Selecção, tradução e nota introdutória de Júlio Marques Mota
Entrevista com Marine Le Pen: Eu não quero esta União Europeia do tipo soviético
Entrevista conduzida por Mathieu von Rohr, publicada por Der Spiegel online em Junho de 2014.
Numa entrevista ao Der Spiegel online, a política da direita populista francesa Marine Le Pen discute a vitória eleitoral Europeia pelo seu partido, a Frente Nacional, o domínio alemão na UE e a sua admiração pelo presidente russo, Vladimir Putin.
Spiegel: Le Pen, tendo ganho 25 por cento dos votos dos franceses, o seu partido, a Frente Nacional, destaca-se como um dos principais beneficiários das eleições de 25 de Maio para o Parlamento Europeu. Como pode ter acontecido uma coisa dessas?
Le Pen: Os franceses querem recuperar o controle de seu próprio país. Eles querem determinar o curso da sua própria economia e das suas políticas de imigração. Eles querem que as suas próprias leis possam ter precedência sobre as da União Europeia. Os franceses compreenderam que a UE não corresponde à utopia que lhes venderam, os franceses sentem-se enganados. Estamos significativamente muito longe de viver em democracia, de trabalhar em democracia.
Spiegel: Ainda assim, antes da eleição, dizia-se que a existência de candidatos que eram os chefes de fila dos dois maiores grupos – Jean-Claude Juncker para o centro-direita e Martin Schulz para o centro-esquerda – fortaleceria a democracia na UE .
Le Pen: Isso é totalmente falso. Toda gente sabia que não seria o parlamento a tomar a decisão final sobre o próximo presidente da Comissão Europeia.
SPIEGEL: A senhora quer destruir a Europa?
Le Pen: Eu quero destruir a UE, mas não a Europa! Eu acredito numa Europa de Estados-nação. Eu acredito em Airbus e Ariane, numa Europa baseada na cooperação. Mas eu não quero, não desejo isto, esta União Europeia Soviética.
Spiegel: A UE é um grande projecto para a paz. Ela tem ajudado a garantir 70 anos sem guerra no continente.
Le Pen: Não. A Europa é guerra. Guerra económica. É o aumento das hostilidades entre os países. Os alemães são denegridos como sendo cruéis, os gregos como fraudulentos, os franceses como preguiçosos. Merkel não pode viajar para qualquer país europeu sem ser protegida por centenas de policiais. Isto não é fraternidade.
Spiegel: A senhora agora pretende ir a Bruxelas apenas para lutar contra o sistema.
Le Pen: E porque não? A UE é profundamente prejudicial, é um monstro anti-democrático. Eu quero impedir que se torne um monstro ainda maior, de continuar a respirar, de agarrar tudo com as suas patas e de estender os seus tentáculos em todas as áreas da nossa legislação. Na nossa gloriosa história, milhões já morreram para garantir que o nosso país continue a ser livre. Hoje, estamos simplesmente a permitir que o nosso direito à auto-determinação nos esteja a ser pura e simplesmente roubado.
Spiegel: Na verdade, porém, a senhora não ganhou as eleições por causa da UE, mas porque os franceses estão furiosos com a sua situação económica e com o presidente François Hollande. Você agradeceu-lhe?
Le Pen: Não. Então eu teria de chamar também Nicolas Sarkozy. A França está nesta situação porque o partido conservador (coligação) União por um Movimento Popular (a UMP- partido de Sarkozy) e os socialistas (partido de Hollande) estão a ser sujeitos aos tratados europeus. Estes tratados promovem os interesses alemães muito bem, mas eles são pobres na defesa dos interesses da França.
Spiegel: A Alemanha é a culpada da miséria da França?
Le Pen: Sempre que eu ouço as pessoas a proferirem sentimentos anti-alemães, digo: Não podem culpar a Alemanha por defender os seus próprios interesses. Eu não posso culpar a Sra. Merkel por ela ter dito que quer um euro forte. Eu coloco a culpa sobre os nossos próprios líderes que não estão a defender os nossos interesses. Um euro forte está a arruinar a nossa economia.
Spiegel: Porque diz que o euro só está a ajudar a Alemanha?
Le Pen: Por uma razão muito simples: Ele foi criado pela Alemanha, para a Alemanha.
Spiegel: Foi François Mitterrand, que queria o euro a fim de conter a Alemanha. Na verdade, era difícil para os alemães desistirem do seu amado marco alemão.
Le Pen: Isso é outra história. Mitterand queria ir em frente com a integração criando o euro. Mas do ponto de vista económico, o euro é alemão. Se voltássemos para as nossas moedas nacionais, o D-Mark seria o único a apreciar-se em valor, o que seria uma desvantagem competitiva para a Alemanha. A nossa moeda, pelo contrário, seria desvalorizada, o que nos daria um pouco de espaço para respirar.
Spiegel: Por outras palavras, os votos nos euro-cépticos são votos contra a Alemanha?
Le Pen: Não há nenhuma dúvida de que o modelo que estamos a defender é menos interessante para a Alemanha do que o modelo actual. A Alemanha tornou-se o coração económico da Europa porque os nossos líderes são fracos. Mas a Alemanha nunca deve esquecer que a França é o coração político da Europa. O que está aqui a acontecer hoje prenuncia o que vai acontecer no resto da Europa nos próximos anos: o grande retorno do Estado-nação, o que eles queriam destruir.
