Selecção e montagem por Júlio Marques Mota
O FMI propõe uma supertaxa de 10% sobre todas as poupanças da zona euro
Outubro de 2013, um trabalho de Raúl Ilargi Meijer[1]
The Automatic Earth
UMA COROA, UM FUNERAL, O DA DIGNIDADE DOS 88% QUE SOMOS TODOS NÓS, É O QUE OS EUROCRATAS NOS ANDAM A PREPARAR, SE OS DEIXARMOS.
(conclusão)
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Um site francês para investidores, monfinance.com, fala de gente próxima do, Eliseu, que considera um nível de supertaxa na ordem dos 17% aplicado sobre todas as poupanças francesas acima dos EUR100,000 para aniquilar toda a dívida pública. Todavia, este site não está sozinho, há mais vozes com posições no mesmo sentido, para quem levantar os impostos “normais” sobre os indivíduos ou sobre as empresas já não é viável, uma vez que se arriscaria mergulhar várias economias em recessão ou mesmo na depressão.
É isto o que o relatório do FMI de Outubro de 2013 [1]relata, intitulado por “Fiscal Monitor: Taxing Times”, ou seja, taxando as épocas, diz literalmente o título, no capítulo chamado:
Tributação, a via para sairmos da crise – ou de permanecermos nela? Preocupante
Vejamos o texto do FMI que é, de resto, bem elucidativo.
“A forte deterioração das finanças públicas em muitos países reavivou o interesse quanto à tributação do capital, um imposto único sobre o património privado, como uma medida excepcional para restaurar a sustentabilidade da dívida.[2] O que neste imposto se deduz, é que se for aplicado antes da evasão ser possível, e há aqui uma crença de que ele nunca será repetido, esse imposto não irá distorcer o comportamento dos agentes económicos (e pode ser visto por alguns até como justo).
Não obstante ao longo do tempo tem havido ilustres apoiantes, incluindo Pigou, Ricardo, Schumpeter e Keynes, até este ter acabado por mudar ideias. As condições para o sucesso são fortes, mas também precisam de ser ponderados contra os riscos das alternativas, que incluem o repudiar da dívida pública ou de a reduzir em termos reais via inflação (isto, por sua vez, corresponde a uma forma particular de imposto sobre a riqueza dos detentores de títulos que também cai sobre os não- residentes).
Há um expressivo e surpreendentemente número de experiências em que se pode comprovar e repensar, como tais impostos foram amplamente adoptados na Europa após a Primeira Guerra Mundial e na Alemanha e no Japão após a Segunda Guerra Mundial. Analisados, por Eichengreen (1990), esta experiência sugere que mais notável do que qualquer perda de credibilidade é o simples fracasso em conseguir a redução da dívida, largamente devida a que o atraso na introdução tenha dado origem a uma enorme evasão fiscal e a uma fuga enorme de capitais o que, por sua vez, influencia a inflação .
As taxas de impostos necessárias para fazer descer a dívida pública aos níveis da situação pré-crise são, claramente, consideráveis: reduzir rácios da dívida aos níveis do final de 2007 exigiria (para uma amostra de 15 países da zona euro) uma taxa de cerca de 10% sobre as famílias com riqueza líquida positiva[3].
Provavelmente, parece óbvio até, que existe aqui um ponto chave e que explica porque é que o FMI está a considerar seriamente a hipótese da aplicação de uma supertaxa, ou seja, a imposição de um imposto sobre o património líquido, mesmo que seja apenas apresentado no plano das hipóteses.
Como já se sublinhou em cima, este imposto só seria pensável, se e só se esse imposto, for aplicado antes da evasão ser possível, e há aqui uma crença de que ele nunca será repetido, esse imposto não distorce o comportamento dos agentes económicos (e pode ser visto por alguns até como sendo justo).
