Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

Porque é que as redes sociais estão a dar cabo da Democracia
Três lições acerca do último fiasco de Facebook
Why Social Media is Blowing Up Democracy – Three Lessons From Facebook’s Latest Debacle, por Umair Haque
Eudaimonia, 19 de Março de 2018
Vou ser breve e amargodoce.
Quando os anúncios não valerem nada, uma plataforma venderá seja o que for, venderá tudo – incluindo a si, a mim, incluindo a democracia. Qual é o verdadeiro problema com o Facebook? Twitter? Etc Os anúncios digitais são sempre deflacionários – eles têm cada vez menos valor, ano após ano, porque ninguém quer clicar neles. Agora, isso significa que as plataformas precisam recorrer a técnicas cada vez mais intrusivas (aqueles anúncios irritantes que o acompanham pela web, pop-ins, etc.) – e isso também significa que eles têm que coletar sempre cada vez mais dados sobre cada um de nós para tentar exibir anúncios nos quais se queira clicar (é o que é a “microssegmentação”). Mas quanto menos estivermos dispostos para aceitar anúncios simples e gentis – então mais chocantes, tóxicas e rancorosas serão as mensagens, e mais cuidadosamente adaptadas elas serão para incitar e provocar cada um de nós. Porque é que o YouTube literalmente recomenda vídeos horríveis de assassinatos para as crianças verem? Para provocá-los, finalmente, para os levar a ver anúncios. A questão, claro, é como qualquer ser humano sadio conseguirá sentir-se bem com este tipo de práticas dos media.
Mas o problema aqui é que ninguém está interessado em anúncios. É uma corrida para o fundo, para o abismo – eles coletam mais dados para tentar descobrir que anúncios podemos querer, mas nós não queremos anúncios, então eles vão apenas colecionar mais e mais dados, até o seu DNA, enquanto utilizam essa informação para criar mensagens cada vez mais provocatórias e horríveis para no-las atirar para a frente. Veja o ciclo vicioso no trabalho? Agora, o Facebook manteve esse jogo escondido durante cerca de meia década, porque os grandes anunciantes ainda não entenderam tudo isso – mas estão a começar a fazê-lo agora – porque agora está a ficar óbvio demais. A Unilever entendeu tudo isso, está a começar a retirar anúncios.
Tudo isto é um gigantesco conflito de interesses. As pessoas não querem anúncios (apesar de poderem responder com fúria e indignação à propaganda que os incita, atitudes que são da mesma moeda). As plataformas precisam de vender anúncios (mas as pessoas só reagem fortemente ao discurso de ódio). Portanto, à medida que o seu valor declina, mais e mais dados devem ser sempre coletados, invisíveis, coletados sem ética e de forma intrusiva para extrair alguns poucos centavos de anúncios, para adaptar itens mais chocantes de modo a manter-nos sempre incentivados e indignados e assim manter tudo a funcionar. Todas as informações coletadas sobre as pessoas se transformam em propaganda, em incitação ao ódio, à violência digital – quando as pessoas não se interessam por anúncios simples e esquecíveis, então as plataformas têm de recorrer a vender o que chama a atenção: mensagens explosivas, odiosas, incitadoras e tóxicas
A violência digital é o preço de uma Internet “livre”
Agora, isso vale para todo o ecossistema também. Porque é que o Facebook tem regras tão frouxas em que partilha dados de milhões de pessoas com desenvolvedores de aplicações ? Como é que os criadores de aplicações estão a fazer o mesmo jogo – a criarem os seus dados para vender anúncios para que eles possam ganhar dinheiro, somente ninguém quer os anúncios, por isso a partilha de informações fica cada vez mais intrusiva, antiética e invisível.
Qual é a resposta para este jogo? Simples. Se cada um de nós valoriza a Internet, pague por isso. Por exemplo, aqui no blog onde escrevo (Medium) não se corre o risco de fazer implodir a democracia. O site Medium não está a trabalhar sobre os nossos dados porque não há aqui nenhum incentivo para isso. Todos os incentivos estão alinhados aqui – por exemplo, eu escrevo, o leitor aplaude quando está bom e toda a gente fica feliz. Isso está muito longe de coletar informações que as pessoas provavelmente não querem partilhar para se fabricarem anúncios visando especificamente cada um dos utilizadores que eles não vêem.
