A ALEMANHA, O SEU PAPEL NOS DESEQUILÍBRIOS DA ECONOMIA REAL. O OUTRO LADO DA CRISE DE QUE NÃO SE FALA. UMA ANÁLISE ASSENTE NA DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO [1] – Uma coleção de artigos de Onubre Einz. IX – A desigualdade de rendimentos, a sub-acumulação do capital e a crise atual dos capitalismos históricos (parte 1).

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

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IX – A desigualdade de rendimentos, a sub-acumulação do capital e a crise atual dos capitalismos históricos (parte 1), por Onubre Einz

 

Publicado por Criseusa.blog.lemonde.fr., 4 de Julho de 2013

Reedição revista do artigo publicado em A Viagem dos Argonautas em 24 de abril de 2015 (https://aviagemdosargonautas.net/2015/04/24/a-alemanha-o-seu-papel-nos-desequilibrios-da-economia-real-o-outro-lado-da-crise-de-que-nao-se-fala-uma-analise-assente-na-divisao-internacional-do-trabalho1-ix-a-desigualdad/)

Façamos um texto relativamente elementar. Demonstrámos a tese segundo a qual a queda da taxa de investimento nos EUA resultava de uma divisão muito desigual na repartição do rendimento, onde os dois decis de topo (10-20%) se apropriavam de uma grande parte da riqueza e do património criado; apropriação esta com forte incidência negativa sobre os investimentos e os rendimentos das outras famílias. Falámos de uma queda da taxa de acumulação diretamente ligada ao peso crescente dos 10% das famílias de topo (top ten).

Para explicar a queda das taxas nacionais de acumulação de capital produtivo nos capitalismos históricos, retomámos esta tese, limitando-a às interações entre aumento do rendimento e queda na taxa de investimento produtivo.

Queremos então tentar verificar se esta tese americana pode ser aplicada às taxas de acumulação produtiva fazendo referência à posição tomada pelo rendimento das famílias dos 10% de topo. Selecionámos os países com desenvolvimentos que datam já desde antes da primeira guerra mundial; a longa crise que eles estão agora a passar é explicada, a nosso ver, por stock de capital fixo produtivo demasiado fraco e por taxas de investimento insuficientes.

Utilizámos dois indicadores para analisar esta questão: a taxa de acumulação produtiva medindo o investimento produtivo em geral (edifícios e equipamento no caso do Japão e os EUA) ou uma fração dele (equipamento) no caso de países europeus. Uma vez que os dados utilizados para medir o investimento são heterogéneos, então serão as evoluções das curvas que vamos comentar uma a uma. Procederemos a uma análise dos dados por país (A) antes de expor algumas reflexões sobre o bloqueamento geral das economias desenvolvidas que se afundam numa crise que parece sem saída rápida (B).

Verificaremos, portanto, a validade da extrapolação da leitura da crise americana para outros países desenvolvidos; de passagem especificaremos o papel das gentes ricas e abastadas (os 10% das famílias com rendimentos mais elevados), das populações privilegiadas (as famílias dos 1% de topo) e a oligarquia ou hiper-burguesia (Top 0,1% ou 1/1000). Esta extrapolação explica-nos a crise atual por uma sub-acumulação crónica de capital nas economias desenvolvidas, uma sub-acumulação que, com o estabelecimento de uma nova divisão internacional do trabalho, nos trouxe à depressão atual, que é assim o produto de uma desestruturação profunda e antiga.

Antes de começar, lembramos um princípio de base desta análise: quanto mais a percentagem de rendimento no PIB aumenta, mais o investimento baixa. E quanto mais o investimento baixa, mais o rendimento e a sua repartição aponta o dedo para todos aqueles que beneficiaram destas descidas.

A Análise dos dados com a progressão dos rendimentos dos 10% das famílias de topo

1° – Os países emblemáticos da tese avançada.

A revolução neoliberal começou na Grã-Bretanha, com a chegada ao poder de Margaret Thatcher, é por este país que iremos começar.

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A correlação entre o crescimento do rendimento dos mais ricos e a queda da taxa de acumulação produtiva é exemplar, ela coincide com a chegada de Margaret Thatcher ao poder em 1978. Depois de 1979, a parte do rendimento dos 10% das famílias de maiores rendimentos não pára de crescer, os mais ricos ganham mais de 14 pontos na repartição do rendimento entre 1978 e 2007.

A taxa de investimento à baixa permitiu em parte este aumento da parte dos rendimentos auferidos pelo conjunto dos 10% das famílias de topo. Além disso, deve notar-se que a recuperação do investimento depois da crise de 2007-2008 foi acompanhada por uma queda mecânica da parte dos 10% das famílias de topo no rendimento e desde essa data.

