AMAR OU NADA: O VERDADEIRO PARALELO DA GRÉCIA COM A REPÚBLICA DE WEIMAR, por Paul Mason

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

(continuação)

Parte II

E aqui reside o paralelo com a Grécia: um país comprometido com a austeridade, cujos partidos centristas estão agrupados numa coligação que representa as forças do conservadorismo e da social-democracia. A coligação vê-se ela própria como o último baluarte contra um governo de extrema-esquerda e está a tentar  reprimir o extremismo utilizando a força policial  que  tem sido criticada pelas  tendências extremistas.

Mas apesar desses paralelos, a Grécia não está à beira de um colapso como o que se verificou na República de Weimar.

Nem se está perante  a  “guerra civil”  como pretendem os líderes da extrema-direita  Aurora Dourada.  O que aqui há de comum é que a Grécia tem níveis de instabilidade e de radicalização política em que se está perto dos  níveis vistos na Alemanha nos inícios dos anos 1930  e não mais tarde, em 1933.

O problema é o seguinte: economicamente a Grécia aproxima-se agora dos  níveis que levaram ao colapso económico de 1933.

O desemprego foi de 30% na Alemanha quando Hitler chegou ao poder; é de 25,1% e a subir  na Grécia.  O PIB caiu  em  cerca de 7% em 1931 e 1932, na Alemanha. A sua taxa actual  de descida é praticamente a mesma que na Alemanha de então : 7% ao ano.  Os bancos alemães tinham ido à falência em 1931. Os bancos gregos estão  na verdade já parcialmente  nacionalizados.

Pode-se  ver o impacto físico deste  Stadiou Street  em Atenas.  Tem-se  falado de lá muitas vezes nestes  últimos dois anos e meio, mas esta última vez este parecia desolado.

Havia uma arcada onde, há pouco mais ou menos um ano atrás, lembro-me de estar a descrever  sobre como é que as pequenas empresas especializadas na Grécia foram condenadas: a loja de canetas, a loja de colecção de selos, a  loja da estação. Estas lojas, hoje,  desapareceram toda elas.

Assim,  as ruas elas próprias falam-nos muito.  O cinema de arte Nova   que foi queimado no ano passado; o banco Marfin Bank , na porta ao lado, incendiado com a morte de três trabalhadores durante um motim em 2010.

Nas paredes houve quem tenha colocado uma pichagem a spray:  “amar ou o nada”. Neste momento há um inferno de coisas de nada: lojas fechadas, despojadas, barradas, pintadas com graffitis, os taipais estragados pelas munições usadas nos motins, lojas queimadas, fechadas de vez.

E em nenhum outro lugar há  o impacto humano desta situação estranha  que é ainda mais clara do que quando se fala com os jovens.

Pessoalmente conheci Yiannis e Maria num  apartamento calmo e vazio  em Exarchia, o bairro boémio de Atenas. Apesar das  suas contusões e das  suas ligaduras  eles conseguiram  convencer   alguns a exporem-se face às câmaras  – anonimamente e  nas suas roupas com capuz   –    para  que se fizesse um registo das suas  afirmações sobre a  brutalidade sobre eles exercida quando estavam sob custódia da polícia  .

O que me impressionou, para além das  suas declarações   (que são negadas pela polícia,   mas parcialmente confirmadas  pelo relatório de um legista), foi o desprendimento  deles face à vida normal .

Eles já esperavam  que a polícia fosse  brutal e que fossem fascistas. Eles estavam era ainda mais indignados por terem que ouvir como ouviram   (é o que eles  alegam) a propaganda da Aurora Dourada  nas células da própria polícia. Mas eles estavam relutantes em apresentar  uma queixa no quadro deste  sistema.

Para dezenas de milhares de jovens a vida é já ela  vivida de forma semi-clandestina,  semi-underground: ocupando casas devolutas em vez de as alugar, a mendigarem  alimentos e outros pequenos objectos junto dos amigos, a voltarem  para as aldeias dos avós, a surfarem nos sofás. Yiannis é um técnico esporadicamente empregado numa indústria cultural. Maria é uma profissional altamente qualificada que serve à mesa.

