CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1.C- SOBRE LAUTENBACH: JÚLIO MARQUES MOTA PUBLICA A NOTA 2 DO TEXTO DE LAUTENBACH COMENTADA PARA UM AMIGO MEU – ANEXO. NOTA 2. – I

Selecção, tradução e comentários por Júlio Marques Mota. Revisão de Francisco Tavares.

1.C- Sobre Lautenbach: aqui publico a nota 2 do texto de Lautenbach comentada para um amigo meu[1].

ANEXO. Nota 2.

 

O texto em cada enquadrado é a explicação para os parágrafos que o antecedem.

11) Nesta forma concisa essa tese parece à primeira vista equivalente a uma já muito velha questão: quem é que surge primeiro, o ovo ou a galinha? Para uma formulação semelhante, veja-se: Erich Schneider, Introdução à Teoria Económica, vol. I, Tübingen 1948, p.57).

Comentário

Trata-se de saber ou de não se saber se é a poupança que gera o investimento ou é o investimento que gera aumento de rendimento e é o aumento de rendimento que gera então a poupança. E isto não é redutível à questão de quem é que surgiu primeiro, se o ovo se a galinha.

É isso que o autor está a analisar e este autor não é Lautenbach, é Stutzel, um dos maiores expoentes alemães dos anos 50 e 60 na Alemanha e que é o responsável pela compilação dos textos de Lautenbach.

Lautenbach e é esse o seu grande contributo diz: é  o Investimento que gera a poupança. Mas isso é contra toda a lógica neoliberal. Basta lembrar a Troika.

Também se poderia facilmente considerar a afirmação de Lautenbach como uma trivialidade mas avançar por esta via como resposta às teses de Lautenbach poderia levar-nos ao absurdo de considerarmos que todos os homens cujo primeiro nome seja Felix tomariam o lugar dos empresários no modelo de Lautenbach e que em vez dos não empresários seriam no mesmo modelo considerados todos os outros atores da economia que não estes.

A afirmação de Lautenbach como trivial. Uma trivialidade significará aqui algo conhecido de todos. É mentira. É mentira que a afirmação seja conhecida de todos os economistas. Será a primeira vez na história que alguém inverte com este rigor a relação de S (poupança) a gerar o Investimento (I), para o seu contrário, ou seja, em que se considera a causalidade inversa. Dito de outra forma, Lautenbach considera que a realização de I, provoca aumento de rendimentos que, por sua vez, provoca aumento da poupança e, sendo assim, é o investimento que gera a poupança e não o inverso. ENCOMENDAR, porque não está feito, e comprar uma camisa ou um Ferrari com dinheiro que se tem não é a mesma coisa que ENCOMENDAR, porque não feita, e comprar uma máquina ferramenta, com o dinheiro que ainda não se tem, para com ela se produzir bens e serviços que são necessários, ou seja, para produzir rendimentos e poupanças como resultado do que se investiu. Investir significa aqui gerar produção, gerar rendimento que gera a poupança correspondente. São pois duas visões do mundo e diametralmente opostas.

Stutzel leva a sua ironia corrosiva ao limite. Assim, diz-nos ele, considerar a afirmação de Lautenbach uma banalidade é tão absurdo como considerar no seu modelo económico em que a sociedade está dividida em classes, que os cidadãos de nome Felix, façam o que fizerem, passam a ser os CAPITALISTAS e toda a população restante passa a constituir os seus trabalhadores!!!! Um absurdo monstruoso, é o que é pensar desta maneira, pensar como Erich Schneider, que a afirmação de Lautenbach é pura e simplesmente uma trivialidade. No fundo considerar a questão como uma banalidade, o que faz Schneider, é não perceber nada, nada mesmo, quanto à dinâmica do capitalismo ou, no fundo, o equivalente a considerar qualquer homem com o nome Félix do país como empresário….  E a considerar toda a população restante como sendo os operários, o mesmo é dizer em que a maioria dos patrões, salvo os que se possam chamar-se Félix, serão relegados ao estatuto de operários. Uma equivalência no absurdo.

Se considerarmos que o rendimento dos restantes evolui a pari e passu com a produção, então somente os “Felizes” precisam de globalmente gastar mais e atingirão rendimentos mais elevados. E isto é o que se passa na verdade com os empresários. Mas estes também irão, assim, alcançar rendimentos mais elevados.