Tudo depende da concepção do FMI – ou da esperança – de que esta taxa possa ser implementada em segredo, antecipando-se ao facto de as pessoas terem a oportunidade de colocar o seu dinheiro noutras paragens (e vamos assumir que ninguém está a pensar em escondê-lo debaixo da terra, nos seus quintais, nas suas hortas, e que só por agora deixa os paraísos fiscais). Além disso, assume-se que após o saque inicial, as pessoas vão aceitar o imposto, pois estão confiantes de que é uma única saída de escape e que se pode fazer de uma só vez. E, finalmente, que o sentido de justiça vai prevalecer entre a população, onde uma parte substancial da qual terá pouco, ou mesmo nada, a pagar para este imposto.
Porém, isto pode parecer agora como sendo inverosímil, e a maioria das pessoas ainda continuará a estar convencida de que ” eles não fariam uma coisa dessas”. Mas que seja o FMI a propô-lo e de forma tão aberta, sugere que eles o possam mesmo fazer , todavia somente se eles descobrirem como o fazer sem ser um falhanço. Não o FMI em si-mesmo, lembremo-nos, eles não são cobradores de impostos mas, novamente, lembremo-nos que o FMI esteve envolvido de forma muito estreita com a UE, com o BCE e com a Europa nos governos nacionais. Exemplo do que se acaba de descrever é o caso de Chipre, que na qual aceitou o resgate da banca por um bail-in e, que irá muito provavelmente servir como um modelo para as futuras “reestruturações”. Aliás, foi dito, aquando este desfecho, pelo próprio Presidente do Eurogrupo.
No entanto, não podemos descartar a possibilidade de que isso apareça num relatório de Outubro do FMI de 2013, PORQUE precisamente o FMI e os seus pares nos governos nacionais, terão encontrado uma maneira diferente para atingir os mesmos objectivos. As ideias subjacentes são claras: a maioria dos governos têm níveis de dívida que não podem ser renovados no futuro por muito mais tempo. E reduzir a dívida pela inflação não é uma opção, uma vez que não pode ser feita sem aumento de consumo, naturalmente, e os consumidores globalmente estão já para lá dos seus limites. São aqui chamadas as soluções radicais, não só para a Europa, mas também se irão estender para o outro lado do Atlântico, dado o estado em que se encontra a dívida do governo americano, pois precisará de um tratamento similar.
Apenas mais duas coisas:
i) Se isto se concretiza, a percentagem pode muito bem ser superior a 10% e, talvez mesmo, bem mais até; o BCG pode muito bem não ter exagerado muito quando há 2 anos apontou par uma taxa de 30%.
ii) Se isto acontece, deverá ser “negociada” uma via que inclua obrigatoriamente aqueles que à primeira vista parecem escapar à dor, aqueles que não deixam nada para tributar na equação utilizada. Não se duvide disso. Aliviar os pobres não é o que é visto como justo nas sociedades de hoje.
Somente uma coisa mais, no caso de nos termos todos nós esquecido. Será que todos nos lembramos do que ocasionou esse aumento da dívida pública entre 2007 e hoje? A mesma resposta, a resposta que os 99% de todos nós devemos ter bem presente, resgatámos os bancos.
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[1] FMI, World Economic and Financial Surveys, FISCAL MONITOR, Taxing Times, Outubro de 2013. Texto disponível em: Taxing Times http://www.imf.org/external/pubs/ft/fm/2013/02/pdf/fm1302.pdf
[2] Como por exemplo em Bach, “Capital levies—A step towards improving public Finances in europe,” DIW Economic Bulletin, vol. 2, no. 8, pp. 3–11 (2012).
[3] Nos cálculos feitos pelos especialistas do FMI usou-se o Eurosystems Household Finance ( Household Finance and Consumption Network, 2013) ; média não ponderada.
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[1] Tradução de Júlio Marques Mota e Flávio Nunes.
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Para ler a primeira parte deste trabalho de Raúl Ilargi Meijer, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
O FMI PROPÕE UMA SUPERTAXA DE 10 % SOBRE TODAS AS POUPANÇAS DA ZONA EURO, por RAÚL ILARGI MEIJER