Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Espiral do vazio no leste da Alemanha. Por Rachel Knaebel

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Espiral do vazio no leste da Alemanha

rachel knaebel Por Rachel Knaebel

Publicado por le monde diplomatique em junho de 2018 (pags. 16-17)

Polo de atração e principal destino dos imigrantes na Europa, a Alemanha sofre uma desertificação em certas regiões. Desde a reunificação, a região de Mecklembourg-Pomerânia-Ocidental viu a sua população desaparecer e aumentar a idade média em 15 anos.

Há muito tempo, Anklam, no extremo nordeste da Alemanha deveu a sua notoriedade  à sua cena neonazi (1). Mas a cidade sofre também de outro mal, menos visível: o vazio. Em 1990, tinha 19.000 habitantes; hoje tem menos um terço, e em 2020 segundo as previsões deverá ter somente 10.000. Entre 2000 e 2012, a faixa dos 15-25 anos caiu para metade, enquanto que as pessoas de mais de 65 anos aumentou 20 %.

Apesar disso, as ruas pavimentadas, a praça do mercado, as casas típicas do Norte parecem como novas. «Muito foi feito a nível do urbanismo para tornar a cidade atrativa», confirma a sra. Jeannine Rösler andando no centro. « Mas tudo isso não é senão uma fachada: por detrás falta a vida», diz esta deputada do Die Linke no parlamento de Mecklembourg-Pomerânia-Ocidental, eleita para a Assembleia do cantão de que depende Anklam. «É a mesma coisa nas cidades vizinhas de Demmin et de Pasewalk. E por todo o lado na região.»

A situação de Anklam reflete a situação de todo o estado federado encastrado entre Lübeck, o mar Báltico e a fronteira polaca. Entre 1990 e 2015, a população diminuiu 16 %, enquanto que a Baviera, no sudeste, viu a sua população crescer 13 %. É hoje a região menos densamente povoada do país, com uma média de apenas 69 habitantes por quilómetro quadrado, por comparação com 233 para o conjunto do país. Desde a queda do muro de Berlin, em 1989, as regiões da ex-República democrática alemã (RDA) perderam perto de três milhões de habitantes, devido à migração para o Ocidente e à queda da natalidade. «Os jovens, e as jovens sobretudo, partiram e foram ter os seus filhos noutros lugares», diz com desolação a sra. Ulrike Dörnbrack, empregada na secção local União cristã-democrata (CDU, conservadora) na cidade de Neubrandenburg. Resultado, «a idade média aumentou quinze anos desde 1990: passou de 34 para 49 anos, diz Thomas Reimann, diretor de desenvolvimento do território no ministério regional de agricultura. Éramos o estado federado mais jovem em 1989; hoje somos o mais idoso».

«Fechar jardins de infância, fechar escolas, fechar serviços da administração…»

Esta transformação demográfica complica a vida dos que restam. «Deixámos de ter creche desde há anos, não falando já de uma escola, enumera Holger Klukas, prefeito desde há doze anos de Gallin-Kuppentin, a sessenta quilómetros de Schwerin, a capital do estado federado. Também não têm a possibilidade de fazerem os seus cursos aqui. Não há nada. De tempos a tempos, passa o barbeiro. É tudo.» A comuna já só tem 437 administrados, contra 600 há uma dezena de anos, diz o prefeito, que sobrevive, ele próprio, com o rendimento mínimo Hartz IV. «Estes últimos anos, a política comunal na região resume-se essencialmente a gerir o decrescimento: fechar jardins de infância, fechar escolas, fechar serviços… era necessário desconstruir tudo», conta Tilo Lorenz, chefe do grupo CDU na Assembleia do planalto dos lagos de Mecklembourg. As distâncias alongam-se: para o agricultor que solicita uma permissão de construção, o maltrapilho que apresenta uma reclamação, o eleito que visita os seus administrados, cada trajeto leva mais tempo.

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Evoluções regionais contrastadas. Cécile Marin, visão geral.

 

Uma das causas dessa distorção da relação entre população e administração é a reforma territorial de 2011, que redesenhou o mapa das comarcas da região, esses cantões ou distritos rurais que assumem competências essenciais como assistência social, ajuda social à infância, manutenção de certo número estradas, gestão de resíduos, serviços de emergência … Sob o pretexto de adaptar as estruturas administrativas às mudanças demográficas – e especialmente para poupar dinheiro – a fusão dos cantões deu origem a espaços gigantescos. “Somos hoje o maior cantão do país, até maior que o Sarre“, diz Lorenz.

Quatro anos mais tarde, o estado federado reagrupou também os tribunais administrativos. deixando de ser o centro administrativo do cantão, a cidade de Anklam perdeu os empregos administrativos que acompanhavam esse estatuto, mas também o seu tribunal, sem mencionar o liceu profissional, que fechou e deixou vazio um grande prédio em betão perto do centro. « A saída dessas estruturas é sentida diretamente no poder de compra, lamenta a Sra. Rösler. Com a reforma, os eleitos dos conselhos cantonais também se afastaram das pessoas. As distâncias a percorrer tornaram-se de tal modo importantes que já não sabemos quais são os problemas do outro lado do cantão.»

