O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – IV

refugiados - I

Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota 

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Porque é que os árabes não nos querem na Síria

Kennedy - III

Robert F. Kennedy, Jr., Why the Arabs Don’t Want Us in Syria,

Politico Magazine, 22 de Fevereiro de 2016

(conclusão)

Utilizando os fundos dos Estados do Golfo e dos Estados Unidos, estes grupos desviaram os protestos pacíficos contra Bachar el-Assad “numa direcção claramente sectária (chiitas vs. sunitas).” A nota indica que o conflito se tornou numa guerra civil sectária incentivada “pelos poderes políticos e religiosos” sunitas. O relatório descreve o conflito sírio como uma guerra global para o controlo dos recursos da região com “o Ocidente, os países do Golfo e a Turquia que apoiam a oposição a [Assad], enquanto a Rússia, a China e o Irão apoiam o regime. ” Os autores deste relatório de sete páginas do Pentágono parecem avalizar o advento previsto de um califado de ISIS: “Se a situação se degradar, há a possibilidade que se estabeleça um principado salafista declarado ou não, na zona leste da Síria (Hassaké e Deïr ez Zor) e é precisamente o que querem as potências que apoiam a oposição de forma a isolar o regime sírio.” O relatório do Pentágono avisa que este novo principado poderia ultrapassar a fronteira iraquiana para Mossoul e Ramadi, e “proclamar um Estado Islâmico unindo-se a outras organizações terroristas no Iraque e a Síria.”

E certamente, é precisamente isso que aconteceu. Isto é tudo menos uma coincidência se as regiões da Síria que são ocupadas pelo ÉI incluem exactamente o traçado proposto do pipeline qatari.

. Mas eis que em 2014, os nossos mercenários sunitas horrorizaram o povo americano cortando cabeças, e fazendo fugir um milhão de refugiados para a Europa. “As estratégias fundadas sobre a ideia que o inimigo do meu inimigo é um meu amigo podem provar-se um tanto ilusórias,” diz Tim Clemente, que dirigiu de 2004 à 2008 o Grupo de trabalho do FBI contra o terrorismo, e que assegurou no Iraque a ligação entre o FBI, a polícia nacional iraquiana e o exército americano. “Cometemos o mesmo erro quando provocamos os moudjahidines no Afeganistão. Logo que os russos partiram, os nossos supostos amigos começaram a destruir antiguidades, a reduzir as mulheres à escravidão, a cortar as pessoas em pedaços e a atirarem-nos para cima,” disse-me Clemente aquando de uma entrevista.

Quando “Jihadi John” do ÉI começou a assassinar prisioneiros nos écrans de televisão, a Casa-Branca virou a sua casaca, falando menos em destituir Assad do que passou a falar de estabilidade regional. A administração Obama colocou ligeiramente mais distância entre ela e os insurrectos que tínhamos financiado. A Casa-Branca apontou um dedo acusador aos nossos aliados. A 3 de Outubro de 2014, o Vice-Presidente Joe Biden dizia a estudantes do fórum JF Kennedy Junior, no Institute of Politics de Harvard, que “o nosso maior problema na Síria, são os nossos aliados.” Explicou que a Turquia, a Arábia Saudita e os Emirados árabes unidos “estavam assim tão determinados a derrubar Assad” que tinham lançado “uma guerra por procuração entre chiitas e sunitas” encaminhando “centena de milhões de dólares e dezenas de milhares de toneladas de armas para todos aqueles que aceitariam combater contra Assad. Salvo que as pessoas que recebiam estas armas e este dinheiro eram al-Nosra e al-Qaïda” – os dois grupos que fundiram em 2014 para formar o Exército Islâmico. Biden parecia irritado em verificar que já não se podia contar sobre os nossos “amigos” de confiança para aplicar a agenda americana.

No Médio Oriente, os líderes árabes acusam frequentemente os Estados Unidos de terem criado o Estado Islâmico. Para a maioria dos Americanos, estas acusações parecem insensatas. No entanto, para numerosos árabes, as provas da participação americana são de tal forma evidentes que concluem que o nosso apoio ao Estado Islâmico só pode ter sido deliberado.

