Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Na Grécia, a Europa criou a tortura voluntária, mas em vão
Laurent Pinsolle
A Grécia está na posição de Prometeu, em que a ave de rapina Europeia lhe devora o fígado que reflui dia a dia. Ao invés de pôr em causa o euro, esta Europa monstruosa e desumana parece disposta a torturar a população grega indefinidamente. Quem irá ser o Hércules de Atenas? |
A História irá sem dúvida ser extremamente severa contra os líderes da Grécia que aplicaram políticas tão monstruosas socialmente e pela quimera de permanecerem na moeda única Europeia. Um novo exemplo com mais um plano de austeridade, o enésimo, acabado de votar no Parlamento.
Uma austeridade absolutamente em vão
Como anunciei no início do ano aquando de mais um outro plano de resgate (dos credores do país e da moeda única, à custa dos contribuintes europeus e ao preço de um autêntico massacre social na Grécia), as hipóteses mantidas pelos tecnocratas incompetentes da Troika não se verificaram nem verificam, conforme o mostra cruelmente este gráfico do The Economist. No entanto, não há nenhuma necessidade de ser um adivinho para o prever, bastaria olhar o suficiente pelo retrovisor.
Desde o final de 2009, como tínhamos sido muitos a prevê-lo, a cura de austeridade selvagem que se inflige ao país não pode funcionar. Para já, há a imensa regressão social que isso provoca (taxa de desemprego recorde, colapso do poder de compra) e esta deveria, por si só, obrigar os dirigentes do país a reflectirem. Mas esta austeridade mortífera chega mesmo a ser contra produtiva para a gestão da dívida e dos défices, porque, ao provocar um colapso da procura, ela faz com que se afunde igualmente a base fiscal, as receitas do Estado. Resultado, o défice não vai cair em Atenas como não cai em Washington desde 2009!
Resultado, a dívida, que representava menos de 130% do PIB em 2009, vai disparar e atingir 190% do PIB em 2013! E as medidas tomadas pelo Parlamento grego vão ainda piorar as coisas. A lei plurianual, aprovada na quarta-feira prevê mais cortes nas pensões e nos salários, enquanto o país deverá entrar no seu sexto ano de recessão, no próximo ano. No domingo à noite, o Parlamento aprovou o projecto de lei de Finanças para 2013, que prevê uma economia de 9 mil milhões (cerca de 4% do PIB, o equivalente a 80 mil milhões de euros à escala de toda a França num ano!).
Porquê um tal crime social?
Mas porque é que um governo eleito pelo povo conduz uma tal política? Afinal, seria muito mais simples utilizar a via utilizada pela Argentina, abandonar a moeda única europeia, desvalorizar fortemente e entrar em incumprimento. O tempo que passa demonstra cada dia um pouco mais que se Atenas tivesse escolhido este caminho há dois anos e meio, o país estaria melhor, uma vez que as catástrofes evocadas em caso de saída do euro estão-se a concretizar e precisamente pela aplicação das políticas para não sair da zona euro.
O mais incrível é que são cada vez mais e mais os analistas que estão a chegar à conclusão de que a política aplicada é de um impasse total. A revista The Economist, num editorial na sua última edição, não avança de modo ingénuo e propõe mesmo uma nova reestruturação da dívida do país (à volta de 120% do PIB), ou seja um desconto de um terço em relação ao seu valor actual , que deveria ser assumida pelos países europeus que lhe emprestaram via o FEEF … É a única maneira de restaurar a confiança.
Mas há o risco de Angela Merkel não o aceitar até às eleições do outono de 2013 porque a opinião pública alemã está contra os planos de ajuda. Entretanto, os partidos políticos no poder cavalgam os receios previsíveis de os gregos poderem vir a morder a mão que os alimentou durante tanto tempo e de serem postos de parte das nações europeias, para o grande mar de gente que sofre com uma austeridade monstruosa e totalmente contraproducente.
A Grécia está na posição de Prometeu, em que a ave de rapina Europeia lhe devora o fígado que reflui dia a dia. Ao invés de pôr em causa o euro, esta Europa monstruosa e desumana parece disposta a torturar a população grega indefinidamente. Quem irá ser o Hércules de Atenas?