Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
Itália: o Dragão e o grilo
Parte II
(continuação)
Grillo lidera um movimento, e estará provavelmente tão surpreendido como qualquer outro cidadão com o resultado eleitoral. Assim como a natureza abomina o vácuo, assim é também em política, e como o movimento M5S se mudou para a situação de vácuo criado por quatro separados desenvolvimentos, sabendo-se mesmo que estes podem estar entre si relacionados. Em primeiro lugar, a nível europeu, parece haver uma falta de liderança daqueles dirigentes como o presidente francês, François Hollande, para articular uma visão prática da UEM que não seja dominada pelos interesses [imediatos] dos credores . Em segundo lugar, no interior da Itália, a coligação de centro-esquerda (PD) não oferece nenhuma alternativa ao programa de austeridade que tem sido aplicado por Monti. Terceiro, nenhum grupo fala do elevado nível de desemprego entre os jovens de formação universitária. Quarto, não há localmente nenhuma expressão política do tipo do Movimento Ocupar, do Partido Pirata na Alemanha ou mesmo de um movimento não-marxista virados para as questões da ecologia.
A questão chave é se Grillo pode formar um partido fora do movimento. Apesar dos sucessos iniciais, o partido pirata Alemão parece estar a implodir com os membros a querem poupar as suas mais vis recriminações para as atirarem uns aos outros em vez de o fazerem para com os seus adversários. O movimento Ocupar não se cristalizou num Partido. O Tea Party tem sido um dos mais bem sucedidos, talvez até porque seja essencialmente uma facção dentro de um Partido e a sua história ainda há-de ter outros mais desenvolvimentos , embora deva ser reconhecido que o seu pico de importância já foi alcançado e isto em termos de influenciar o curso dos acontecimentos, em termos da agenda política.
Berlusconi parecia estar a fazer campanha contra a Alemanha e Merkel, quem ele acusava de o terem posto fora do Governo, no final de 2011. Grillo, por outro lado, parecia mais estar a fazer uma campanha contra a Europa. Enquanto os dois podem parecer semelhantes, a linha de ataque de Grillo é mais ampla e mais profunda. A retórica de Grillo deu expressão a um antagonismo poderoso contra as elites italianas. Apesar de Berlusconi não ser nada apreciado pelas elites italianas, ele faz parte delas. Estas são o alvo de escárnio dos Grillinis.
O programa M5S baralha e desfoca o espectro político. Embora Grillo tenha 64 anos, ele articula com êxito a angústia das gentes cultas e jovens mas subempregadas ou desempregadas, ou seja os jovens licenciados. Um estudo sobre os Grillinis diz-nos que 46% vêm da esquerda e 39% da direita. Eles estão a herdar uma economia que apresenta um crescimento insuficiente, mesmo no melhor dos seus tempos, um fardo de dívida pública elevado e uma cultura política de corrupção, mesmo depois do movimentação As mãos limpas e da eliminação de alguma da anterior elite política .
Podemos reconhecer Abenomics como um estímulo monetário e fiscal sobre os esteróides, mas Grillonomics é um caleidoscópio de ideias que deve ser visto mais como um conjunto de slogans em movimento do que como as bases de um programa em que assenta a existência de um partido. Na verdade, como o M5S se está a transformar e se está a tornar mais programático e específico, à medida que o está a fazer estará igualmente a ficar menos coeso. Para sua própria surpresa, os M5S também poderão achar que a política permite que se venham a ter estranhos companheiros de cama.
Em nome da anti-burocracia e para reduzir a arena de corrupção pública Grillo apelou para a máxima desregulação e para que se promovam as privatizações em larga escala e adicionalmente que se reduza massivamente o número de funcionários públicos. Grillo quer acabar com o monopólio estatal sobre os caminhos de ferro. Isto mostra que há muito em comum com a direita pura e dura. A tensão xenófoba e as duras posições contra os migrantes na Itália mostram evidentemente que também aqui se está no terreno da direita pura e dura.
Noutros aspectos, Grillo está mais à esquerda do que o PD. Ele quer que o Estado passe a dar 1000 € por mês a cada cidadão. Grillo tem defendido que os salários dos gestores de topo estejam indexados ao salário médio pago aos trabalhadores e que se deixem os bancos e os monopólios industriais cair ou então que sejam nacionalizados. O M5S fala mais para aqueles que estão a trabalhar do que para aqueles que já trabalharam.
As propostas de Grillo incluem o desejo de se ter uma ligação mais estreita das universidades aos negócios e o de querer aumentar os encargos com a saúde, mas também um desejo de reescrever o contrato social. O perigo é que as mudanças que ele pretende podem enfraquecer a sua própria base eleitoral. Por exemplo, a renegociação da dívida da Itália aparece como uma ideia que soa bem ao ouvido, a de querer aliviar o peso para a próxima geração ou para mesmo para aquela, jovem, que já existe. No entanto, 60% da dívida da Itália é de propriedade nacional. A reestruturação da dívida iria prejudicar muitos pensionistas italianos, iria atingir a poupança das famílias e iria provocar uma crise financeira, não apenas na Itália, mas em toda a Europa. As consequências económicas seriam graves.
Não está claro como é que o M5S e os seus apoiantes constituintes beneficiariam em sair da União Monetária, o que é uma ameaça de Grillo. O resultado seria fazer com que a actual recessão venha a parecer comparativamente como desejável. Qualquer ganho em termos de competitividade conseguido através de uma nova e desvalorizada lira iria ser neutralizado com o que provavelmente seria um aumento acentuado nas taxas de juros e com os resultados de uma crise financeira. Além disso e muito importante, fora da UEM, a necessidade de reformas estruturais torna-se ainda mesmo mais urgente.
Na verdade, segundo a mais recente sondagem ISOP cerca de 74% dos italianos são a favor da manutenção do euro com apenas 16% a quererem regressar à lira. Também mais de dois terços dos italianos não são a favor de um referendo sobre o referendo sobre a EMU, ou seja, ficam apenas cerca de um terço de italianos, na verdade um pouco menos, a querer um referendo.
O Banco Mundial classifica a Itália a meio do ranking mundial nas suas avaliações feitas no quadro do programa Doing Business evaluations, o que é um valor bastante pobre para um país de altos rendimentos. De notar que a Itália, atinge o valor 160 na classificação sobre a execução de contratos, 131 no pagamento de impostos, 107 quanto a custos de electricidade e 103 em tratar com as licenças de construção.
Na recente reunião do BCE, Draghi não mostrou nenhuma urgência para tomar medidas adicionais de modo a tornar mais fácil o suportar da recessão económica ou apontar no sentido de um aperto nas condições financeiras, que seriam vistas na contracção de empréstimos para o sector privado e na redução do crescimento da oferta de moeda. Enquanto dispostos a contrariar as ameaças contra a própria MEU o BCE tem sido bastante tolerante com as forças de mercado que pressionem os governos a fazer a “coisa certa”.
O programa Outright Market Transaction do BCE não tem nenhuma relevância, nas circunstâncias actuais, para a Itália. Lembremo-nos de que as condições prévias exigem um acordo programático com a UE. A Itália está longe disso. Há porém muitos que reconhecem que a Espanha está ainda bem mais perto , embora os títulos espanhóis tenham beneficiado com a incerteza política na Itália.