Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Está a União Europeia já à beira do desastre inevitável?
Mark Colvin, Is the European Union already on the brink of inevitable disaster?
ABC News, 9 de Junho de 2015
MARK COLVIN: Raramente se viu a União Europeia como tão frágil.
O primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, disse numa entrevista que se a Grécia falha, será o começo do fim da zona euro.
Tsipras considera que ‘um Grexit’, tal como está a ser chamado, provocaria a derrapagem definitiva e total do projecto europeu .
Entretanto, o primeiro ministro David Cameron da Grâ Bretanha ultrapassou um verdadeiro emaranhado político, o qual irá fazer com que os seus ministros alinhem ao longo da etapa que vai ser a campanha para um voto sim no referendo sobre a permanência ou não da Grã-Bretanha na União Europeia.
Mas um novo livro sugere que aconteça o que acontecer, a Europa está já à beira do desastre inevitável.
É o livro de George Friedman, com o título ‘Flashpoints’, e este autor disse-me, via Skype, lá do Texas, que a Alemanha, a central eléctrica da economia europeia – é o problema central.
GEORGE FRIEDMAN: O importante da questão é que uma zona de comércio livre, em que o buraco negro está no centro, a Alemanha, bate absolutamente todos os seus concorrentes e a concorrência não pode proteger-se, o que é insustentável.
MARK COLVIN: Há aqui um paradoxo, não é? Porque na verdade a UE nasceu como uma solução para o problema de uma Alemanha dominadora .
GEORGE FRIEDMAN: Precisamente. E realmente, isso vai voltar a colocar-nos no século XIX, por volta de 1871. Quando a Alemanha concluiu a sua unificação, rapidamente se tornou, a seguir, o motor económico da Europa. Mas a Alemanha também é muitíssimo insegura.
Então ao mesmo tempo que se foi tornando mais poderosa que a França, e igualando a Grã-Bretanha em termos da sua viabilidade económica, tornou-se também num país com muito medo das forças à sua volta.
Isto é o que a Alemanha é hoje. De longe, a Alemanha é o país mais produtivo na Europa.
Mas o seu enorme medo é de que a UE se vá desfazer, não por causa do Euro – que é uma questão secundária – mas porque irá perder a sua zona de comércio livre. Porque se nos podemos proteger, os alemães não poderão vender.
Assim, os alemães estão muito agressivos com os gregos, por exemplo, a tentar fazer com eles espectáculo, mas também conscientes de que se fazem demasiado espectáculo os outros países como a Espanha ou a Itália poderão pensar em sair.
E se eles os deixam deste tipo de prisão isto pode levar outros países a pensar fazer o mesmo e então a Alemanha fica numa posição muito difícil.
E agora a Alemanha está a deixar no ar a ideia de que eles podem não querer forçá-los a pagar as suas dívidas até 2016, porque obviamente a Alemanha precisa de facto de manter a zona de comércio livre. E faz bluff como pode, está aterrada com o medo de que a UE acabe.
MARK COLVIN: Temos estado a falar em termos de grande poder, suponho, mais do que em termos de falarmos ao o nível das pessoas. Mas, certamente, as pessoas estão agora a ser tão utilizadas quanto aos benefícios da livre circulação e da moeda única, da liberdade das trocas comerciais e da mobilidade do trabalho que nos permite a UE, que irão resistir, ou não? Irão resistir a qualquer desmantelamento da zona euro.
GEORGE FRIEDMAN: Bem, no sul da Europa está-se em profunda depressão, e eu digo depressão porque os números – os números do desemprego e outros igualmente – são pura e simplesmente catastróficos.
MARK COLVIN: E então eles precisam desesperadamente do turismo do Norte e não só ?
GEORGE FRIEDMAN: Bem, mas isso não vai resolver o problema, digo que o turismo não vai tomar a Itália de assalto e fazer dela um país com saúde económica. O que realmente é necessário é o que os franceses têm tornado muito claro. Eles não podem harmonizar a sua economia com a da Alemanha.
