A DESIGUALDADE, A QUESTÃO QUE CARACTERIZA O NOSSO TEMPO, por BARACK OBAMA

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A desigualdade, a questão que caracteriza o nosso tempo

Barack Obama

PARTE IV
(CONTINUAÇÃO)

Desta forma, nestas matérias  podemos fazer a diferença. Na verdade, esta é a tarefa da nossa geração – a reconstrução  da nossa  base económica e dos fundamentos do civismo para  prosseguirmos com a expansão de oportunidades para a presente e futuras gerações. Como Neera, pessoalmente, para mim é uma prioridade. Estou aqui, porque, neste país o meu avo foi educado na base do GI Bill [GI Bill, lei que dispõe ajuda financeira aos soldados americanos para lhes dar a oportunidade de uma educação superior que de outra forma não seria possível a muitos desses veteranos do serviço militar]. Quando o meu pai saiu e a minha mãe passou por tempos muito difíceis, tentando criar-me a mim e à minha irmã, enquanto ela ia para a escola, este país tranquilizou-nos com a  certeza de que não iríamos passar  fome. Quando Michelle, a filha de um trabalhador por turnos numa  empresa de águas   e de uma secretária,  quis  ir para a faculdade, tal como eu,  este país  ajudou-a a  pagar os estudos até que os pudéssemos reembolsar.

Então, o que me anima como neto, como filho, como pai — como americano — é ter a certeza de que todos aqueles que se esforcem, todos aqueles que trabalhem com afinco, cada filho optimista da América, que todos tenham  a mesma oportunidade, e isto é sublime.  Isto tem sido a força motriz que tem estado na base de tudo o que fizemos nos últimos cinco anos. Assim como para o próximo ano e para o resto do meu mandato,  o que todos devem esperar  da actual Administração é que esta concentre todos os esforços neste  ideal.

Agora, estarão satisfeitos por saber que este não é um discurso sobre o Estado da nação. 

Todavia, muitas das ideias que poderão fazer a maior  diferença na expansão  de oportunidades já antes foram  apresentadas.   Contudo, permitam-me que apresente alguns dos pontos principais, apenas como uma espécie de roteiro em que eu acredito e que na qual a nossa agenda legislativa e  esforços administrativos se devem focar.

Para inicio de conversa, temos que continuar a criar sem sombra de dúvidas uma agenda focada no crescimento. Admito que na economia de hoje, o crescimento por si só não garanta salários e rendimentos mais altos. Temos provas empíricas disso.  Mas, é analogamente verdade que não podemos enfrentar  a questão  da desigualdade se o bolo económico a repartir está a diminuir ou a estagnar.  O facto a relevar é que se cada um de nós é progressista e se queremos ajudar a classe média e os trabalhadores pobres, temos de  nos preocupar ainda mais  com a questão da concorrência e da produtividade e confiança na actividade económica que estimula o investimento do sector privado.

Daí a razão, desde o primeiro dia que começámos a trabalhar que tudo fizemos para  que a economia crescesse  e ajudasse  as nossas empresas a criar empregos. Não obstante graças à sua capacidade de resistência e de inovação, eles criaram quase 8 milhões de novos postos de trabalho ao longo dos últimos 44 meses. Porém, não podemos descorar, pois, precisamos de continuar e concentrar todas as forças para que a economia cresça ainda mais rapidamente. Para que isso seja exequível, temos que continuar a trabalhar afincadamente, para assim tornar a América num íman que atraia bons empregos para a classe média, para restituir os  empregos perdidos nas últimas décadas – no sector da indústria transformadora, na  energia, nas  infra-estruturas e nas tecnologia.

Isto significa simplificar o nosso código de tributação de forma a que elimine as falhas do sistema, sempre geradoras de desperdícios, e acabe com os  incentivos para as deslocalizações dos postos de trabalho. Através do alargamento da base da redistribuição, podemos realmente criar taxas menores para assim incentivar mais as empresas a criar empregos aqui e a utilizarem  parte do dinheiro que nós economizamos para criar bons empregos reconstruindo as nossas estradas,  as nossas pontes,  os nossos aeroportos   e todas as infra-estruturas de que a nossa actividade económica  precisa.

Isso significa uma agenda comercial que faça crescer as exportações e funcione igualmente a favor da classe média.

O que é sinónimo da simplificação dos regulamentos que estão desactualizados, desnecessários ou muito caros. Para tal, temo de  nos unir de forma a criar um núcleo duro de forma a originar um orçamento responsável que permita um rápido crescimento económico, para que com isso se possa vir a reduzir os  nossos défices de longo prazo; impedir que se volte a verificar o nefasto sequestro  de cortes, que fizeram pouco sentido, para que então  se  libertem  recursos necessários para se investir em actividades  como a investigação científica que sempre desencadearam novas inovações e novas indústrias.

