Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
A magia negra do Eurosistema
Publicado por Agora Vox, assinado por Noé.
19 de Fevereiro de 2013
Parte I
E alguns podem colocar a questão de como é que se faz para que os países endividados como os países do Sul da Europa possam sobreviver com défices tão gigantescos nas suas balanças de pagamentos, sem incorrer em qualquer sanção orçamental a não ser uma reprimenda da Comissão Europeia no que se refere à exigência do controlo absoluto dos seus défices e à da prática das políticas de austeridade, por forma a não comprometer o financiamento do orçamento público pelos mercados financeiros.
Antes da introdução da moeda única, quando um país da União Europeia se encontrava numa situação de défice prolongado da sua balança de pagamentos, ele incorria numa penalização da sua taxa de câmbio a fim de restabelecer o equilíbrio entre os fluxos de entrada e de saída com base numa igualização dos preços com os seus vizinhos comerciais, de forma a alcançar a posição de equilíbrio [ou seja, impunha-se pelo mercado uma variação do valor externo da sua moeda]. Hoje, este mecanismo de compensação monetária foi substituído pelo sistema de regularização das contas entre bancos centrais e a sua casa mãe europeia que é o BCE , sob a forma de operações de igualização das balanças de pagamentos, através de uma afectação de moeda Banco Central a partir do BCE para os “bancos correspondentes” (BdF, Bundesbank, etc) que registam e acumulam os débitos e os créditos das contas nacionais ( balança corrente e balança de capitais) para se servirem como garantia no refinanciamento das dívidas dos bancos centrais nacionais para com o BCE. Por exemplo, se a Itália regista um défice comercial com a Alemanha, os bancos comerciais italianos concedem créditos aos seus importadores italianos através da emissão de empréstimos cujos títulos de crédito correspondentes serão transmitidos ao Banco Central italiano que irá financiar o saldo negativo com os bancos alemães por troca de dívida italiana contra a moeda do Banco Central emitida pelo Bundesbank que creditará a sua conta junto do Banco Central italiano pelo montante correspondente dos títulos de divida recebidos. Com base nas dívidas compradas pelo BCE, o Banco Central italiano, em seguida, pode refinanciar os bancos comerciais italianos, que emitem créditos que são usados para os importadores italianos comprarem as máquinas alemãs. Idem para o caso francês, o caso espanhol ou português…
Assim, os défices comerciais dos países europeus deficitários são indirectamente financiados pelo Banco Central Europeu, satisfazendo-se desta forma os exportadores alemães que assim podem manter a sua posição dominante no seio da UE, através da emissão de empréstimos do BCE, em moeda BCE, e em troca de créditos sobre os importadores europeus que praticamente nunca são reembolsados. Tudo se passa como se o banqueiro central europeu tenha posto a funcionar em pleno regime a máquina de fazer o papel-moeda para financiar as importações de países sob a tutela orçamental europeia que, por este mecanismo, os faz viver sob infusão de orçamento, enquanto se mantém um grave défice estrutural no interior da zona euro. Mais grave ainda, esta colocação entre parêntesis do funcionamento normal dos mercados que deveria automaticamente corrigir as diferenças de preço dos activos europeus através de uma reavaliação da taxa de câmbio e da exigência da política de recriação de capacidades produtivas como posterior resposta só pode fazer perdurar uma situação de desemprego endémico nos países que vivem dos subsídios estrangeiros. Em vez de se gerar a riqueza nacional produzida pelas indústrias nacionais, sacrificadas no altar da globalização dos activos, os PIIGS submetem-se ao Império alemão, que impõe a sua supremacia industrial para os seus vizinhos, transformados em vassalos pela dívida bancária.
Nesse caso, trata-se de uma escolha política deliberada que é estar a sacrificar as actividades produtivas em prol do desenvolvimento dos serviços e do serviço público que não vêm de modo nenhum compensar a perda da substância económica que deriva deste processo, mesmo se o aumento das despesas públicas financiadas pela dívida pode dar a ilusão, durante algum tempo, de se manter a ficção contabilística do crescimento. A Alemanha e a finança anglo-saxónica fazem valer e aceitar a teoria das vantagens comparadas para persuadir os países cujas indústrias estão a ser consideradas menos competitivas de que estas devem ser sacrificadas , seja pela deslocalização para países de menor custo social seja sacrificando-as pura e simplesmente e assim as substituir por actividades de serviços consideradas mais rentáveis tendo em conta as vantagens turísticas dos países que nessa sequência são depois classificados pejorativamente de países do Club Med . O excesso dos efectivos nos serviços públicos deve ajudar a doirar a pílula na medida em que estes estarão a absorver o trabalho tornado excedente e que foi assim lançado no mercado em nome do desenvolvimento das áreas consideradas mais competitivas, os países BRICS, quer sobre o plano económico quer sobre o plano social. A globalização dos activos nacionais deve beneficiar os bancos pela sua financeirização, o que permite “criar” valor através das actividades especulativas, apoiando-se estas actividades nas flutuações das cotações dos títulos representativos das empresas globalizadas e em função dos ciclos económicos. Mesmo em tempos de recessão, quando os preços dos activos se afundam os bancos continuam a ganhar ao terem tomado posições de venda , por exemplo , sobre índices de acções ou sobre ETFs ( Fundos de índices também designados por Exchange Traded Funds) representativos da actividade económica de um país, que se apropriam pois do valor com a diminuição dos activos subjacentes, como é o caso de resto, para as opções em baixa ou para os instrumentos a prazo sobre as acções.