 

Presumo, os restantes, os que não se chamam Félix, são os que não são empresários. Ganham de acordo com o que trabalham e os seus rendimentos evoluem com o que produzem. Restam-nos os felizes, os patrões. Podem à partida imputar na despesa o seu salário que eles mesmo estipulam e antes de gerarem os rendimentos correspondentes. Podem pois gastar antes de produzir. Felizes até nisto. Daí a frase famosa de um autor reconhecidamente tão importante como Keynes e que se chama Kalecky : os operários gastam o ganham, os patrões ganham o que gastam, agora sob a forma de lucros. Se os nossos Felizes gastarem mais, produzem mais, ganham MAIS, eis o que está no texto

Agora, qual é a posição muito especial dos empresários. Qual é a finalidade das proposições especiais de Lautenbach? O que significa a frase: “Os empresários sabem apenas pelo mercado quanto ganharam, sabem pelo mercado quanto é o montante de lucros por eles obtidos?” Não estarão os rendimentos (os salários) dos não-empresários no curto prazo, assim como a ´determinação política dos salários a longo prazo, ligados à situação de mercado? Mas uma vez que as últimas teses apresentadas por Lautenbach têm a ver com as exigências “assimétricas” da teoria do emprego (a utilização de capital antes da formação de capital, o acréscimo na procura antes do aumento da oferta, etc.) e, por vezes, sobre a utilização de forma acrítica de equações (“simultâneas”) para descrever a atividade económica que pode levar a falsas ideias sobre a natureza das variáveis contidas nesses sistemas, sobre o que está a ser analisado, talvez tudo isto esteja a merecer ou a exigir mesmo uma análise mais detalhada.

Aqui de novo um ataque de fundo à teoria económica dominante. Segundo esta os salários e os lucros são dados pelas condições técnicas, independentemente dos mercados. Um economista neoliberal dir-te-ia: o salário é determinado pela produtividade marginal, ou seja, pelas condições técnicas de produção, como se não houvesse mercado! Não são pois necessários sindicatos para negociar o salário, um engenheiro, uma função de produção, uma certa capacidade de cálculo, chegam para isso, consideram os neoliberais!

Em Lautenbach os salários estão estabelecidos por contrato, os lucros são a VARIÁVEL RESIDUAL, estabelecida pós venda da produção, estabelecida pelo mercado. O drama de hoje é que o neoliberalismo quer forçar a realidade a ser o inverso do que ela estruturalmente é, ou seja, querem funcionar como se o salário seja a variável residual. Daí a existência de comissões e outros prémios, daí a perda de importância do salário fixo, cada vez relativamente menor, etc.

Segundo Lautenbach e Stutzel passa-se o contrário do que nos dizem os neoliberais quanto ao mercado de trabalho. O salário é determinado NUM MERCADO BEM ESPECIAL, o do confronto entre patrões e empregados, é fixado antes da produção ser feita, sob a forma de contratos de trabalho. Diríamos então o salário é a variável independente: em cada país e em cada momento depende do confronto de classes. E os lucros: os lucros só são determináveis pós venda, é o que ele nos diz. Os custos de remuneração pessoais dos capitalistas entram nos custos de produção tal como os salários dos seus trabalhadores.

Imaginemos um modelo de ciclo de negócios em que, em dado período cada grupo obtém tanto como remuneração como aquilo com que contribui para a formação do rendimento nacional. Então, por si só, esta afirmação pode já significar que a receita total é igual à despesa total.

Impressionante o texto acima. Não há crescimento e em equilíbrio tudo o que foi produzido foi vendido. Em Ricardo chama-se estado estacionário, em Marx significaria Reprodução Simples. Aqui, vendeu-se, obtiveram-se receitas- comprou-se fizeram-se despesas. A despesa igual à produção, igual aos Rendimentos Gastos=PIB=Produção=Rendimentos obtidos.