A descida do investimento pode ser explicada antes de 1979 pela crise da década de 1970. Mas após essa data, explica-se tendencialmente pela ganância e pela sede de riqueza dos 10% dos britânicos ricos e abastados.

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O caso americano é o segundo exemplo dos efeitos sobre o longo prazo da concentração dos rendimentos nas mãos dos 10% das famílias com rendimentos mais altos. Com exceção dos anos Clinton, há uma clara correlação entre o aumento da parte dos rendimentos dos americanos e a queda tendencial da taxa de investimento. Antes de 1980, a estabilidade por parte das famílias deste conjunto (o dos 10% de topo) na distribuição de rendimentos permite um aumento do investimento que se faz à custa da parte que representa o rendimento na riqueza nacional. Depois desta data, a relação inverte-se, de 32% da parte do rendimento (1980), as famílias dos 10% de topo passam a dispor de 46,5 % em 2011. A taxa de acumulação cai fortemente entre 1980 e a primeira década do século XXI. Situada entre 14,5 e 15% na viragem da década de 1980, a taxa de acumulação produtiva cai para 11% (aproximadamente) nas vésperas da crise (2007) e resta inferior a 10% em 2011.

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A Itália ainda constituiria um exemplo impressionante da evolução entre a concentração da riqueza nas mãos do conjunto dos 10% das famílias de rendimentos mais altos e a queda da taxa de acumulação produtiva. A data da ruptura da tendência coincide aproximadamente com a da revolução liberal na Grã-Bretanha, no final da década de 1970. A queda tendencial do investimento vai a par com um aumento significativo da parte do rendimento das famílias do último decil (o dos !0% de topo) na repartição do rendimento (+ 8% entre 1984 e 2007). Antes da década de 1980, é interessante notar que a queda da parte do rendimento das famílias deste decil foi acompanhada de um nível elevado e crescente de acumulação. Durante este período, foram os rendimentos elevados os que mais suportaram o investimento, mais do que o resto dos italianos.

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O Japão é um outro exemplo recente de correlação entre as taxas de acumulação produtivas e a parte dos rendimentos do conjunto dos 10% das famílias de rendimentos mais elevados.

Antes de 1990, não existia nenhuma correlação clara entre a parte do rendimento dos mais ricos e a taxa de acumulação de capital produtivo. Crescendo muito fracamente (30,7% em 1960 e 33,7 em 1990), a parte do rendimento das famílias dos 10% dos rendimentos de topo não teve nenhuma influência sobre a taxa de acumulação produtiva que permanece ligada às incertezas económicas e à longa crise da década de 1970.

Pelo contrário, tudo muda na década de 1990. A parte do rendimento das famílias do conjunto do último decil descola (+ 7 a 8 pontos) desde o início da década de 1990. E encontramos, neste período, uma correlação exemplar entre a queda da taxa de acumulação e o aumento da parte do rendimento das famílias do conjunto dos 10% de topo que, com essa queda, capturaram uma parcela crescente do rendimento gerado.

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Em relação à França, a tese que aqui apresentamos só é válida desde a década de 1990. Antes da década de 1980, a queda da taxa de investimento não beneficiava os rendimentos das famílias ricas e muito ricas devido a uma queda dos próprios rendimentos–gerada pela queda da taxa de investimento – beneficiava, isso sim, os restantes 90% da população.

Desde a década de 1980, uma forte correção de tendência passou a ocorrer: a ascensão muito forte da parte dos rendimentos das famílias do último decil, o dos rendimentos de topo, entre 1981 e 1991, é acompanhada de um rápido aumento da taxa de acumulação produtiva que foi financiada por um declínio da parte do rendimento dos outros 90% da população.

Mas é especialmente a partir da década de 1990 que a correlação entre o aumento da parte dos rendimentos das famílias dos 10% de rendimentos de topo e a queda da taxa de investimento produtivo se passou a verificar. A partir da década de 1990, a tímida retoma da parte dos rendimentos das famílias do último decil, afetada pela crise de 1991, afirma-se cada vez mais, especialmente depois de 1996. A partir desta data, a taxa de acumulação produtiva permanece em níveis muito baixos (em torno de 0,5 e de 0,6 ou seja 5 a 6%), com apenas três anos a serem excepção.

O caso da França é original porque ele revela uma formação excessiva de rendimento, pesando sobre o investimento ao mesmo tempo que o aumento de peso dos rendimentos superiores nesta partilha, pesos estes a arrastarem uma queda na acumulação produtiva sensível após o pico de 1990.

(continua)

Onubre Einz, Inégalité de revenus, sous-accumulation du capital et crise actuelle des capitalismes historiques, texto original em  http://criseusa.blog.lemonde.fr/2013/07/04/inegalite-de-revenus-sous-accumulation-du-capital-et-crise-actuelle-des-capitalismes-historiques/

[1] O título dado à coleção é da responsabilidade do tradutor.

 

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