Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Parte II
(conclusão)
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Calma aparente e fracturas potenciais ou até mesmo de explosão
Vista de longe, a zona aparece como sólida com um excedente consistente de 250 mil milhões de euros. A dívida dos países do Norte, importante e líquida constitui-se assim em matéria-prima procurada pelos investidores, principalmente japoneses e chineses. Dois factos que fazem, potencialmente, do euro uma moeda de reserva.
Vistas de perto, as coisas são muito diferentes. A zona euro está fragmentada com taxas de juros – para proveito da economia – muito variáveis: os empréstimos a 10 anos negoceiam-se a 9,5% na Grécia, a 4% na Espanha, mas somente a 0,6% na Alemanha [11]. A fragmentação também se lê nos diferenciais de inflação : (-) 2,9% na Grécia, 0,1% em Portugal, 0,3% na Irlanda e Espanha, 0,7% na Itália, mas 1,2% na Alemanha e na Holanda. Isto significa que é falso considerar que os spreads sobre a dívida dos governos estão próximos e que, em geral, estes diminuíram no sul. Dado o risco de deflação, as diferenças persistem. Observe-se também que os empréstimo contraídos pelos irlandeses em 15 de Dezembro último , que se diz de grande sucesso, mas possível porque tinha fortes escudos de protecção para enfrentar o mercado: emissão sindicada , garantia da forte protecção do BCE e bom rendimento num espaço global que se encontra cada vez mais desprovido .[12] Além disso, as dívidas públicas estão-se cada vez mais a nacionalizar: bancos domésticos cobrem as emissões domésticas de títulos públicos, o que obviamente mantém as diferenças nas taxas.
Essa fragmentação em detrimento do Sul continua a destruir o tecido industrial da região [13] com uma diminuição de 30% para as actividades correspondentes de 30% para a Espanha e Grécia [14].
É neste contexto geral que os cisnes negros [15] se podem manifestar durante todo o ano.
Eles são numerosos e constituem uma pista de reflexão do G21:
Dois de entre – eles foram já discutidos: o caso de “Peugeot” e o caso ” da saída da Itália da zona euro ” em 11 de Dezembro de 2013. Outros casos podem ser citados:
-“Testes de resistência ” dos bancos que o BCE irá realizar durante a primavera de 2014 confirmam e ilustram as analises da KPMG, segundo as quais os créditos mal parados que estão debaixo do tapete dos bancos ascendem a EUR 1500 mil milhões, dos quais 600 mil milhões para a Espanha, a Itália e Portugal. Trata-se de um catalisador potencial a poder desencadear o pânico e o colapso do castelo de cartas. Compreendemos hoje melhor a prudência do BCE que não quer que seja evocado nos testes de resistência a hipótese de um incumprimento das dívidas públicas que inundam os balanços dos bancos europeus. Também assim se compreende melhor a flexibilização recente obtida no Comité de Basileia [16]
-A passagem obtida em Bruxelas de uma estratégia de ‘ resgate’ ( Bail-out, ou seja, são os contribuintes que pagam) para uma estratégia de “Bail-in” parcial ( são os accionistas e os credores suportam parcialmente as falências bancárias) não é aceite pelos mercados que têm medo e arrastam com ele um colapso do sistema financeiro . Este é um segundo possível potencial catalisador [17].
– A Grécia e / ou Portugal, incapazes de enfrentar o crescimento da sua dívida pública, bloqueiam as negociações da próxima Primavera com a ‘Troika’ e deixam a zona euro. Trata-se pois de um terceiro catalisador potencial possível.
-O referendo previsto para a independência da Catalunha (9 de Novembro de 2014) ocorre apesar da grande batalha legal que é desencadeada sob a direcção do primeiro-ministro espanhol e dá um sim à independência. Nem Bruxelas nem Madrid reconhecem a independência. Quanto a dívida pública espanhola, que fazer, então? Será que deve ser partilhada a?[18] Trata-se pois de um quarto catalisador potencial possível [19].
-As eleições europeias de Maio de 2014 fazem com que apareça um crescendo de populismo, bloqueando as negociações relativas aos contratos de ajustamento dos países do Sul pretendidos pela Alemanha e os contratos já em reporte de Dezembro de 2013, sob a pressão de diversos países. Os capitais deixam o Sul para se irem juntar no Norte e geram assim uma fragmentação financeira extrema. A retoma é assim permanentemente bloqueada nos países do Sul. Este é o quinto possível catalisador potencial.
– Os mercados estão cientes de que a união bancária decidida a 18 de Dezembro é apenas uma mentira: a Alemanha impede a partilha de riscos, o fundo mútuo estará operacional em 2026, este último é muito pequeno contra o risco potencial (56 mil milhões enquanto que só o custo de resgate dos bancos em 2008 ascendeu a 1611,9 mil milhões, que os riscos hoje e apenas em produtos derivados em todo o mundo são avaliados de acordo com Alpha Value em 693000 mil milhões , que a referida caixa de mutualização não poderá assumir, etc.). Ainda aqui há mais um possível catalisador potencial: o sexto.
