Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

Europa : Se os ingleses fossem os primeiros
AGNÈS CATHERINE POIRIER – MARIANNE
Parte I
O referendo prometido em 2017 por David Cameron não levará ele à saída definitiva do Reino Unido da União Europeia? “Marianne” imagina as consequências desta política não tão ficção como pode parecer .
A data foi escolhida com cuidado. O referendo britânico sobre a saída da União Europeia foi fixado para 24 de Abril, dia de São Jorge, festa do Santo padroeiro da Inglaterra que, do alto de seu cavalo, arrasa o dragão do mal. Se as sondagens mais recentes sugerem pouca esperança para os eurófilos, ninguém esperava uma tão clara vitória dos “União Europeia, NÃO”. Cinquenta e oito por cento dos britânicos votaram a favor do divórcio, soltando as amarras para um destino desconhecido.
Os eurocépticos deslocaram-se em massa para votar enquanto que os outros preferiram ir podar as suas roseiras. A sociologia dos eleitores acaba de pintar um retrato deprimente: os eurófobos recrutam-se entre os homens de sensibilidade tory (conservadores), com mais de 60 anos. Eles foram vencedores em Waterloo e desde há muito tempo que esperam esta nova vitória contra o imperialismo continental. A própria ideia de Europa, eles nunca acreditaram nela. Afinal, eles tinham-na, sozinhos contra todos, salvo dos seus demónios entre 1940 e 1945. Eles daí retiram um justificado orgulho, mas também uma arrogância de que nunca são derrotados. Só o comércio lhes interessa mas também só na condição de que seja feito sem constrangimentos, sem restrições, sem controlo, sem regulação.
Em 1972, eles tentaram a aventura do mercado comum e tiveram rapidamente um prazer danado e perverso em jogarem sempre para inquinarem todas as decisões. A Europa, esses velhos machos ingleses podem finalmente admiti-lo, eles odeiam-na: ela representa tudo o que eles abominam, uma sofisticação, uma abstracção, um ideal. Eles não compreendem nada que vá para além do dinheiro , o cash. “Uma nação de lojistas”, advertiu outrora Napoleão. Ao longo dos anos, eles ainda conseguiram obter cláusulas especiais em quase todas as áreas. Eles não pertenciam, nem ao espaço Schengen de livre circulação, nem à zona euro e tinham privilégios, mesmo orçamentais, herdados desde os tempos de Margaret Thatcher. Isto já não é suficiente. ‘Adeus, Europa!’ gritaram eles em Trafalgar Square, na noite de 24 de Abril de 2017, cobrindo a coluna do almirante Nelson de uma bandeira inglesa gigante, uma Cruz uma vermelha sobre um fundo branco. A festa durou apenas vinte e quatro horas.
Um reino desunido
No dia seguinte, 25 de Abril, os escoceses, que tinham adiado a data do seu referendo sobre a independência na esteira do que ia ser feito sobre a Europa, fizeram implodir um Reino agora bem desunido. A vitória da independência escocesa foi muito curta, com 50,8%, mas a taxa de participação muito elevada, 89%, foi um válido exercício democrático. Após a publicação dos resultados, o primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, num país completamente desperto pela aceleração da história, anunciou na Câmara dos Comuns em Londres, a intenção da Escócia em se tornar um membro da UE. Nigel Farage, líder partidário do eurófobo partido da independência do Reino Unido (Ukip), atormentado por um riso histérico, foi vítima de uma paragem respiratória, enquanto Michael Heseltine, 84 anos, último eurófilo conservador, fica cheio de convulsões. O Parlamento de Westminster, em seguida, é evacuado sob o olhar das câmaras de todo o mundo.
Em Bruxelas, Paris, Berlim, Roma, Varsóvia e Madrid, isto vinha já de há vários meses em que tinha decidido ignorar os diplomatas britânicos. Um divórcio que não foi de mútuo acordo. A partida de Londres do concerto europeu foi vivida com um desprezo enorme e com a ideia de que os ingleses vão pagá-las. Eles irão sofrer . Para começar , os media do continente puseram-se de acordo para agora colocarem a Grã-Bretanha amputada da Escócia sob o termo de ‘Pequena Bretanha’ ou ‘Little Britain’, título de uma série de televisão da BBC, famosa e feroz transmitida desde 2003.
O princípio do fim
Os eurófobos tinham assegurado que a saída da UE teria consequências económicas e financeiras para a marginais para a cidade de Londres. Isto era não estar a contar com a má disposição e, francamente, nem com o desejo de vingança dos europeus. O Banco Central Europeu (BCE) requer antes de tudo que sejam feitas todas as transacções financeiras em euros dentro da zona do euro. Para a City londrina é o começo do fim, é o fim de sua proeminência, como um centro financeiro global. Ela que supervisionou até então 40% das transacções em euros vê , no espaço de algumas semanas, o seu primeiro mercado entrar em colapso.
Destino querido dos investidores internacionais, antes da saída da UE, em especial pelo seu acesso ao mercado único mas também para a estabilidade política do país, a City perdeu uma parte significativa desses investimentos directos. Enquanto Little Britain não tiver redefinido a natureza das suas relações com estes novos parceiros económicos nos diferentes mercados, os investidores, esses, preferem Frankfurt e Singapura. E, eis que, oh surpresa das surpresas, o Palais Brongniart, em Paris, encontrou o frenesi de um outro tempo. Desde Zola que não se observou uma tal emoção. Paris, centro financeiro de novo? A um mês das eleições presidenciais, François Hollande não volta atrás.
David Cameron deve evitar qualquer emergência que leve a que a City possa perder terreno. Para isso, é crucial negociar o mais rapidamente possível a sua entrada no EEE (espaço económico europeu) para re-encontrar um acesso directo ao mercado interno, da mesma forma como o fez Noruega, a Islândia e a Suíça, mas sem ter uma palavra a dizer sobre a necessidade de regras, mas que será também necessário aplicar . Tanto quanto a Inglaterra permanece de fora, os seus produtos vão estar sujeitos a elevados direitos aduaneiros enquanto 50% das suas exportações são para fora da zona euro . Os funcionários da administração inglesa regressam das suas discussões com Bruxelas e com estas a serem completamente falhadas. A perfídia mudou de campo. Traiçoeiros, como outrora em Albion, os europeus têm um certo prazer em deixar arrastar as negociações como o tinham feito , anos antes, com a Suíça.
David Cameron pode ser considerado bem-vindo ao menos numa coisa: os 3 milhões de empregos britânicos relacionados à integração económica na União Europeia não desapareceram de um dia para outro, como era temido pelos europeístas. O mercado de trabalho inglês com mais ou menos dificuldade conseguiu reabsorver os desempregados, mas estes tiveram que aceitar salários muito mais baixos. A famosa flexibilidade. Se a saída da UE não resultou num desemprego em massa na Inglaterra, esta saída não deixou de provocar um empobrecimento de muitos dos seus assalariados …
Reblogged this on Das Culturas.