CICA 2 da Figueira da Foz e do RI 10 de Aveiro – sai a porta de armas do Quartel e mete-se à estrada em direcção a Leiria.

 

 

07h30 – O RI 14 de Viseu chega à Figueira da Foz e integra as forças do Agrupamento Norte muito antes da sua chegada a Leiria, assumindo o comando o capitão Gertrudes da Silva.

 

– É lido por Luís Filipe Costa o 5º comunicado do Movimento das Forças Armadas, em que se fornecem elementos acerca dos objectivos do MFA.

 

– É detido, nas imediações do R.C.P., o tenente-coronel Chorão Vinhas, comandante interino do BC 5.  Uma segunda coluna da EPC, constituída por cinco carros de combate (2 M47 e 3 M24) e dois pelotões de atiradores (cerca de 60 homens), comandada pelo capitão Correia Bernardo, atinge o perímetro de Santarém, pronta para avançar para Lisboa em apoio da coluna de Salgueiro Maia. A evolução favorável dos acontecimentos acabou por tornar desnecessária tal medida.

 

07h40 – A Companhia de Caçadores (Ccaç 4241/73) ocupa o centro emissor do R.C.P., em Porto Alto.

 

07h50 Os capitães Glória Alves e Ferreira Lopes, à frente de um pelotão do Centro de Instrução de Condução Auto 5 (CICA 5) de Lagos, ocupam o centro retransmissor de Fóia.

 

 

O argunauta Manuel Simões, professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade Cà Foscari, em Veneza, conta como foi o seu 25 de Abril:

 

A primeira notícia chegou-me com o noticiário da Rádio 3 (RAI) logo às sete da manhã. Vaga e inquietante, não só porque apreendida naquele limbo que os italianos designam por “dormiveglia” (dormitar) mas sobretudo pelo carácter lacunoso da informação: golpe de Estado, insurreição armada, não se sabia bem o quê, a única certeza era que naquela madrugada qualquer coisa de anormal e grave, do ponto de vista político, se estava vivendo em Lisboa. E essa “qualquer coisa” provinha da extrema-direita ou da esquerda?

 

Por volta das nove horas, telefonei ao amigo escultor Leça da Veiga (primo do nosso companheiro argonauta), então bolseiro e a frequentar a Universidade Internacional das Artes de Veneza, o qual, incrédulo pela notícia que lhe dava em segunda mão, me perguntou se eu “não estaria a sonhar com revoluções”. Aconselhei-o a ligar o rádio ou o televisor e a prestar atenção aos noticiários. Eu faria outro tanto, já que as comunicações com Portugal se revelavam impossíveis.

 

Foi neste estado de ansiedade (teria partido o golpe do grupo de Kaúlza de Arriaga?) que se viveu aquela manhã veneziana à procura de captar uma rádio internacional que trouxesse um pouco de luz à nossa esperança. Esforço inglório. Só o noticiário das 13 horas levantou a ponta do véu, ainda que timidamente e sem certezas, mas começava a perceber-se, pelos indícios, que o Estado Novo estava a ser derrubado. Marquei encontro com o Leça da Veiga num café do Campo de Santa Margherita, trocámos as nossas informações e festejámos o evento com as manifestações de júbilo ao nosso alcance: sorrisos abertos, punho esquerdo erguido (com o espanto dos outros clientes) e selámos tudo com um “spritz al bitter”, bebida muito popular em Veneza, vestígios da ocupação austríaca, e que consiste numa mistura de vinho branco, bitter, gelo e água sifonada. Só lamentámos a nossa ausência física de tão suspirado e tantas vezes adiado momento de euforia colectiva.

 

O impacto do 25 de Abril, a nível internacional, foi, como se sabe, enorme e a Itália não escapou a esse entusiasmo: “Lotta Continua” suspirava por um processo revolucionário semelhante; surgiram cantautores que celebraram o acontecimento; e até algumas palavras portuguesas entraram no vocabulário comum italiano, salientando-se “boato”, que passou a usar-se momentaneamente com o significado português, visto que em italiano a palavra, tendo a mesma etimologia, é, em termos semânticos, um “falso amigo” para os tradutores, significando “explosão, estrondo, fragor”. Traduziram-se muitos textos para italiano, de que o volume de César Oliveira, “M.F.A. Portogallo – un esercito per la rivoluzione” (Milão, Moizzi Editore, 1975) contribuiu seguramente para a grande perplexidade da esquerda italiana: “como era possível que fossem os militares a criar as condições para uma revolução?”.

 

 

 

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