Os habitantes do leste do país continuam a ganhar 25% menos que os do oeste

“Hoje, sinceramente, qual o vereador cantonal que ainda conhece as aldeias?” pergunta o Sr. Hartmut Kühn, aposentado de Anklam. Neste dia de abril, o anexo administrativo que sobreviveu na pequena cidade, mas que também poderá fechar em breve, inaugura a exposição de um designer local. Há empregados, alguns adolescentes, pessoas idosas … e Dietger Wille, eleito conservador e encarregado das finanças do cantão: “Com a reforma territorial, os tempos de decisão das administrações tornaram-se muito maiores. Acho que precisamos adaptar as estruturas administrativas ao número de habitantes, mas a resposta não é a correta. O problema real é o financiamento dos municípios.» E é um homem de direita quem diz isso …

O governo regional bem tentou ir além do simples reordenamento administrativo, por exemplo oferecendo uma bolsa de 300 euros por mês a estudantes de medicina que se comprometessem a instalar-se nas zonas mais atingidas pela desertificação médica. Lançou também um programa de redinamização das aldeias, bem como uma campanha para atrair professores jovens…«Gotas de água no mar!, corta a sra. Rösler. O verdadeiro obstáculo aqui, é o nível dos rendimentos. São demasiado baixos.» Mais de um quarto de século depois da reunificação, os habitantes das regiões orientais ganham cerca de 25 % menos que os seus concidadãos do ocidente. E, nas zonas mais a leste do estado federado, perto da fronteira polaca, o desemprego ultrapassa os 10% (contra 8,8% no conjunto da região e menos de 5,5% no país) (2).

Em 2016, nas eleições regionais, o partido de extrema-direita Alternative for Germany (AfD) conquistou 20% dos votos no estado federal. A sua pontuação subiu para 26%, 27% e até 32% nas circunscrições mais orientais. O Partido Nacional Democrático da Alemanha (NDP), o partido neonazi, também teve 3% dos sufrágios a nível do estado federado e até 8% numa das circunscrições eleitorais orientais (3). Uma reação à imigração? Isso é pouco provável: menos de 6.000 requerentes de asilo estabeleceram-se em 2016 em Mecklenburg-Pomerânia Ocidental; a região do estado tem 4% de habitantes estrangeiros, contra mais de 11% a nível federal (4). Dois meses após o escrutínio, as autoridades do Land criaram uma secretaria de estado específica para a Pomerânia. A secretária de Estado tem um fundo para subsidiar projetos, mas de apenas 3 milhões de euros.

“Os fatores que explicam o nível de votação na AFD na região são obviamente muitos. Mas a reforma territorial 2011, é frequentemente citada “, disse Felix Rosel, economista na filial de Dresden do Instituto de Análise Económica (CES-IFO) e autor de um estudo sobre os efeitos políticos da reorganização administrativa em Mecklenburg-Pomerânia Ocidental. “Nas comunas que estão nos municípios mais amplos criados pela fusão, em 2011, a AFD recebe pontuações mais fortes do que noutros lugares. As economias geradas pela reforma são mínimas, pois as distâncias mais longas custam dinheiro. O único ponto em que realmente se economiza é o pessoal. Mas é graças a ele que a relação é mantida com os cidadãos, que se queixam de já não conhecerem os seus representantes”. O alongamento do mapa e o afastamento dos serviços públicos aumentam o descrédito da política, já acusada de estar cortada da população. “Com a reforma de 2011, as pessoas disseram:” Nós não valemos o suficiente para ter serviços públicos no nosso território “, explica a sra. Roesler. E os muitos habitantes que se empenharam contra esta reforma foram simplesmente ignorados.

Lars Tschirschwitz, chefe de uma filial do centro regional de cultura política, está a trabalhar na organização de um debate com os candidatos para a eleição cantonal, que ocorrerá algumas semanas mais tarde. A AfD estará presente. Mas o trintanário está otimista. “A dado momento, quase dissemos que brevemente se desligaria a luz aqui. É exagerado. O turismo desenvolve-se. Pessoas das grandes cidades, de Berlim [distância de 180 quilómetros] vêm estabelecer-se na área. É um desenvolvimento que a política não viu nem planeou ”, comenta este geógrafo de formação. De facto, a população do Land estabilizou nos últimos anos, tomando a direção oposta das previsões mais pessimistas. “Na minha cidade, perdemos uma média de 100 pessoas por ano“, diz Michael Sack, prefeito de Loitz, uma comuna de 4.300 habitantes. A tendência mudou no ano passado: ganhámos 8! Pode não parecer muito, mas para nós já é alguma coisa.

Texto em https://www.monde-diplomatique.fr/2018/06/KNAEBEL/58725#tout-en-haut

Notas

(1) Hubertus Buchstein et Gudrun Heinrich, Rechtsextremismus in Ostdeutschland. Demokratie und Rechtsextremismus im ländlichen Raum, Wochenschau Wissenschaft, Francfort, 2014.

(2) « Jahresbericht zum Stand der Deutschen Einheit 2016 » (PDF), ministério federal de economia, Berlim, 2016 ; Agência federal do emprego, Nuremberg ; « Statistisches Jahrbuch Mecklenburg-Vorpommern 2017 » (PDF), Departamento dos assuntos internos de Mecklembourg-Poméranie-Occidentale, bureau des statistiques, Schwerin, 2017.

(3) Nas eleições legislativas de 2017, a AfD também obteve um resultado em Mecklembourg-Poméranie-Occidentale (18,6 %) largamente superior ao que teve no conjunto do país (12,6 %).

(4) Departamento dos assuntos internos de Mecklembourg-Poméranie-Occidentale, bureau des statistiques, www.laiv-mv.de

 

Rachel Knaebel é uma jornalista independente sedeada em Berlim. Cobre principalmente notícias sociais, ambientais e políticas na Alemanha para imprensa de língua francesa e meios online.

 

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