MUNDO CÃO – OS PIRÓMANOS E A CAIXA DE PANDORA NO MÉDIO ORIENTE -3

(Conclusão)

A MÃE DE TODAS AS AMEAÇAS

 

Se continuarmos a percorrer, agora de maneira mais sumária, as consequências várias da “primavera árabe” lembremos a forma como foi barbaramente asfixiada a revolta popular no Bahrein através de uma invasão saudita com apoio norte-americano.  O caso é exemplar para ilustrar a falsidade e a mentira de todos os argumentos que são usados para explicar comportamentos e atitudes de Washington, Bruxelas e seus aliados regionais. A Arábia Saudita, uma ditadura religiosa que mandou as tropas esmagar o movimento pela democracia no Bahrein é o mesmo país que actua financeira e militarmente pela instauração da “democracia” na Síria. Pouco mais é preciso dizer a não ser – porque se trata de uma situação fulcral para os perigos que temos em desenvolvimento – que a liquidação do levantamento no Bahrein atingiu sobretudo xiitas (logo, “pró-iranianos”) e o apoio aos “rebeldes” na Síria favorece sunitas, comunidade afim com o poder saudita.

Na Líbia, a NATO e os “rebeldes” por ela apoiados, dominados em termos operacionais pelos radicais islâmicos, deixaram o caos no país, agora na verdade governado por dezenas de milícias armadas, tribos, seitas associadas à velha monarquia e grupos secessionistas guiados por interesses económicos externas, como acontece através da “separação administrativa” declarada pela Cirenaica, a região que concentra as maiores reservas de petróleo do país, consideradas as mais importantes de África.

No Iémen, tudo o que se passa tem como objectivo fundamental garantir que o país funcione como uma base militar norte-americana no âmbito de uma rede estratégica que inclui o Bahrein como sede da Quinta Esquadra, uma base área por ora vocacionada para drones (aviões sem piloto) nas Seychelles e o controlo absoluto do território e das facilidades navais do Djibuti por forças militares dos Estados Unidos. O domínio total sobre o Corno de África e a costa africana do Índico, somado ao controlo sobre a Península Arábia e o policiamento do restante Médio Oriente através da aliança com Israel, traduz uma poderosa operação imperial de recomposição e reforço estratégico. Uma exibição de força e de poder que poderia representar a garantia de tutela absoluta sobre as principais fontes de energia mundiais se…

Este “se” é um grande “SE” que a situação na Síria ajuda a compreender nas suas fragilidades e enormes riscos para a região e para o mundo.

As grandes potências patrocinadoras destas adaptações estratégicas estão a brincar com o fogo reactivando demónios que a prazo não conseguirão controlar e que os regimes laicos nacionalistas árabes, com todos os seus defeitos e insuficiências, mantiveram relativamente adormecidos. Demónios na acepção da palavra, porque se trata de fenómenos religiosos cuja exploração tem vindo a causar problemas até agora insolúveis como acontece no Afeganistão e no Paquistão, como sucedeu em Israel quando deu alento ao Hamas para dividir os palestinianos na primeira Intifada, como ainda se verifica no Bahrein, como está a ocorrer na Líbia e estando apenas abafados por força militar na Bósnia, na Macedónia, no Kosovo…

Os irresponsáveis dirigentes ocidentais estão a acirrar uma guerra religiosa que só poderá ter consequências trágicas muito para lá da pretendida divisão do mundo islâmico. Através das petromonarquias do Golfo, dos neo-otomanos de Ancara, dos salafitas líbios, egípcios e de várias outras regiões, que são expressões da grande maioria sunita no islamismo, pretendem vulnerabilizar e isolar o grande e cobiçado centro xiita, o Irão. Por isso a família Assad tem que ser derrubada na Síria, não porque não seja democrática mas sim porque a minoria governante alauita, parte do xiismo, logo com afinidades religiosas e culturais com o Irão, é um obstáculo à dominação do país pelos sunitas a soldo de Riade, Ancara, Telavive, Bruxelas e Washington. Escusado será dizer que todos os bandos de mercenários infiltrados na Síria a partir dos países vizinhos, são fundamentalistas sunitas como a al-Qaida e aparentados.

No limite, os dirigentes ocidentais que ambicionam garantir a tutela sobre o petróleo do Irão e o desaparecimento de um regime que incomoda o domínio Israel sobre a região, encorajam, animam e financiam uma guerra religiosas envolvendo as populações de países onde as crises provocadas pelos confrontos e pelas carências económicas e sociais têm levado as camadas maioritárias e mais atingidas, as dos mais jovens, a refugiar-se em massa nas causas religiosas mais radicais.

Tivemos e temos no Iraque uma pequena amostra do que podem provocar esses confrontos sectários. Agora recordemos que o islamismo é a religião mais populosa do mundo, pelo que antagonismos deste tipo dirimidos militarmente numa zona não tardarão a estender-se a outras regiões mais ou menos distantes.

Os mais poderosos dirigentes mundiais estão irracionalmente a abrir uma assustadora caixa de Pandora.

 

 

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