François Mitterrand: “A luta de classes não é para mim um objetivo. Procuro que esta deixe de existir!”
Lionel Jospin: “Eu sou um socialista de inspiração, mas o projeto que proponho ao país não é um projeto socialista. É uma síntese do que é necessário hoje. Ou seja, é a modernidade. ”
François Hollande “Vivi cinco anos de poder relativamente absoluto. (…) Eu naturalmente impus ao meu campo que, sem nenhuma sombra de dúvida, só iria aprovar as políticas que eu consideraria serem justas.”
Autópsia de uma morte já anunciada, a do PSF
A farsa acabou. O povo francês, Macron escolheu. Um outro ciclo de tragédia e de farsa já começou.
E agora, a destruição do código do trabalho assalariado – Texto IX
(Régis de Castelnau, in Revista Causeur, 20/06/2017)
O patrão do MEDEF, Pierre Gataz, à sua chegada ao Eliseu para se encontrar com Emmanuel Macron arrive à l’Elysée pour rencontrer Emmanuel Macron, Paris, mai 2017. SIPA. 00807997_000002
A França acaba de viver uma sequência política bastante extraordinária. Uma presidencial à seis voltas, a eleição, com a ajuda de métodos que nos confundem, de um desconhecido fabricado e lançado como um sabonete, a destruição dos dois grandes partidos que estruturavam a vida política desde há quarenta anos e para terminar um Parlamento improvável fruto de uma abstenção eleitoral maciça. 80% dos Franceses em idade de votar estão na expectativa…
Que vai fazer o jovem rei? Temo-nos todos contentado até agora às conjeturas, ainda que os sinais que recebemos são mesmo assim terrivelmente inquietantes. A primeira grande reforma anunciada, é qualificadas por Jean-Luc Mélenchon “de destruição do código de trabalho”, que deveria ser posto em prática por decreto, em Agosto, período evidentemente mais fácil para fazer engolir o purgativo. A inquietação aumenta ao ler-se o que relata Libération sobre a sideias go governo e do Presidente.
A inversão da hierarquia das normas do capitalismo actual.
Não se discutirá aqui da necessária evolução do código do trabalho, tornado em alguns dos seus aspetos, inadaptado, e às vezes instável devido ao papel desempenhado pela jurisprudência que pode tornar a aplicação de certas normas demasiado imprevisíveis. Sendo assim, a destruição programada dos próprios fundamentos do direito do trabalho francês mostra efetivamente o objetivo que se quer alcançar: fazer da baixa das remunerações e do desaparecimento das proteções de que beneficiam os assalariados, as garantias dadas à UE, a prova que a França é decidida a passar convenientemente pelas condições do capitalismo acionista. O que entender por “destruição programada dos fundamentos do direito do trabalho francês”? É o que resultará inelutavelmente da aplicação do que se chama “a inversão da hierarquia das normas”. Esconde-se por detrás desta fórmula escura, um debate teórico de muito grande importância que se refere a todos os domínios do direito e que opõe duas escolas filosóficas a “do jusnaturalismo” e a “do positivismo jurídico”.
Até agora, o direito do trabalho francês tinha a ver com o positivismo jurídico que faz com que o conjunto das regras pode ser organizado num dispositivo hierárquico de forma piramidal. O grande teórico desta organização é o jurista americano de origem austríaca Hans Kelsen. No topo da pirâmide, encontra-se a norma mais elevada, ou seja a Constituição, abaixo, está a lei orgânica, seguidamente a lei comum, em seguida e sempre a descer na pirâmide estão (os decretos e deliberações tomados pelo executivo), as convenções coletivas, hoje chamadas “acordos de ramo”, depois os acordos de empresa, e por último o contrato de trabalho no qual se revela a força normativa do conjunto. O princípio que guia esta construção, e é essencial, é que cada norma inferior deve ser conforme ou compatível com a norma superior. Em direito do trabalho, isto quer dizer que a norma inferior não pode atribuir ao assalariado menos que que prevê a norma superior. Que faz que a norma final, o contrato de trabalho, poderá prever mais e melhor que o acordo de empresa, mais e melhor que o acordo de ramo, mais e melhor que os decretos, que a lei etc.
O outro princípio deste dispositivo de hierarquia das normas, é que em cada uma de entre elas corresponde um nível de elaboração e de adoção. Para a Constituição, é o povo direta ou indiretamente, para a lei é o Parlamento, para os decretos o governo, para os acordos de ramo os parceiros sociais institucionais, para os acordos de empresa idem à nível da empresa, para o contrato de trabalho, é o assalariado e o proprietário.