Spiegel: Você vê Angela Merkel como um inimigo?
Le Pen: Eu tenho respeito por líderes que defendem os interesses dos seus países. As suas políticas são positivas para a Alemanha, mas elas são, infelizmente, prejudiciais para todos os outros países. O meu aviso é: Tenha cuidado, Merkel. Se a senhora não vê o sofrimento que foi imposto ao resto dos povos europeus, então a Alemanha tornar-se-à um País odiado. Ela acredita que é possível continuar a impor políticas nos outros países contra a vontade do seus respectivos povos. Ela nunca faria isso na Alemanha, onde os resultados eleitorais estão a ser respeitados. Mas ela quer impor as suas políticas sobre os outros. Isto levará a uma explosão da União Europeia.
Spiegel: Você realmente quer que a França deixe o euro?
Le Pen: Eu tenho dito isso desde a campanha eleitoral presidencial francesa. É uma questão difícil e eu assumi politicamente um grande risco. Eu sei muito bem que a classe política espalhou o medo entre o eleitorado: Sem o euro, o sol deixará de brilhar, os rios vão deixar de correr para o mar, vamos introduzir uma idade de gelo …
Spiegel: O fim do euro iria certamente levar a um desastre económico.
Le Pen: Eu não acredito em nada disso. Seria uma oportunidade inacreditável. Se nós todos não deixarmos o euro para trás, ele vai explodir. Ou haverá uma revolta popular porque as pessoas já não querem continuar a ser sangradas. Ou os alemães vão dizer: Pare, não podemos mais pagar para os pobres.
Spiegel: A senhora agora está a trazer 24 representantes consigo a Bruxelas …
Le Pen: … uma vez que somos o quarto maior grupo partidário atrás dos democratas-cristãos alemães, do Partido Democrata italiano e dos sociais-democratas alemães.
Spiegel: Mas para construir um grupo parlamentar, a senhora precisa de representantes de sete países diferentes. A senhora tem um acordo com o holandês de direita populista Geert Wilders, o FPÖ da Áustria, a Liga Norte da Itália e Vlaams Belang da Bélgica, mas isso não é suficiente.
Le Pen: Estou optimista de que seremos capazes de estabelecer um grupo parlamentar. Eu tenho uma série de reuniões a realizarem-se em breve.
Spiegel: O Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), embora UE-céptico, recusou-se a colaborar com a Frente Nacional. O líder do Partido Nigel Farage disse que a Frente Nacional é anti-semita.
Le Pen: E David Cameron diz que os membros do UKIP são loucos e racistas. Eu acho que é bom que o UKIP seja tão forte como nós somos. Mas eles já têm um grupo parlamentar e vêem-nos como concorrentes. Assim, as acusações insultuosas.
Spiegel: A senhora gostaria de trabalhar em conjunto com UKIP?
Le Pen: Seria certamente uma possibilidade. Temos a mesma abordagem fundamental para a Europa.
Spiegel: A senhora e os seus possíveis aliados estão todos em oposição à União Europeia. Mas o que, por exemplo, tem a senhora em comum para além de alguém como Geert Wilders?
Le Pen: Isso é o suficiente!
Spiegel: Ele é a favor dos direitos dos homossexuais, enquanto a senhora se opõe ao casamento gay.
Le Pen: Porque é que eu deveria me importar com isso? Para mim, a luta por nações soberanas é suficiente. Toda a gente deve ser capaz de escolher de acordo com os seus próprios valores e história, dentro de uma civilização europeia a que todos nós pertencemos.
Spiegel: A senhora excluiu a possibilidade de cooperar com os extremistas de direita, como o partido Golden Dawn da Grécia ou do partido NPD neonazi alemão. Que pensa sobre o partido euro-céptico da Alemanha, o AFD?
Le Pen: Eles ainda têm de mostrar interesse numa tal cooperação. Nós compartilhamos certos pontos de vista com o AFD, mas eles não são um partido do povo. Ao contrário, eles são um partido elitista com uma estrutura diferente da nossa.
Spiegel: está a França realmente a sofrer de uma espécie de depressão?
Le Pen: Há algo disso. Nós habituámo-nos a ser um dos países mais ricos do mundo, mas agora estamos numa trajectória em direcção ao sub-desenvolvimento. Essa austeridade que tem sido imposta ao povo não funciona. As pessoas não se permitem ser estranguladas sem se revoltarem.
Spiegel: Ainda assim, a dívida soberana francesa é enorme.
Le Pen: A dívida francesa permanecerá enorme. Quanto mais austeridade se impõe, mais o crescimento sofre, menores são as receitas fiscais e mais elevado o défice orçamental. Além disso, o governo poupa fazendo cortes nas despesas públicas úteis, em vez de os fazer nas despesas prejudiciais. A poupança deve ser feita com cortes num sistema social generoso, que concede aos imigrantes ilegais as mesmas protecções como se fossem nossos cidadãos. E combatendo a fraude na ajuda social, e nas contribuições para a UE, que sobem ano após ano.
Entrevista com Marine Le Pen: ‘I Don’t Want this European Soviet Union’, publicada por Der Spiegel online. Texto disponível em: