Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota
Parte III
(conclusão)
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Assim, enquanto os jornalistas da Europa procuravam olhar para os bancos centrais isto pode, pelo menos momentaneamente, tê-los levado a perder de vista o problema, o mesmo não acontecia com as equipas de analistas dos hedge funds e, na verdade, penso que de outra maneira seria bastante difícil compreender porque é que os mercados estão a responder assim tão calmamente à ausência de quaisquer sinais por mínimos que sejam de um governo estável em Itália. De uma forma ou de outra têm-se o sentimento de que nada disto interessa agora, e os prémios de risco podem indiferentemente descer.
Algo semelhante parece estar a acontecer no caso de Espanha. No final da semana passada os títulos a 5 e 10 anos da dívida de Espanha atingiram o seu nível de rendimento mais baixo desde Novembro de 2010. E isto numa semana em que a Agência de rating de crédito Moody’s anunciou que identificou 200 mil milhões de euros de valor de activos de propriedade mal classificados nos balanços de Banco de Espanha, para os quais não tinham sido feitas as provisões adequadas. Não é o risco do sector financeiro suposto ser um dos principais riscos para a dívida espanhola e para a sua solvabilidade? Como é que o mercado de acções continua a subir, mesmo quando quase todos os indicadores da economia real se deterioram? Uma combinação de cansaços, do cansaço sobre as reformas na periferia e do cansaço sobre os resgate nos países do núcleo central, está a produzir o que muitos entendem como sendo uma tempestade perfeita. Um mundo onde quase nada pode dar errado, a menos que se esteja em Espanha ou na Grécia e ande à procura de um emprego. Na verdade agora está-se a começar a considerar cada vez mais improvável que Mariano Rajoy sempre venha a pedir a aplicação dos famosos Outright Monetary Transactions em Espanha, Landon Thomas – como muitos de nós – tinha-se enganado, o mundo não estava à espera de Mariano, o mundo estava era à espera de Mario para ver se ele só iria manter a fazer apenas movimentos com os seus polegares.
Será que os bancos centrais nacionais irão apoiar os mercados obrigacionistas não importa em quanto?
Naturalmente, esta é uma solução de vencedor-vencedor , situação em que todos ganham – ganham o BCE, o Bundesbank e Angela Merkel que não terá que se manter indo ao Parlamento alemão para obter autorização para obter ainda mais dinheiro para resgates. Talvez por isso este seja um momento importante na crise. O momento é este em que se pode dizer que uma fase é passada e que uma outra, aquela a que o economista-chefe do Citi Willem Buiter uma vez chamou a transformação da zona euro em algo equivalente à zona rublo, está prestes a começar[1]. Agora pode ser que os bancos centrais nacionais, em vez do BCE, se tornem o foco de atenção, pelo menos em termos de assumirem o risco de dívidas que estão a crescer, e em países que sempre irão ter problemas para depois conseguirem pagar tudo.
Como escrevi em Outubro do ano passado:
O centro da questão está em que Mario Draghi prometeu fazer o suficiente, e o suficiente parece que não tem limites. Assim, o que é que poderá o BCE fazer se nós realmente colocarmos a nossa imaginação a trabalhar sobre esta questão?
Bem, como Ray [Dalio] argumenta, poder-se-ia imprimir dinheiro, muito dinheiro, mesmo ao ponto de o fazer de helicóptero. As pessoas que pensam que o BCE já está a imprimir dinheiro (o que eles não estão necessariamente a fazer quando aumentam o valor do seu balanço) ainda não viram nada. Isto é o que significa a promessa “fazer o que for necessário”. Nada disto está ainda no seu mandato, naturalmente não é assim, mas poderia ser, e seria muito mais fácil colocar mais margem de manobra no seu mandato do que seria para se manterem a ir ao Parlamento alemão e sempre para pedir mais dinheiro.
Assim poderia ser e, muito provavelmente, será o que vai ter de acontecer. Quando se está a caminhar sobre uma ponte feita de cordas e esta começa a ranger e a balançar em seguida, têm-se a ideia que não há mais nenhuma alternativa que não seja a de continuar a caminhar para o outro lado. Todos nós já vimos muitos filmes sobre o que acontece às pessoas que tentam voltar para trás.