Querer matar as tradições
Esta organização é a consequência de dois traços específicos à sociedade francesa que procede de tradições culturais enraizadas e seculares. Começar-se-á pelo famoso culto da igualdade, esta que se fica pelos direitos e deveres. O contrato de trabalho não é considerado, a justo título, como um contrato comum passado entre dois sujeitos de direitos iguais, o proprietário e o empregado. O primeiro, o proprietário, procura uma mercadoria, a força de trabalho do segundo, que tem apenas isso para vender. E pois a compra pelo patrão da sua força de trabalho que lhe assegura a sobrevivência. Desequilíbrio de forças que impõem enquadrar a conclusão e a execução do contrato em regras que restabelecem a igualdade das vontades na sua expressão. Se não for assim, trata-se de uma situação que se pode resumir da seguinte forma: o proprietário é livre em face dos empregados livres, é como a raposa à solta no galinheiro à solta .
O segundo traço específico resulta ao mesmo tempo do papel do Estado e das tradições sindicais no nosso país. A França tem uma tradição de Estado forte, ao mesmo tempo instrumento de dominação mas também de representação, que se tem atribuído desde há muito tempo uma função de árbitro na elaboração das normas que enquadram o trabalho. A tradição sindical tem sido desde há muito tempo a da luta das classes. Afirmando ao mesmo tempo a sua independência no que diz respeito à ação política, as grandes organizações sempre mantiveram relações estreitas com a coisa política. E de resto é bastante significativo constatar que as forças sindicais francesas têm uma influência no que diz respeito às cimeiras do Estado sem comum medida com os níveis de adesão que poderiam reivindicar . Os compromissos elaboram-se pouco à nível da empresa, mas antes através de grandes negociações que reúnem os três ângulos desta figura geométrica específica
Isto tanto vale para as negociações históricas de 1936, ou de maio de 68, os grandes progressos sindicais no Parlamento, até aos acordos de ramo à quem o Estado dá força executória por deliberação. É a estes níveis que se vão jogar as relações de força. E é assim que introduzindo o essencial das medidas de proteção do assalariado nas normas superiores, se protege o trabalhador de ver reduzido o perímetro do contrato de trabalho suscetível de ser negociado. E a isto se acrescenta o princípio “dos direitos adquiridos” que implicam que não se pode rever à baixa os direitos atribuídos ao assalariado sem o seu acordo. É sobre esta tradição que vem de muito longe no tempo que os modos de funcionamento, que são certamente aperfeiçoáveis mas que desempenharam um papel positivo para a condição operária, que os socialistas franceses quiseram retornar antes que Emmanuel Macron decida deitá-los completamente abaixo.
A raposa à solta no galinheiro
Teria sido completamente possível, pela negociação ou por medidas legislativas ou regulamentares alterar o conteúdo normativo da pirâmide que o merecia. A via escolhida é a de fazer do acordo de empresa a norma principal, as regras legislativas e regulamentares satisfar-se-ão do mínimo como o salário do mesmo nome, mais alguns detalhes. O essencial passar-se-á na empresa onde, como cada um sabe, a relação de força em prol dos assalariados é muito mais difícil de construir que ao nível nacional. Remunerações, tempos de trabalho, estatutos, evolução das carreiras, disciplina etc., tudo o que faz o essencial da relação de trabalho será decidido a nível da empresa. Cada um sabe que a taxa de sindicalização na base é fraca, e como no caso de malogro das negociações, o proprietário poderá apresentar a referendo o acordo recusado pelos sindicatos da empresa, se os houver, imagina-se a força da alavanca da chantagem ao emprego e as outras pressões. Para fazer boa medida anunciam-nos que os contratos de trabalho poderão ser revistos à baixa se o acordo de empresa passado nestas condições o permitir. Um trabalhador. Recebia 2500 € por mês pelo posto que ocupava, se o acordo de empresa adotado por referendo previr 1500 para esse posto, o salário pode ser reduzido para este montante de um dia para outro. Não se retornará no detalhe de que nos espera-nos mas pode-se para já ler aqui alguns exemplos.
Compreende-se, que a CFDT, mais presente nas PME do sector privado, e armada da sua cultura de colaboração se congratule com esta agressão. Ela terá então a sua conta sobre o plano sindical, e poderá assim ajudar a colocar em prática o sistema de que a UE e Merkel exigem que passe aq ser aplicado e que tem já o seu acordo.
Emmanuel Macron tinha intitulado o seu livro programa “Revolução”. É bem disso que se trata , de uma revolução jurídica para um regresso não às condições de trabalho do século XIX mas as práticas que aí se aplicavam. A raposa está de regresso no galinheiro e parece que tem muita fome.
O décimo texto desta série será publicado, amanhã, 03/09/2017, 22h