De facto, numerosos combatentes do Estado Islâmico bem como os seus chefes são ao mesmo tempo os sucessores ideológicos e os herdeiros das organizações djihadistes que a CIA apoiou desde há mais de 30 anos, da Síria ao Egipto passando pelo Afeganistão e Iraque

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O antigo Presidente dos Estados UNidos Georges W. Bush | Tim Sloan/AFP/Getty Images

Antes da invasão americana, al-Qaïda não existia no Iraque de Saddam Hussein. O presidente George W. Bush destruiu o governo laico de Saddam, e o seu “vice-rei”, Paul Bremer, num acto de incompetência monumental, criou de maneira efectiva o Exército Sunita, hoje chamado o Estado Islâmico. Bremer instalou os chiitas no poder e baniu o partido dirigente Baas de Saddam, destituindo cerca de 700.000 personalidades políticas e funcionários, geralmente sunitas, desde ministros aos professores. Dispersou seguidamente o exército de 380.000 soldados, dos quais de 80% eram sunitas. As acções de Bremer destruiu a vida a um milhão de sunitas iraquianos dando-lhes cabo da sua posição social, das suas coisas, da sua riqueza e dos seus poderes. abandonando uma subclase desesperada de sunitas furiosos, educados, competentes, treinados, excessivamente armados e que ficaram na situação de não terem já nada a perder A revolta sunita baptizou-se al-Qaïda no Iraque (AQI). Desde 2011, os nossos aliados financiaram a invasão da Síria através dos soldados de AQI. Em Abril de 2013, uma vez na Síria, AQI alterou o seu nome para ISIL. De acordo com Dexter Filkins do New Yorker, “ISIS é comandado por um conselho de antigos generais iraquianos… Muitos deles são membros do partido laico Baas de Saddam Hussein, que se converteram ao Islão radical nas prisões americanas.” Os 500 milhões de dólares de ajuda militar que Obama enviou para a Síria terão finalmente acabado por beneficiar certamente estes militantes djihadistas. Tim Clemente, o antigo responsável do Grupo de trabalho do FBI, disse-me que a diferença entre os conflitos no Iraque e o da Síria reside nos milhões de homens em idade de combater que fogem do campo de batalha para a Europa, em vez de se baterem pelas suas comunidades. A explicação evidente para este fenómeno é que os patriotas moderados da Síria fogem de uma guerra que não é a deles. Querem simplesmente evitar ser esmagados entre a bigorna da ditadura Assad apoiada pela Rússia e o martelo dos djihadistas cruéis que tínhamos nas mãos numa batalha geral pelos gasodutos concorrentes. Não se pode criticar a população síria por não aderir massivamente a um plano nacional que lhes é proposto quer seja por Washington quer seja por Moscovo. As superpotências não deixaram nenhuma possibilidade para um futuro ideal pelo qual os Sírios moderados poderiam bater-se. E ninguém quer morrer por um gasoduto.

* * *

Qual é a solução? Se o nosso objectivo for a paz a longo prazo no Médio Oriente, se for a existência de governos independentes para as nações árabes e a segurança nacional, devemos encarar todo um outro tipo de intervenção na região com um olhar sobre a História e ter um intenso desejo de aprender as suas lições. E é somente depois, quando os Americanos, tenham compreendido o contexto histórico e político deste conflito, que observaremos com a vigilância adequada as decisões dos nossos dirigentes. Utilizando as mesmas imagens e a mesma linguagem que justificou a nossa guerra contra Saddam Hussein em 2003, os nossos dirigentes políticos fazem crer aos Americanos que a nossa intervenção na Síria é exactamente uma guerra contra a ditadura, o terrorismo e o fanatismo religioso. Temos tendência a rejeitar como puro cinismo o ponto de vista dos árabes que consideram a crise actual como um retomar das velhas intrigas por causa dos gasodutos e da geopolítica. Mas, se quisermos ter uma política externa eficaz, devemos reconhecer que o conflito sírio é uma guerra pelo controlo dos recursos, que não é diferente da miríade de guerras do petróleo clandestinas e escondidas que temos vindo a efectuar desde há 65 anos ao Médio Oriente. É apenas encarando este conflito como uma guerra por procuração por um gasoduto que os acontecimentos se tornam compreensíveis. É o único paradigma que explica porque é que o Partido Republicano no Capitólio, e a administração Obama estão ambos sempre obcecados e obnubilados por uma mudança de regime em vez da estabilidade regional, porque é que a administração Obama não encontra sírios moderados para se baterem nesta guerra, porque é que o ÉI fez explodir um avião de linha russa, porque é que os Sauditas executaram um influente dignitário religioso chiita tendo como único resultado verem a sua embaixada em Teerão a ser queimada, porque é que os russos bombardeiam os combatentes que não fazem parte do ÉI e porque é que a Turquia foi até ao ponto de se permitir abater um avião de caça russo. Os milhões de refugiados que inundam a Europa são os refugiados de uma guerra pelo petróleo e dos erros da CIA.