O autor britânico Laurie Penny capturou muito bem esta situação num seu recente livro de memórias de uma viagem para Atenas: “nós viemos para aqui à espera   de ver e sentir  as manifestações, os confrontos entre os manifestantes e as forças policiais. Em vez disso encontrámo-nos  nós próprios a olhar para o que acontece quando os tumultos são diminutos ou lentamente vão acabando e são então substituídos pelo horror da inércia .” (Penny L e Crabapple M, Discordia, Random House 2012)

Uma horrorizante  inércia é o que agora se  escoa do mundo destes jovens activistas semi-clandestinos, semi-legais,  para o mundo das pessoas comuns .

O que as pessoas fazem – se são  os anarquistas de preto encapuçados  em Atenas ou os jovens agricultores na Tessália, na sua terceira ou quarta garrafa  cerveja à  hora do almoço – é transformado em questão pessoal.

Já não é “o que é  pessoal é político”- mas sim o pessoal em vez do político. Na verdade, os manifestantes ainda se mostram  em grandes números, tal  como na greve geral na semana passada. Mas passam quer pelo impulso de se manifestarem quer até pelo impulso de provocarem distúrbios.

“É somente para mostrar aos dois lados, aos policias e aos anarquistas”, é o que foi dito pelo meu acompanhante  grego até porque as pessoas fogem com os estoiros e com  o atirar de gases lacrimogéneos.

Há um ano, a palavra de ordem era “anomia” – o medo do colapso anómico, em que pequenos grupos e comunidades desistem da lei e da ordem para criar as suas próprias lei e ordem. Na altura, disse então:

Veja-se  o relato  de Paul Mason sobre  a ruptura em situação de anomia em Setembro de 2011, veja-se o filme disponível em:

http://www.bbc.co.uk/news/world-20105881

Não há mesmo muito activismo em situação de anomia, ou seja, em situação de contestação não enquadrada pelos partidos; o movimento  que desafiou o pagamento das portagens e interrompeu a venda de casas retomadas aos seus compradores em incumprimento – que foi grande na Primavera – é agora minúsculo.

Se alguma coisa ou alguém capta a palavra de ordem dos finais de 2012  na Grécia é a pessoa que fez a pichagem a spray onde se lia  o slogan “Amar ou nada”. É menos sobre a anomia, mas é bem mais sobre a depressão.

O que tem deprimido muito a sociedade grega – desde o centro-direita  liberal, até à  esquerda liberal – é a rápida ascensão do partido  Aurora Dourada.

Nas duas eleições de Maio / Junho de 2012, estes tiveram  entre 6-7%. Nada como um salto enorme como na Alemanha, ao estilo dos  anos 30.

Mas estes  começaram eles mesmos a aplicarem a lei, a substituir a polícia,   contra os imigrantes  e sem qualquer intervenção das forças da ordem. Em mercados de rua em Missolonghi e Rafina os seus activistas uniformizadas verificaram  as licenças dos migrantes feirantes, e ostensivamente  destruíam tudo o que pertencia aqueles que  não tinham  as licenças.

Como os dados eleitorais mostram – uma contagem – 45% dos policias votam  a favor da Aurora Dourada, o que está a levantar fortes  preocupações sobre o facto de  que o apoio dado à extrema direita está a começar  a distorcer as prioridades operacionais da polícia a nível local.

Quando desafiei um segundo comando de  Aurora Dourada, Ilias Panagiotaros, este reivindicou apoio no seio da polícia em  cerca de “60% ou mais”. E este  deu-me  uma explicação arrepiante de como as acções extrajudiciais da Aurora Dourada estão a afectar  o estado de direito. Referindo-se aos ataques feito às tendas dos mercados  disse:

“Com um incidente, que foi com uma  câmara, o problema foi resolvido – em cada mercado aberto por toda a Grécia os  imigrantes ilegais desapareceram. Havia alguns a serem empurrados e algumas lutas  – nada de extraordinário, nada de especial –  basta apenas um telefonema a dizer  que Aurora Dourada vai passar para que a polícia vá lá,  o  que significa que o nome Aurora Dourada  é, só por si,  muito eficaz…”

A Grécia, na verdade, tem um enorme e aparente problema com a imigração ilegal. Os centros de muitas cidades estão – ou estavam  até este verão – cheio de jovens, migrantes masculinos do Afeganistão, Somália, Sudão e, cada vez mais, da  Síria.

Muitos gregos temem-nos  e sentem-nos  como uma ameaça à ordem social e a um estilo de vida tradicional – num país que nunca teve quaisquer  colónias e, portanto, não teve até agora a experiência de uma elevada diversidade étnica.

(continua)

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