É claro, o número de trabalhadores e o PIB poderão aumentar hipoteticamente com a redução simultânea dos salários unitários e com o aumento do número de trabalhadores de tal modo que se mantém constante os rendimentos salariais totais e a despesa total de todos os trabalhadores envolvidos na produção. (ver. Pag 126). A hipótese da igualdade entre as receitas e as despesas dos empresários no período de tempo considerado exige, contudo, um acréscimo do produto total e que é igual ao montante da redução salarial. Contudo, uma tal igualdade entre receitas e despesas dos empresários nunca pode ser alcançada no decorrer de um processo sequencial livre. Pelo contrário, depois da redução dos salários, as empresas procuram em primeiro lugar obter lucros a partir das novas contratações [e a partir daí, se não houver outras causas para mudanças na relação despesas/receitas dos empresários, caminhar-se para um novo estádio estacionário, nessa longa “espiral do tempo”. No fundo, temos aqui os “animal spirits” de Joan Robinson, – ou seja o otimismo dos empresários a poderem contrair empréstimos e a gastar  hoje, os rendimentos esperados com a venda da produção depois de amanhã.].

Aqui temos a tese defendida por Lautenbach na conferência de Setembro de 1931. Se os salários unitários baixam, para a mesma despesa global em salários terão de aumentar o número de trabalhadores. A despesa total dos trabalhadores permanece constante. No livro veja-se isso na pág. 126.

Mas se há baixa salarial por unidade de trabalho, os mesmos trabalhadores que trabalhavam antes vão dar mais lucros. Como os salários baixam os empresários aumentam o volume de emprego: Ganham a dois níveis: pagam menos por dia de trabalho e ganham; empregam mais gente e ganham. Há pois mais produção, mais lucros e mais despesa depois dos empresários, nem que seja por antecipação da realização dos seus lucros! E assim se escoa a produção, e assim se torna a encontrar a igualdade Receitas totais=Despesas Totais= Produção total.

Porém, aqui cruzamo-nos com Ricardo e com Marx, com o problema da reprodução simples em Marx, com a situação de estado estacionário em Ricardo! Não basta baixar os salários. É preciso dinamizar a procura e esta dinamização pode aqui surgir via empresários, via o seu consumo, no caso possível pelos lucros adicionais esperados e procurados com a baixa dos salários. Mas os lucros são realizados, obtidos em cash, com a produção vendida e para que a produção seja vendida é preciso que aumente a procura. Vindo de onde, este aumento da procura? De forma imediata, pelo aumento da despesa feita a partir da antecipação de lucros esperados! Um espanto, este texto escrito nos anos 30.

É apenas no sentido de determinar qual o interesse, isolando de tudo o resto, dos empresários em expandir a sua produção que Lautenbach coloca a hipótese de massa salarial constante em simultâneo com o aumento dos trabalhadores utilizados. Seria errado supor que a hipótese de massa salarial constante é uma condição necessária para a sua ideia de base ou uma condição a partir da qual se poderia considerar que a política das centrais sindicais era responsável por todo este keynesianismo (veja-se As Hahn Ordo II, p. 187 and Jb.f. Nationalök und Statistik, vol. 162, p. 34)

Há portanto, com tudo o resto constante, crescimento se os empresários tiverem apetência por um maior consumo ao longo do ciclo, por exemplo de 5 anos, em que as igualdades acima se verificam Despesa=Produção= Rendimentos. Mas não é uma necessidade do modelo de Lautenbach. Ele escreve-a somente por causa do medo terrível que os alemães tinham de que o aumento da procura pelo aumento dos salários pudesse desencadear uma hiperinflação! Analisa a outra hipótese, a da massa global dos salários e procura-se uma explicação possível para o CRESCIMENTO.

Através da livre formação de salários nada de fundamental é alterado. Mesmo “os rendimentos salariais” não trazem nada de novo, mas apenas parcialmente iriam envolver os assalariados no problema da determinação dos lucros empresariais aqui discutido. A condição de igualdade entre a receita total e a despesa total dentro do período em análise é muitas vezes referida como o ” equilíbrio do ciclo “, (ver p. 203). Também Keynes com o seu famoso “equilíbrio de subemprego” está a considerar um dado “equilíbrio no ciclo”.

(continua)

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[1]   Quanto às dificuldades de tradução remeto o leitor para o texto 1-A. – Deambulações em torno de um texto de Lautenbach publicado nesta série de textos. Clicar em:

CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1A. – DEAMBULAÇÕES EM TORNO DE UM TEXTO DE LAUTENBACH – por JÚLIO MARQUES MOTA

 

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