– Face ao primeiro sucesso do “Tapering” (redução de 10 mil milhões de criação monetária mensal pelo FED ) do senhor Bernanke, o seu sucessor na direcção do FED, Janet Yellen, observando a forte recuperação da economia dos EUA (4,1% no último trimestre de 2013) decide acabar com a “flexibilização quantitativa” e com os seus efeitos perversos sobre a inflação de activos [20]. Como resultado, uma deflação de todos os activos bancários e um possível pânico financeiro… afectando aqui prioritariamente os países com desequilíbrios externos. Aqui, de novo, mais um potencial catalisador: o sétimo.
Seria certamente possível multiplicar as situações concretas que poderão estar na origem do desencadear de um novo pânico financeiro.
Neste contexto 2 aspectos devem ser evidenciados:
Em primeiro lugar, a existência de um ambiente muito propício ao contágio: perda generalizada das legitimidades políticas [21], recuo geral da razão em face do disparar de quadros sociais fortemente emocionais, aumento em forte crescendo do individualismo radical e dos efeitos miméticos, tipo os do rebanho de carneiros de Panurge, tudo isto facilitado pelas interligações que se processam à velocidade da luz.
Então as probabilidades de ocorrência dos eventos detonadores da crise acima assinalados não são provavelmente independentes, uma vez que cada um deles pode agir sobre todos os outros, e muitos podem mesmo funcionar como catalisadores dos outros , em que cada pode facilitar a eclosão de um outro ou mesmo de todos os outros.
Conclusão
Sabendo que uma nova crise financeira não controlada provocaria a completa desintegração do tecido social (a moeda é também o que “segura” as relações sociais e que a preserva da violência imediata), por um lado, e que. por outro lado, os Estados já não têm os meios, nem credibilidade para retomar “em grande” o procedimento dos resgates ” bail-out ” tipos de 2008, nem o procedimento dos “bail-in”.
-insuportável para os credores e os depositantes – parece-me claro que as moedas serão renacionalizadas. Portanto, será determinado o fim da independência dos bancos centrais.
É pois a isto que conduz o raciocínio. O problema é agora o de imaginar o novo arranjo institucional que deverá surgir, particularmente na Europa.
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[11] Números para o final de 2013, fornecidos por XERFY.
[12] 3,75 mil milhões de euros foram assim levantados sobre 10 anos à taxa de 3,543%.
[13] Cf Charles Gave no seu artigo de 13 de Janeiro de 2014 : http://institutdeslibertes.org/le-chemin-de-croix-europeen-deuxieme-station/
[14] Tratando-se da França, Altares et Alpha Value (21 janvier 2014) confirmam o recuo contínuo do investimento das PME : 14,4% de Ebitda e 1% do valor de negócios em 2008 e somente de 10,9% de Ebitda e 0,77% do valor d enegócios em 2014. O INSEE confirma que o investimentlo global desceu de 1,8% em 2013 depois de ter descido 1,9% em 2012.
[15] Na concepção de Nassim Nicholas Taleb.
[16]Incluindo o que se refere aos rácios de alavancagem e liquidez, veja-se os cálculos de ponderação dos activos.
[17] A política do bail-in foi validada em Bruxelas, 11 de Dezembro de 2013, e considera que os accionistas e os detentores de dívida deverão participar até ao nível de 8% do custo do naufrágio. A sua aplicação foi adiada para o dia 1 de Janeiro de 2016 mas isso não altera em nada a existência de uma bomba potencial até 2014
[18] Note-se que o primeiro-ministro britânico, confrontado com um problema semelhante (mas muito menos grave), com a Escócia, assume a liderança e quer tranquilizar os mercados, proclamando que a dívida total permanecerá sob o controle de Londres. Claramente, é mais barato pagar para a Escócia, do que ver disparar as taxas de juro para o Reino Unido como um todo.
[19] Leia-se um excelente registo da revista “política externa (IFRI, inverno 2013-2014, Vol 78) intitulada: «Pode a Europa rebentar ?».» Os autores insistem na dupla vulnerabilidade do contrato social ‘Estados e sociedades civis’ e ‘ populações e a UE “.
[20] Os efeitos do fim dos “Tapering ” são em teoria muito muitos: a modificação da relação oferta e a procura de títulos leva à realocação de carteira dos agentes com também a venda de activos estrangeiros, diminuição na taxa de câmbio nos países emergentes e diminuição da sua base monetária. Processo que foi muito marcado neste Verão de 2013.
[21] Jacques Sapir evoca a ideia de uma guerra civil fria ». Veja-se: http://forumdemocratique.fr/2014/01/17/la-guerre-civile-froide-par-jacques-sapir/
Texto reproduzido de :
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Para ler a Parte I deste artigo de Jean-Claude Werrebrouck, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
PROBABILIDADE E MODO DE GESTÃO DA PRÓXIMA CRISE FINANCEIRA – por JEAN-CLAUDE WERREBROUCK
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