TODAS AS AUSTERIDADES NOS LEVAM A SPEENHAMLAND* – ORGANIZAÇÃO DE JÚLIO MARQUES MOTA

Selecção de textos, tradução, organização e nota introdutória por Júlio Marques Mota

PARTE III
(CONCLUSÃO)

Uma perspectiva a partir dos  dados do FMI

Escrito a partir de textos diversos entre os quais o texto do FMI, World Economic and Finance Surveys, Fiscal Monitor.

O FMI acaba de publicar as suas previsões para o ano de 2014. A situação dos países industrializados pode ser resumida em três palavras:

Estes  países estão falidos se assim se pode falar.

1- Japão : dívida pública de 242,3 % do PIB.

2- Grèce : dívida pública de  174 % do PIB.

3- Itália  : dívida pública de 133,1 % do PIB.

4- Portugal : dívida pública de  125,3 % do PIB.

5- Irlanda : dívida pública de 121 % do PIB.

6- Estados Unidos: dívida pública de 107,3 % do PIB.

7- Espanha : dívida pública de   99,1 % do PIB.

8- Inglaterra : dívida pública de 95,3 % do PIB.

9- França :  dívida pública de 94,8 % do PIB.

O FMI não fala da Bélgica .

E em Março de 2013, a dívida pública da Bélgica era já de  104,5 % do PIB.

Vejamos mais em detalhe os dados do FMI:

Dívida:

Défice  global e défice estrutural:

Vejamos o que nos diz o FMI sobre alguns dos países que aqui nos interessam.

Portugal:

Em Portugal, o valor do défice corrigido das variações cíclicas é estimado que irá melhor de 1¼ por cento do PIB, dado a aprovação de um orçamento suplementar, em Junho. Cerca de um quarto das medidas são temporárias, incluindo a reprogramação dos fundos estruturais da UE e alguma compressão das despesas. Para 2014, a consolidação adicional de cerca de 1 por cento é projectada, mas conseguir o objectivo pretendido  do défice dependerá criticamente da implementação das recomendações da revisão da Public Expenditure Review.

França:

Em França, a contracção orçamental em 2013  de  1¼ % do PIB, dependerá em grande parte das  medidas sobre os rendimentos. Em 2014, o ritmo de consolidação é definido para descer para  ½ por cento do PIB, com a composição de consolidação a deslocar-se  mais para a componente das  despesas.

Itália:

Na Itália, a consolidação subjacente de quase 1% do PIB em 2013 é esperada para levar o défice estrutural próximo do valor objectivo, o valor de posição em equilíbrio. Não obstante, o rácio da dívida pública vai aumentar como resultado da economia fraca, do apuramento da dívida pública e das contribuições do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Espanha:

Em Espanha, a equipe do FMI estima que os planos de consolidação orçamental  a decorrer  irão reduzir o défice corrigido das variações cíclicas, o défice estrutural, (excluindo o apoio ao sector financeiro) em  ¾ % do PIB em 2013 e por uma magnitude semelhante em 2014. No entanto, espera-se que as medidas venham a ser especificados no orçamento a ser discutido no Parlamento em Novembro de 2014.

Irlanda

Na Irlanda, a execução do orçamento de 2013 está a ser feita, embora as “almofadas”,  no que diz respeito os 7½ % como limite do défice relativamente ao PIB, tenham estreitado. Os esforços de consolidação continuarão  em 2014, com uma projectada compressão de cerca de 1½ por cento do PIB. Os detalhes são esperados a seu devido tempo com o orçamento de 2014.

Grécia

Na Grécia, deverá ser alcançado um saldo primário em 2013. Maiores ajustamentos até  2016 exigirá medidas adicionais, incluindo ganhos nas receitas fiscais, nos impostos,  equivalentes  a 3½ % do PIB.

Este relatório do FMI foi publicado no princípio de Outubro e como se viu a palavra de ordem é consolidação orçamental, austeridade e por toda a Europa. Mas  Outubro é também o mês do aniversário da tragédia  grega . Um olhar, uma síntese, uma conclusão:

No dia 4 de Outubro de 2009, as eleições dão uma vitória ao Partido Socialista na Grécia.

No dia 6 de Outubro de 2009, Georgios Papandreou torna-se o primeiro-ministro da Grécia.

Onze dias depois da sua chegada ao poder, ele anuncia, com uma preocupação de  transparência, que o estado real das finanças gregos tinha sido escondido pelo governo anterior. Restabelecer os verdadeiros dados  económicos , entre os quais um  défice equivalente a 12,5% do PIB para 2009  somente. A Comissão Europeia confirmará esta falsificação de dados, algumas semanas mais tarde.

Em Outubro de 2009, o mundo  inteiro fica a saber que a Grécia está falida. Mas os líderes europeus não querem que a Grécia deixe  a União Europeia, nem querem  que ela regresse à sua moeda  nacional, o dracma.

Os dirigentes  europeus decidem fazer tudo, e mesmo  fazer não importa o quê, para manter a Grécia na União Europeia. Enquanto a Grécia já está sobre endividada, os dirigentes europeus…  decidem  emprestar-lhe dinheiro e assim ela ainda se endivida mais.

De Outubro de 2009 a Outubro de 2013, esta política suicida agravou o desastre, em toda a Europa

Os outros Estados europeus não tinham  o dinheiro necessário para os chamados  ‘planos de resgate’ da Grécia: eles tiveram que contrair empréstimos na casa das  dezenas de milhares de milhões de euros nos mercados internacionais para poderem em seguida conceder empréstimos à Grécia e para poderem criar os chamados  fundos  de estabilidade  (FEEF, MEE) .

Resultado: os chamados fundos de ‘estabilidade’ não estabilizaram  nada, absolutamente nada. Os Estados europeus estão cada vez mais endividados. A sua  dívida embalou .  A dívida pública tornou-se fora de controle.

Quanto à Grécia, a dívida pública atingirá 176% do PIB no final de 2013.

A actual crise se não é eficazmente travada vai ser como uma tempestade de ventos ciclónicos que nos atrai a todos e a todos nos atira para o fundo do mar da pobreza: a Grécia, a Irlanda, Portugal, a Espanha, Chipre, a Eslovénia, a Itália, talvez ainda a França e quem se seque mais. Um país após outro, todos eles acabam por naufragar e com eles arrastarão todos os outros Estados europeus para o fundo deste oceano de miséria. Os milhões de pobres criados nestes últimos anos em Itália aí estão a mostrá-lo, os incidentes recentes ocorridos no Porto com os cortes de electricidade aí estão a lembrá-lo e a fazerem-nos recordar os tempos difíceis e os bairros pobres e altamente  degradados da África do Sul, mais precisamente os bairros do Soweto, na vizinhança de Joanesburgo. Lamentavelmente, assim.

 A União Europeia é assim um suicídio colectivo.

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Para ler o texto anterior,  Todas as austeridades nos levam a Speenhamland, de Jean-Baptiste Bersac, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2013/12/10/todas-as-austeridades-nos-levam-a-speenhamland-organizacao-de-julio-marques-mota-2/

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Nota de A Viagem dos Argonautas:

* Sobre as leis de Speenhamland, introduzidas em Inglaterra em 1795, veja-se:

http://eoinhiggins.blogspot.pt/2010/02/karl-polanyi-speenhamland-and-future-of.html

http://www.victorianweb.org/history/poorlaw/speen.html

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