Da América à Europa, de Trump a Clinton, de Marine Le Pen a Macron, o Deep State em força Texto 13 – A economia francesa está num processo de terceiro-mundização – Causeur entrevista o economista Jean-Luc Gréau

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Texto 13. A economia francesa está num processo de terceiro-mundização – entrevista com o economista Jean-Luc Gréau

Entrevista conduzida por Gil Mihaely, historiador e diretor da revista Causeur, publicada em 10 de março de 2017

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Estaleiro de obra em Mâcon, 2017. SIPA.

O crescimento regressa de forma débil, a economia francesa cria empregos mas a balança comercial permanece deficitária. Para Jean-Luc Gréau este quadro, todo ele em matizes de cinzento e negro, indica que a economia francesa cria empregos de fraco valor acrescentado.

Causeur – Nestes últimos dias, três números macroeconómicos importantes foram oficializados: a economia francesa criou 187.000 empregos em 2016 (o seu melhor desempenho desde o início da crise em 2008), o crescimento no primeiro trimestre de 2017 foi de 0,4% e, por último, a balança comercial francesa para o mês de janeiro de 2017 atingiu quase 8 mil milhões de euros, um recorde. Que lhe dizem estes números quanto ao estado da economia real?

Jean-Luc Gréau – O número favorável da criação de empregos está em desacordo com a taxa de crescimento oficial de 1,1% em 2016. Nisto, a economia francesa oferece uma estranha semelhança com a economia americana que, com um crescimento de 1,6%, criou dois milhões e meio de empregos!

Explicação lógica: tal como os Estados Unidos, nós criamos cada vez mais empregos de fraca produtividade suprimindo ao mesmo tempo empregos de forte produtividade no território nacional. Este paradoxo é confirmado pelo número negativo do nosso comércio externo: os produtos de baixo de gama não se exportam (!) e, em contrapartida, isso custa-nos muito caro em termos de proteção social.

Os números de que dispomos revelam uma terceiro-mundização crescente da nossa economia, subvencionada por reduções de impostos e o CICE [Crédito de Imposto para a Competitividade e o Emprego], e orientada para as baixas remunerações. Esta evolução é a longo prazo insustentável.

Causeur – Todavia, o Banco de França estima o crescimento francês em 0,4 por cento no primeiro trimestre de 2017 e encontra assim um sinal de retoma na atividade do setor industrial, bem como dos serviços e da construção. Não é isso a prova de uma retoma efetiva da economia?

Jean-Luc Gréau – A retoma da atividade decorre principalmente de três fatores. Primeiro fator: a baixa do euro hoje situado um pouco acima de 1 dólar depois de ter tido uma taxa de 1,4 dólar ou mais por euro, durante anos, enquanto a zona do euro estava a passar por uma situação de marasmo. Segundo fator: a importante recuperação cíclica do mercado automóvel na Europa depois de anos particularmente difíceis. Essa recuperação poderia continuar durante 2017. Mas talvez não além disso. Terceiro fator: as entregas de aviões que estabeleceram novos recordes. Mas, novamente, a evolução das encomendas sugere uma estabilização a partir do próximo ano.

Devemos insistir paralelamente na continuidade do processo de deslocalização, ligado ao fenómeno que eu descrevi acima: a saúde recente do grupo PSA mascara o fato de que os veículos de menos de 20.000 euros não são ou já não serão montados em França e os fornecedores de peças e equipamentos vão-se aproximar das linhas de montagem deslocalizadas. Os fabricantes de peças e equipamentos aeroespaciais também relatam que eles sofrem com a deslocalização das fábricas de material aeronáutico, e isto não apenas pela produção, mas também pelos departamentos de estudo e desenvolvimento, para a China e a Índia.

Causeur – Esta “terceiro-mundização” crescente da economia francesa, será que ela explica que, apesar da queda no preço das matérias-primas importadas e da fraqueza do euro, a nossa balança comercial sofra de um enorme défice em janeiro 2017?

Jean-Luc Gréau – De certa forma. O ponto crucial para a nossa economia é a sua falta de competitividade face à Alemanha: cerca de metade do défice vem do nosso comércio bilateral com a Alemanha. O euro atua como uma armadilha. Para se ter um custo do trabalho que seja competitivo para a economia envolvida na concorrência internacional, seria necessário reduzi-lo massivamente até 20%, seja dos salários seja das despesas. O alívio de encargos necessário pode ser estimado em 100 mil milhões de euros. Mas como pagar então a saúde, a família, a velhice?

Note-se ainda que até mesmo os cortes salariais praticados em países como a Espanha e Portugal levaram a recessões violentas. Mas estas políticas oportunistas, aparentemente bem-sucedidas no caso da Espanha, também tiveram o efeito de contrariar a atividade dos seus vizinhos. No entanto, apesar deste sucesso, a Espanha, que agora produz mais carros do que a França e a Itália, sofre no entanto de uma taxa de desemprego próxima de 20%. Ela era de 8% antes do estouro da bolha imobiliária local. O tema de sair o euro mantém-se, obviamente, um tema tabu. Ou se segue em frente ou se morre!

Leia o original em http://www.causeur.fr/l%E2%80%99economie-francaise-se-tiers-mondise-43168.html

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Dia 11 de maio, pelas 18 horas no Grande Auditório do ISCTE-IUL: Conferência sobre como a desigualdade nos Estados Unidos criou Trump. Com a presença de Robert Reich, antigo Secretário de Estado do Trabalho (1993-97) na Administração Clinton. Especialista na área Económica e do Trabalho, Robert Reich é hoje um comentador político com grande reconhecimento nos Estados Unidos, bem como internacionalmente, tendo sido colocado pelo Wall Street Journal em sexto na lista dos “Mais Influentes Pensadores de Negócios”. Nos últimos anos tem-se dedicado ao combate à desigualdade, sendo um defensor do aumento dos salários e das condições laborais como forma de resolver as crises económicas e financeiras.

 

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