Clemente compara o ÉI às FARC colombianas – um cartel da droga com uma ideologia revolucionário a fim de inspirar os seus soldados de infantaria. “Deve pensar o ÉI como um cartel do petróleo,” afirma Clemente. “No fim de contas, o dinheiro é o fundamento deste movimento. A ideologia religiosa é um instrumento que inspira os seus soldados para que dêem as suas vidas por um cartel do petróleo.”

Uma vez que se decapou este conflito do seu verniz humanitário e que se compreendeu que o conflito sírio é uma guerra pelo petróleo, a nossa política externa torna-se clara. Tal como como os sírios que fogem para a Europa, nenhum Americano quer enviar os seus filhos morrer por um gasoduto. A nossa prioridade deveria sobretudo a de que ninguém nunca mais diga: devemos transferir as nossas companhias petrolíferas do Médio Oriente – objectivo cada vez mais realista à medida que os Estados Unidos se aproximam da independência energética. Seguidamente, devemos reduzir drasticamente a nossa força militar no Médio Oriente e deixar os Árabes governar a Arábia. Com excepção da ajuda humanitária e o facto de garantir a segurança das fronteiras do Israel, os Estados Unidos não têm papel legítimo neste conflito. Enquanto que os factos mostram que desempenhamos um papel na emergência desta crise, a História também nos mostra que temos apenas poucos poderes para o resolver.

Reflectindo sobre a história, é espantoso constatar a surpreendente coerência com que praticamente cada intervenção brutal do nosso país no Médio Oriente desde a Segunda Guerra mundial conduziu a um lamentável falhanço e com repercussões terrivelmente custosas. Um relatório de ministério da Defesa americano de 1997 constatou que “os dados mostram uma forte correlação entre o envolvimento americano no estrangeiro e um aumento dos ataques terroristas contra os Estados Unidos. ” Sejamos realistas, aquilo a que chamamos “a guerra contra o terrorismo” é, na verdade, muito simplesmente uma nova guerra pelo petróleo. Desperdiçamos 6.000 milhares de milhões de dólares para efectuar três guerras no estrangeiro e instaurar um estado de segurança nacional guerreiro nos Estados Unidos, desde que o negociante em petróleo Dick Cheney declarou “a longa guerra” em 2001. Os únicos vencedores foram os fabricantes e vendedores de armas e as companhias petrolíferas que embolsaram lucros históricos, os serviços de informações cujo poder e influência cresceram exponencialmente em detrimento das nossas liberdades e os djihadistas que utilizaram invariavelmente as nossas intervenções como o seu principal e mais eficaz instrumento de recrutamento de voluntários. Pusemos em perigo os nossos valores, massacramos a nossa própria juventude, matámos centena de milhares de pessoas inocentes, pusemos em situação complicada o nosso idealismo e desperdiçámos os nossos tesouros nacionais em aventuras no estrangeiro estéreis e dispendiosas. Neste processo, ajudamos os nossos piores inimigos e fizemos da América, outrora o farol mundial da liberdade, um Estado de vigilância policial e um pária moral aos olhos do mundo.

Os pais fundadores da América bem puseram de sobreaviso os Americanos contra a existência de exércitos permanentes, de embrulhadas no estrangeiro e, de acordo com as palavras de John Quincy Adam, contra “a partida para o estrangeiro à procura de monstros a abater. ” Estes homens sábios tinham compreendido que os imperialismos no estrangeiro são incompatíveis com a democracia e com os direitos civis dentro do país. A Carta Atlântica reflectiu o seu ideal americano fundador de que cada nação deveria ter direito à autodeterminação. Durante as sete últimas décadas, os irmãos Dulles, o gangue de Cheney, os neoconservadores e todos os que se lhes assemelham desviaram-se deste princípio fundamental do idealismo americano e utilizaram o nosso exército e o nosso dispositivo de informação para servir os interesses mercantis de grandes sociedades e, em especial, das empresas petrolíferas e dos fabricantes de armas que literalmente se puseram a encher os bolsos com estes conflitos.

É tempo para os Americanos virarem as costas a este novo imperialismo, e de voltarem a tomar o caminho dos ideais e da democracia. Deixemos os árabes governar a Arábia, e consagremos a nossa energia a este grande projecto: a edificação da nossa própria nação. Devemos iniciar-nos neste processo, não a invadir a Síria, mas pondo um termo à nossa ruinosa dependência em relação ao petróleo, que perverteu a política externa americana durante meio século.