Quando se trata do nosso orçamento, não devemos ficar prisioneiros de um velho debate de há 2 ou 3 anos  atrás. Um défice com um ritmo de crescimento vincado  é uma ameaça bem maior  às oportunidades futuras do que um défice orçamental a diminuir  rapidamente. Então, este é o primeiro passo a dar e, no sentido de restaurar a mobilidade: garantir uma esperança sólida que a nossa economia está a crescer e mais rapidamente.

O segundo passo é ter a certeza de que tornamos os  americanos mais competentes profissionalmente, concedendo-lhes oportunidades de formação profissional, um nível de educação mais elevado, para que assim fiquem munidos de armas com as quais  se possam defender da concorrência agressiva da economia global, dado que esta é altamente competitiva. Sabemos que a educação é hoje o pilar mais importante do gerador de rendimento, conscientes disso, lançamos o Race to the Top nas  nossas escolas. Estamos a apoiar  os estados que elevaram os padrões de ensino e de aprendizagem . Estamos a trabalhar empenhadamente para que seja reformulado  o ensino médio, e assim instruir mais crianças com uma formação técnica e de aprendizagem, assente na exigência,  em elevados níveis  de formação, para responder às necessidades da alta tecnologia  que podem levar directamente a um bom emprego e conduzir a uma vida de classe média.

Sabemos que hoje é mais difícil encontrar um emprego, caso não se tenha um nível  elevado de formação e de ensino, por isso temos ajudado cada vez mais estudantes a terem acesso e a completarem  um curso superior com bolsas e empréstimos que vão bem mais longe do que antes.

Tornamos bem mais prático liquidar esses mesmos empréstimos. Hoje, mais do que nunca, há mais estudantes a frequentar as Universidades.

Também estamos a prosseguir uma  estratégia agressiva para promover a inovação que trava a subida nos custos de ensino.

Tornámos os custos mais baixos para que os jovens não fiquem sobrecarregados com uma dívida enorme quando tomarem  a decisão certa para obter o grau de ensino superior. Na próxima semana, eu e a Michelle reunir-nos-emos com os  presidentes das universidades e com as organizações sem fins lucrativos para liderar uma campanha com o intuito de ajudarem  mais alunos, de baixos  rendimentos, a frequentar e a ter sucesso na faculdade.

Contudo, embora o ensino superior seja o caminho mais seguro para a classe média, este não é o único caminho. O ensino técnico é outra opção, daí, devemos oferecer ao nosso povo o melhor ensino técnico do mundo. Por essa razão temos trabalhado para ligar as  empresas locais aos institutos técnicos (community colleges)  para que os trabalhadores jovens e idosos possam obter  novas competências de modo a auferirem melhores rendimentos.

Também defendi a ideia, que sei estar também a ser defendida pelo Center for American Progress, tanto quanto sei, defendida também por governadores republicanos num  par de estados,  que é a de criar e tornar disponível um ensino  pré-escolar de alta qualidade para todas as crianças na América.

Sabemos que as crianças que participam nesses programas têm uma propensão superior para adquirir um nível de educação mais elevado que se traduz em ganharem  salários mais elevados,  a  formarem  famílias mais estáveis ​​do que a sua.  Assim se inicia um ciclo virtuoso, não um ciclo vicioso. Devemos investir nisso. Devemos dar a todos os nossos filhos esta possibilidade.

Como o objectivo primário é preparamos os nossos jovens para terem sucesso no  futuro, a terceira parte modelo cujo alvo é a classe média, passa por melhorar a capacidade técnica dos  nossos trabalhadores. É tempo de assegurar e executar a nossa função de legislar, que nos permita relançar a nossa capacidade de negociação  colectiva como é suposto que o devamos fazer, de modo a garantir, por isso, que  os sindicatos tenham  condições de concorrência leal para organizarem e obterem melhores acordos para os trabalhadores e melhores salários para a classe média.

É tempo  de aprovar a Lei Fairness Paycheck, para que as mulheres tenham  mais ferramentas para combater a discriminação salarial. É tempo de aprovar Employment Non-Discrimination Act, para que os trabalhadores não possam ser  despedidos pelo que eles são ou por causa de quem amam.

