SOBRE A EUROPA, SOBRE PORTUGAL E TALVEZ TAMBÉM SOBRE O SPORTING – 4. A recessão da zona do euro e a falta de reforma pressagia uma crise existencial. Por Wolfgang Münchau

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

4. A recessão da zona do euro e a falta de reforma pressagia uma crise existencial

Por Wolfgang Münchau wolfgang-munchau

Publicado por FTimes em 22 de abril de 2018

Uma desaceleração misturada com uma união monetária pouco disposta à retoma económica seria um risco para a economia global

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Declínio intrigante: a produção industrial alemã tem sido fraca desde dezembro e as vendas de automóveis na Europa caíram 5% em março. © Bloomberg

Ao longo da semana passada, ficámos a saber duas coisas novas sobre a zona do euro. A Alemanha fechou as portas para se efetuar uma reforma séria. A reunião de Angela Merkel e Emmanuel Macron em Berlim expôs profundas diferenças sobre a visão dos dirigentes alemão e francês quanto ao futuro.

O que também transpareceu mais claramente é que houve um declínio repentino na atividade económica da zona do euro. Este último é intrigante. Pode ser um acaso, mas vários indicadores recentes surpreenderam-me pelo lado negativo.

A produção industrial alemã tem estado fraca desde Dezembro. Mas deu um verdadeiro mergulho em fevereiro, quando caiu 1,6% em relação a janeiro. A Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis informou que as vendas de automóveis caíram 5,3% em março. Um dos indicadores mais fiáveis é o indicador do ciclo de negócios do IMK, o instituto económico alemão. Agora regista uma probabilidade de recessão de um terço, quando esta era de quase zero um mês antes.

Agora junte essas duas notícias. Sabemos com certeza absoluta que a Alemanha não concordará com um orçamento central da zona do euro para enfrentar choques macroeconómicos. Não haverá um único ativo seguro. Não haverá seguro de depósito em comum. O grande projeto de uma união bancária europeia permanecerá para sempre incompleto.

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Emmanuel Macron e Angela Merkel farão visitas oficiais em separado a Washington esta semana. © Bloomberg

Em seguida, adicione algo realmente perigoso – uma recessão – às duas notícias de acima. Não tenho ideia se a próxima crise terá origem nos mercados de títulos soberanos, no setor bancário ou em outro lugar. Mas a combinação de uma economia que está em desaceleração e possivelmente em contração e de uma união monetária pouco disposta a desencadear a sua própria retoma constitui um dos maiores riscos para a economia global no momento.

Podemos nós ter certeza sobre a recessão económica? Não, nós não podemos.

Os indicadores de confiança podem ser temporariamente afetados por temores de uma guerra comercial. Se o presidente Donald Trump, dos EUA, tomar a China como o seu principal alvo em termos de sanções comerciais, esses temores podem desaparecer em breve.

Se não, então sim, a zona euro seria particularmente vulnerável por causa de seu grande excedente na balança corrente.

Existem também fatores sazonais a serem considerados. O inverno foi duro na Europa – quer o Norte quer a Sul. Isso poderia ter influenciado a produção industrial e o sentimento dos investidores. A combinação de um verão quente e de um presidente dos EUA distraído pode, de alguma forma, resolver o problema. Mas há outras razões para suspeitar que algo possa estar a acontecer.

A primeira foi a apreciação do euro. A taxa de câmbio nominal diária ponderada pelo comércio nominal do euro, [ou seja a taxa de câmbio efetiva ou multilateral nominal], aumentou quase 7% em relação ao ano passado. Para uma economia com um grau extremo de dependência de exportações, isso é um grande movimento. A maior parte desta variação ocorreu no ano passado, mas seria normal que o impacto económico se tornasse notável com um certo atraso.

Em segundo lugar, a crise financeira pode ter reduzido permanentemente o PIB potencial da zona euro. As fortes taxas de crescimento relatadas durante 2016 e 2017 poderiam ter sido um episódio – um alívio temporário após anos de austeridade. O que agora se disfarça de recessão pode, com o tempo, revelar-se como um retorno a uma situação de normalidade deprimida.

A Itália não registou quase nenhum crescimento de produtividade desde que se tornou membro fundador da zona do euro em 1999. Ainda assim, 2017 foi um ano relativamente bom para a economia. É importante saber se um país com uma relação dívida / PIB de 132% pode gerir taxas médias de crescimento real de menos de 1% ou 2%. Essa diferença significa a diferença entre solvência e insolvência.

A Itália é o melhor exemplo de porque é que as reformas da zona do euro são existenciais. A UE não possui instrumentos para lidar com uma crise da dívida soberana italiana. A Itália é grande demais para falir e grande demais para se resgatar. O Mecanismo Europeu de Estabilidade, o guarda-chuva de resgate, é pequeno demais para lidar com esta situação. Não tenho dúvidas de que o próprio euro sobreviverá de uma forma ou de outra, mas sem reformas os riscos de uma fratura aumentam fortemente.

Nem mesmo a agenda de reformas do presidente Macron resolve esse problema. Mas ao menos abriria as portas para a infraestrutura necessária para fazer o trabalho pesado numa situação de crise – um ativo único e seguro assim como uma rede de segurança para o setor financeiro. A posição alemã tem sido a de rejeitar essas ideias desde o início.

Depois de ter acompanhando durante anos o debate na zona euro, cheguei à conclusão de que a Alemanha não concordará com as reformas, a menos que seja confrontada com uma escolha de “pegar ou largar”. Uma rutura na zona euro seria um desastre para a Alemanha. Isso destruiria o modelo de negócios assente na dinâmica das exportações do país e reduziria o seu enorme volume de ativos externos.

Mas por detrás da recusa em aceitar as reformas institucionais está a suposição prevalecente de que um tal desafio nunca aconteceria. Essa suposição está correta. Por agora.

 

Wolfgang Münchau, Eurozone downturn and lack of reform presage existential crisis. Texto disponível em: https://www.ft.com/content/612d9972-4482-11e8-93cf-67ac3a6482fd

 

Wolfgang Münchau: editor associado do Financial Times desde 2003, tendo sido anteriormente editor do FT Alemanha. É licenciado em Matemática pela Universidade de Hagen e estudou administração de empresas e jornalismo. É autor de vários livros, nomeadamente The Meltdown Years: The Unfolding of the Global Economic Crisis (2009).

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