 Robert F. Kennedy, Why the Arabs Don’t Want Us in Syria. Texto disponível em:

Read more: http://www.politico.com/magazine/story/2016/02/rfk-jr-why-arabs-dont-trust-america-213601#ixzz48H4aOVtd

Robert F. Kennedy, Jr. is the president of Waterkeeper Alliance. His newest book is Thimerosal: Let The Science Speak.

Read more: http://www.politico.com/magazine/story/2016/02/rfk-jr-why-arabs-dont-trust-america-213601#ixzz48H4NH66J

Ver o original em:

http://www.politico.com/magazine/story/2016/02/rfk-jr-why-arabs-dont-trust-america-213601

Ver a Parte III deste artigo de Robert F. Kennedy, Jr., publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clicando em:

O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – III

Ler a introdução de Júlio Marques Mota, publicada anteontem em A Viagem dos Argonautas:

O DRAMA DOS MIGRANTES NUMA EUROPA EM DECLÍNIO E CAPTURADA POR ERDOGAN E OBAMA – 12. PORQUE É QUE OS ÁRABES NÃO NOS QUEREM NA SÍRIA, por ROBERT F. KENNEDY, JR. – a introdução de JÚLIO MARQUES MOTA

1 Comment

  1. O comentário que a seguir se transcreve foi enviado a Júlio Marques Mota, com o pedido de publicação:

    “O artigo está correcto embora eu tenha uma visão mais pessimista sobre o comportamento dos USA. Eu comento isso diariamente em muitos artigos de jornal.

    Além da estratégia de fabricadores de golpes de estado, terrorismo e mortandade no Médio Oriente por causa do petróleo e outros interesse na Região, eu vejo também uma concertada poltica norte-americana contra a Europa.

    Na sua loucura de serem imperial-ditadores do Mundo, eles têm necessidade de destruir toda a história dos valores morais europeus os quais assentam estruturalmente e ideològicamente nas tradições em redor do Mediterrâneo: civilizações do Egipto, Grécia, Persia, Iraq (antigas Assiria,Mesopotâmia e Caldeia) e no Cristianismo vindo da Palestina e da Siria (Paulo deTarso mais conhecido por S. Paulo e Eurico de não sei quê e mais tarde por Sto Agostinho da Argelia).

    Os USA têm, pois, de queimar essas civilizações naquilo que é a raiz do pensamento e sobrevivência civilizacional da Europa.

    E é por isso que, em acréscimo às verdades do petróleo e tudo o que o artigo que me mandaste conta, os USA matêm a Grécia e a Europa refém do seu poder militar e petrodólares em aliança com a Turquia e Árabes contra a Europa e nossos valores.

    E, ainda mais macabramente, mataram todos os crtistãos do Iraque e querem dizimar completamente todos os cristãos da Siria assim destruindo as últimas testemunhas da nossa criação civilizacional, com destaque para os Cristãos assírios, caldeus e arameus (um pequeno grupo da etnia de Jesus, que conta apenas meia dúzia de milhares protegidos por Assad, e que continua a falar a moribunda língua de Jesus, o arameu ou aramaico).

    Com esta “bomba atómica” americana sobre a civilização europeia mais antiga, ficam cortadas as bases do pensamento europeu e, então, os USA, segundo eles hitlermente pensam, podem apresentar-se como os verdadeiros detentores da civilização ocidental, criando um novo “Imperio Romano” (USA) sobre as cinzas da civiizada “Grecia” (Europa).

    Só que o Império Romano quando subjugou a Grécia (que era quase todo o médio Oriente, incluindo a Turquia, e não apenas aquilo a que hoje chamamos Grécia) subordinou-se à cultura e civilização grega em vez de a destruir. O direito romano continua a ser ainda hoje a base de todo o direito mundial, perpetuado exactamente por Constantinopla ou Bizântio (Grécia, mas hoje ocupada pela Turquia e que só hás umas poucas dezenas de anos a Turquia lhe adulterou o nome para o nome Istambul). Foi o Imperador Justiniano de Bizancio que perpetuou tudo isso (em grego e latim) num Código que chegou até aos nossos dias e se chama Código Justinianeu.

    Em meu entender, ou os USA mudam de rumo, ou nada de bom parirá para a humanidade em tempos muito próximos.

    C.R.”

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