No momento em que permitimos que regressem imigrantes de volta para a América estamos,  em simultâneo, a criar  mais empregos e mais bem remunerados no ensino, nos cuidados de  saúde, no sector privado e nos serviços, assim  como  sabemos que vamos ter uma maior e expressiva proporção da nossa população no sector de serviços. Sabemos que há trabalhadores nos aeroportos, na indústria da alimentação rápida,  fast-food,   auxiliares de enfermagem assim como trabalhadores no sector do comércio a retalho que gerem com dificuldades o seu orçamento até ao final do mês,  que ainda vivem no limiar da pobreza. É por isso que já há muito se devia aumentar o salário mínimo, que em termos reais, está agora abaixo do valor de quando Harry Truman estava na Presidência.

Isto não deveria ser uma questão ideológica. Foi Adam Smith, o pai da economia do livre – mercado, que disse, ” Dever-se-á considerar esta melhoria da situação das camadas mais baixas da sociedade como uma vantagem ou como um inconveniente para a sociedade? A resposta é tão óbvia, que salta à vista. Os criados, trabalhadores e operários dos diversos tipos representam a maior parte de cada grande sociedade política. Ora, o que faz melhorar a situação da maioria nunca pode ser considerado como um inconveniente para o todo. Nenhuma sociedade pode ser florescente e feliz, se a grande maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis. Além disso, manda a justiça que aqueles que alimentam, vestem e dão alojamento ao corpo inteiro da nação, tenham uma participação tal na produção de seu próprio trabalho, que eles próprios possam ter um pouco mais que uma modesta alimentação, roupa e habitação . [1]” E para aqueles que não falam o velho inglês — deixem-me traduzir isto. Isto significa que se cada um de nós trabalhar com empenho, deverá ter uma vida decente. Se se trabalhar empenhadamente, dever-se-á ser capaz de sustentar uma família.

Agora, todos nós sabemos os argumentos que foram usados contra a existência de um salário mínimo mais alto. Alguns dizem que isto atinge e prejudica os trabalhadores de baixos salários — as empresas estariam menos disponíveis  para os contratar.  Porém, não há nenhuma evidência sólida que um salário mínimo mais elevado venha a condicionar  postos de trabalho  e, a investigação  prova que se um tal salário aumenta, aumenta os rendimentos dos  trabalhadores de baixos salários e impulsiona o crescimento económico a curto prazo.

Outros argumentam que se subirmos o salário mínimo, as empresas vão repercuti-los, e  por inteiro,  nos custos a serem pagos pelos  consumidores.  Mas um coro crescente de empresas, pequenas e grandes, argumenta de forma diferente. E já há empresas americanas excepcionais que oferecem salários dignos, subsídios, e formação aos seus trabalhadores, ao mesmo tempo que fornecem um óptimo produto e a bom preço para os consumidores.

SAS na Carolina do Norte oferece serviços de cuidados infantis e dispensa de serviço por doença. REI, uma empresa  à qual o meu secretário de Estado do  Interior estava ligado, oferece planos de reforma e  esforça-se para manter e cultivar  um bom equilíbrio nas relações de  trabalho.  Existem empresas lá fora que se preocupam com o bem-estar dos seus trabalhadores.  Elas reconhecem que pagar um salário decente, na verdade, ajuda a sua linha de base e reduz a rotação do pessoal em serviço.  Isso significa que os trabalhadores têm  mais dinheiro para gastar, para poupar, e talvez mesmo para iniciarem uma actividade por conta própria.

A vasta maioria dos americanos concorda que se deve aumentar o salário mínimo. E é por esta ultima razão que, no mês passado, os eleitores em Nova Jersey decidiram tornar-se o XX Estado a elevar o seu salário mínimo para um valor ainda mais alto.  Isso é a razão pela qual, ontem, o D.C. Council resolveu fazer o mesmo.  Concordo com aqueles  eleitores.  Concordo com os eleitores, e vou continuar a defender esta posição até chegarmos a um salário mínimo mais elevado para os trabalhadores americanos por todo o país.  Vai ser bom para a nossa economia.  Vai ser bom para as nossas famílias.

(continua)
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[1] O excerto citado pelo autor está a negrito. Pedimos desculpa por, diferentemente de Obama , utilizarmos a frase completa de Adam Smith, até porque… não estamos limitados pelo espaço.

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Ver a Parte III deste discurso de Obama, com tradução de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas em:

A DESIGUALDADE, A QUESTÃO QUE CARACTERIZA O NOSSO TEMPO, por BARACK OBAMA

3 Comments

  1. Desigualdade… Chamemos os bois pelos nomes: Desigualdade é exclusão social. É o mesmo que genocídio, mas dito de uma forma menos assertiva, Indirecta.

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