A Alemanha quer ter equilibrado os orçamentos públicos. A França deixou bem claro que não pode ter um orçamento equilibrado. A França está mais para não respeitar o que é chamado um Tratado de harmonização por erosão dos défices e basicamente a dizer ao resto da Europa, sabe, “faça o que quiser.”
A Hungria fez algo de muito interessante. Os húngaros pediram dinheiro emprestado à volta dos 90 em hipotecas que foram denominadas em Euros, Yen, francos suíços.
Quando o Forint, a moeda húngara, caiu, ninguém poderia pagar as suas hipotecas. Basicamente o governo húngaro disse para os banqueiros, “Olhem, nós vamos pagar as nossas hipotecas em Forints, e nós vamos dar-lhe cerca de 60 cêntimos por dólar.”
Foi mais complicado do que isto, mas foi o que eles disseram. “Ou então não vos damos nada. Vão para casa, pensem bem, e digam-nos depois o que pretendem .”
Por outras palavras, cada país está a proteger os seus próprios interesses, e não há nenhuma harmonia de interesses na Europa.
A livre circulação de trabalhadores é algo que é muito assustador. Assim, por exemplo, os dinamarqueses tornaram-se muito insistentes em controlar as suas fronteiras, o que é muito difícil de fazer.
Os britânicos também. A livre circulação do trabalho significa que os búlgaros vão para a Dinamarca à procura de empregos. Isto é algo que é utilizado de modo a parecer ser uma ideia maravilhosa, o que não é agora.
Assim, as grandes ideias com que a União Europeia começou mudaram muito, como frequentemente acontece na história, e transformaram-se em problemas.
MARK COLVIN: Então para si, como será a UE, digamos, daqui a dez anos ?
GEORGE FRIEDMAN: Bem, a UE será muito parecida com o seguinte: um ninho de países europeus arruaceiros. Se eles irão manter reuniões como disseram em Bruxelas ou não, realmente isto não é a questão.
Os húngaros estão a procurar satisfazer os interesses húngaros, os gregos os interesses gregos, os alemães os interesses alemães e assim sucessivamente.
O que é realmente importante é que o período que vai de 1992, quando foi assinado o Tratado de Maastricht, até 2008, quando começou a crise financeira, está a parecer-me uma verdadeira aberração.
MARK COLVIN: Mas falou num grupo de países arruaceiros e já fez alusão à história. Quer dizer que, desde a guerra Franco-Prussiana até 1945, a história é muito, muito desagradável mesmo.
É o corolário que a Europa eventualmente pode caminhar para a guerra?
GEORGE FRIEDMAN: Bem, a questão é como é que realmente ela caminhou?
De 45 para 92, a Europa foi ocupada pelos soviéticos e pelos americanos. As questões fundamentais da soberania não estavam nas mãos de Londres, de Berlim ou de Roma, estava nas mãos de Washington e Moscovo.
Em 92, a União Soviética entrou em colapso, e pela primeira vez desde a segunda guerra mundial, a Europa tornou-se verdadeiramente soberana. E durante 16 anos, teve sucesso.
Nos últimos sete anos, tem sido bastante desastroso, e a questão é, será que pode inverter este caminho? E se eles não mudam de caminho, o que é que os impede de voltar para o tipo de história que é normal na Europa?
E o que defendo é que, basicamente, o período de 92 a 2008 foi uma aberração interessante. Estamos agora de volta ao velho normal, e qual a extensão e profundidade do mal a que isto vai chegar depende de muitas questões (inaudíveis).
Mas primeiro temos de realmente reconhecer que a ideia de Europa que perspectivámos com a criação da União Europeia não vai voltar a existir, [ deixa de pertencer ao futuro, morreu com este presente]. .
Mark Colvin, Is the European Union already on the brink of inevitable disaster?, texto disponível em:
http://www.abc.net.au/pm/content/2015/s4251725.htm