A Internet gratuita é coisa que verdadeiramente não existe. Avaliemos então alguns dos custos do Facebook. Isso torna-nos mais solitários, infelizes, mais maldosos, mais burros. E mais viciados, também. Esses são custos humanos. Mas agora está também claro que existem custos sociais tremendos. Os “anúncios”, quando significam o que acabamos de dizer, têm custos para a democracia, em termos de confiança e de coesão e, finalmente, em termos do contrato social. Uma sociedade de pessoas solitárias, mal-intencionadas e burras não vai continuar a funcionar em condições durante muito mais tempo, não é verdade ?
Estamos acostumados a pensar que todas as coisas aparentemente gratuitas na Internet são verdadeiramente gratuitas. Mas isso não é verdade. O que nos é apresentado como “livre”, como custo zero, tem enormes externalidades negativas – custos ocultos: humanos, sociais e políticos. Isto não é tão simples como “se isto é livre, ou seja, gratuito, então cada um de nós é o produto”. Eu diria: se isto é livre, procure o que é que está a ser varrido para debaixo do tapete. Se nós valorizamos a Internet, teremos que pensar com muito mais cuidado sobre o que é que o termo “livre” realmente significa – porque quando “livre” significa “assaltar a democracia”, pode tornar-se inatingível. Facebook ganha alguns milhares de milhões em lucros – mas será que isto vale realmente a democracia, o bem-estar, a confiança e a liberdade? Estes atributos são a economia dos media, o que aqui expomos nos termos mais autênticos.
O tecnocapitalismo está a criar as workhouses do futuro. Estamos a pensar hoje: talvez o Facebook deva ser encerrado. Mas deve haver redes sociais? Quais são os seus benefícios? Depois de realmente examinarmos o que é a economia dos media ? Tanto quanto podemos ver, eles não nos beneficiam – como pessoas, como sociedades, como democracias – de toda e qualquer maneira. Agora, o leitor pode pensar que isto é estar a defender uma posição muito dura. Ainda assim, é algo para se pensar. Porque se eu estiver certo, essa onda de tecnologia social pode ser algo equivalente às prisões dos devedores, ou seja, às s prisões para as pessoas que não possam pagar as suas dívidas.
Lembram-se das prisões dos devedores? Das workhouses? Do trabalho infantil? Nós não permitimos mais essas práticas. Nós? Oh, espere –os seus filhos, que estão ocupados no YouTube e no Facebook, estão de facto a fazer o trabalho gratuito que mantém a máquina de pé. Eles estão numa espécie de dívida de reputação uns com os outros, sempre – em competição por likes, fãs, seguidores e assim por diante. Então, fizemos menos progressos do que pensamos. A tecnologia está-nos a cegar quanto a verdades económicas óbvias.
Nós – como a sociedade – já não permitimos o equivalente das workhouses nem a prisão dos devedores, não é assim? Então, porque é que permitimos os seus equivalentes digitais? Porque é que proibimos as primeiras, as worhouses e as prisões para devedores? Bem, porque os custos sociais e humanos superam acentuadamente os ganhos evanescentes – isto é outra maneira de dizer que eles são ofensivos à dignidade humana e à justiça.
A prisão de devedores corrói os incentivos de toda uma sociedade, fazendo da predação dos mais vulneráveis um comportamento sistémico. Espere – não será exatamente isso que o Facebook faz também – lembre-se dos seus filhos, aumentando os seus lucros, enquanto com isso nos rouba a democracia? De uma maneira diferente, talvez. Então, talvez até mesmo “quebrá-los” seja errar o alvo. Tenho certeza que me podem dizer: “mas tenho amigos no Facebook!” Não, o leitor tem amigos. Sobre o Facebook. Existe uma diferença.
Quando as coisas não nos beneficiam de maneira nenhuma, a questão é: deve uma sociedade funcional desperdiçar o seu tempo, a sua energia e o seu empenho nelas? A economia das redes sociais é um dos fracassos mais espetaculares da história moderna. Pode ser exatamente ser o caso de que corrigi-los se venha a tornar uma tarefa impossível.
Why Social Media is Blowing Up Democracy- Three Lessons From Facebook’s Latest Debacle
Fonte: https://eand.co/three-things-to-learn-from-facebooks-latest-debacle-df6af136282a
As Constituições ditas democráticas estão velhas de séculos. Verdadeiramente, desde a Magna Carta, que estão ao serviço duma classe dominante. Dessa matéria ninguém fala pois, lá no fundo, é o modelo que mais convém. O povo é quem mais ordena -suma hipocrisia – pois resta-lhe dar um voto de quatro em quatro anos. Já era tempo das Constituições garantirem às Populações a existência de instituições em que, constantemente, as suas vozes ganhassem a projeção bastante para impedirem a ditadura da partidocracia, afinal, o instrumento de proteção da venalidade.CLV