Izabella Kaminska no blog Alphaville do Financial Times também considera que é isso que vai acontecer, isto é, “algo muito importante terá mudado o que torna a situação num um tipo muito diferente de bolha. O Governo continuará a apoiar o mercado não importa o quê… A crise aconteceu precisamente porque não havia expectativas preestabelecidas quanto aos apoio do governo.”
Izabella é claro está a falar sobre o governo dos Estados Unidos, mas o importante é que o raciocínio é generalizável. A crise do Euro eclodiu precisamente porque não havia expectativas de nenhum apoio colectivo para os países em dificuldade. Como já o escrevi em tempos, a crise grega eclodiu na sequência do que aconteceu em Dubai, onde os mercados começaram a duvidar que o grande irmão que é Abu Dhabi iria resgatar financeiramente o país. Aconteceu a mesma coisa para com a Grécia, em que as expectativas de apoio do governo alemão diminuíram em grande parte porque o próprio governo o foi recusando tanto quanto pode. Mas agora, quatro anos mais tarde uma fórmula foi encontrada: marcharmos todos juntos mas lutarmos separadamente, ou algo parecido como isto.
Assim é devido ao crédito de Mario Draghi com o que tenha sido mudada aquela percepção, uma vez que jurou que salvaria o Euro custasse o que custasse e agora inadvertidamente o Governo irlandês ofereceu aos investidores uma belo exemplar de como as coisas poderão funcionar. Os bancos centrais nacionais apoiarão os seus mercados de títulos soberanos, não importa quanto. Afinal, não é exactamente aquilo que o novo primeiro-ministro japonês Shinzo Abe disse que vai fazer, e não é isto também o que os mercados financeiros globais, zumbindo, resplandecentemente com alegria, desejam ouvir ?
Porque é que no final a Europa poderá ser tão diferente? Talvez tudo isto vá acabar em lágrimas, mas poderá ser divertido enquanto dura.
Então estamos fora duma esplêndida experiência monetária, com o Japão a conduzir as manobras. Como Paul Krugman tão apropriadamente o sintetiza no título de um seu artigo recente – “É o Japão o país do futuro, novamente.” E a moral – ” será de uma amarga ironia se alguém com cara de muito mau, com todos os motivos errados, acabar por fazer as coisas economicamente correctas, fazendo as coisa certas, enquanto os meninos bons rapazes falharam porque estes estavam muito determinados a serem, apenas , uns bons rapazes.”
E não há aqui nenhuma possibilidade de falar de Silvio Berlusconi, não é verdade?
Edward Hugh, When Is A Promise Not A Promise?, texto disponível em vários blogues entre os quais A Fistful Of Euros, European Opinion, cujo endereço é:
http://fistfulofeuros.net/afoe/when-is-a-promise-not-a-promise
[1] Eis aqui a curta nota de Buiter e vale a pena reenviar o leitor aos textos publicados anteriormente no nosso blog sobre a zona euro e o destino do Comecon já anteriormente publicado. O texto de Buiter:
Global Economics View: Is the Eurozone at Risk of turning into the Rouble Zone?
– On February 9, 2012, the ECB announced “specific national eligibility criteria and risk control measures for the temporary acceptance of additional credit claims as collateral in Eurosystem credit operations “ for seven euro area national central banks (NCBs).
– After the use of emergency liquidity assistance (ELA), this is the second significant deviation from a single Eurozone monetary, credit, and liquidity policy.
– Unlike for ELA, the nation-specific collateral policy is not subject to explicit quantity limits by the centre. Like ELA, losses from nation-specific collateral operations are not pooled and shared with the rest of the Eurosystem.
– The ECB’s decision to allow nation-specific collateral eligibility criteria not only means the fragmentation of ECB monetary, credit and liquidity policy along national lines, it permits accelerating and mostly unchecked balance sheet growth of soft Eurozone NCBs, thus raising the spectre of gradual ‘Roublezoneification’ of the euro area.
Texto disponível em: http://willembuiter.com/roublezone.pdf