Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Leituras em torno de Chemnitz (II) – Chemnitz: escondam esta Alemanha que eu não posso ver! Por Audrey Robles

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Leituras em torno de Chemnitz (II)

Chemnitz: escondam esta Alemanha que eu não posso ver!

Por Audrey Robles

Publicado por le causeur , em 4 de setembro de 2018

 

A Alemanha Ocidental ainda despreza a Alemanha Oriental

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Manifestação de partidários de AfD e de Pegida em Chemnitz na Alemanha, setembro 2018. SIPA. Shutterstock40666671_000061

 

As manifestações em Chemnitz mostram que ainda há duas Alemanhas. E a Alemanha do Ocidente, à imagem dos seus meios de comunicação, ainda despreza a Alemanha de Leste.

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“Eu gosto tanto da Alemanha que prefiro que haja duas”, terá dito um dia Mauriac. Quase três décadas após a reunificação, ainda existem várias. A de Leste e a do Oeste, mas também a dos prós e a dos anti-imigrantes, a do campo do Bem e a do campo do Mal absoluto. É, em todo o caso, a imagem maniqueísta que os media alemães e as redes sociais enviam.

Ah, está tudo bem, está tudo bem …

Os acontecimentos em Chemnitz mostram dramaticamente até que ponto a Alemanha é plural, e o seu tratamento pelos media dá uma imagem bastante clara da paisagem mental da elite e da sua desconexão da realidade. Uma tendência que foi afirmada desde o início do outono de 2015, quando qualquer recalcitrante ou simplesmente cético face à crise migratória rapidamente se tornou suspeito de conluio com ideias de extrema-direita. As reservas sobre a rápida integração de centenas de milhares de pessoas vindas de culturas diametralmente opostas à cultura alemã foram rapidamente varridas com um indolente gesto de mão, deixe-se disso, com a frase “Wir Schaffen das!”. (“nós vamos ultrapassar isto”). Havia o campo dos bons, os pró-imigrantes, e o dos outros, que eram vistos com uma condescendência às vezes marcada pela comiseração.

Curiosamente, em janeiro de 2016, após as agressões sexuais em massa da véspera de ano novo de 2015 em Colónia e noutras cidades alemãs e austríacas, os aguerridos defensores da política de acolhimento sem condições permaneceram bastante silenciosos, quando não conseguiram silenciar os factos. E em cada vez que um assassinato cometido por um imigrante era notícia e desencadeava paixões, muitos alemães mostravam-se finalmente menos preocupados com as falhas recorrentes das autoridades, prejudiciais ao Estado de Direito, do que com as amálgamas visando os imigrantes e com a instrumentalização política desses factos relativamente irrelevantes que era feita pela AFD, a direita populista.

Justiça ultrapassada e indignação fabricada

Este foi o caso do assassinato da jovem Maria L. em Freiburg, assassinada por um afegão já condenado na Grécia, que foi recebido como menor isolado quando ele já era um adulto. Depois, com o assassinato da jovem Mia em Kandel, uma pequena cidade na Renânia-Palatinado, morta com uma arma branca pelo seu ex-namorado, um menor isolado afegão que também tinha falseado a sua idade. Depois, com o assassinato de Susanna Feldmann em Wiesbaden por um imigrante iraquiano já suspeito de um estupro sobre uma menor na casa que o abrigou. Ou ainda, recentemente, com o assassinato de um médico em Offenburg, por um imigrante somali. Casos de grande notoriedade que são apenas a ponta do iceberg. Os múltiplos casos de agressão sexual, estupro e violência à pessoa revelam pouco a pouco o reverso da medalha de uma política de acolhimento muito ingénua e esboçam o retrato nada lisonjeiro de uma administração descontrolada e de uma justiça ultrapassada. Tudo tendo como pano de fundo a negação da realidade por parte do pessoal político, tanto ao mais alto nível federal como a nível local.

Pode-se dizer que as reações aos eventos de Chemnitz foram escritas com antecedência. No entanto, Chemnitz é um ponto culminante no processo que está em andamento desde há três anos na Alemanha. Recordemos os factos: numa festa popular, três pessoas são esfaqueadas, uma delas, Daniel H., um alemão de ascendência cubana, sucumbe às suas feridas. O resto da história desenrola-se num cenário infelizmente bem conhecido para quem segue as notícias alemãs desde o outono de 2015. Dois suspeitos, um sírio e um iraquiano são rapidamente apanhados. O principal suspeito, um curdo iraquiano, tem uma ficha criminal já bem carregada e sai de uma sentença de liberdade condicional por violência física. Chegado em novembro de 2015 pela estrada dos Balcãs, o seu pedido de asilo tinha sido rejeitado e ele deveria ter sido expulso para a Bulgária, onde tinha apresentado um primeiro pedido de asilo.

Uma outra Alemanha

Poucas horas depois do assassinato, ativistas de extrema-direita mobilizaram eficazmente os seus filiados e apelaram a uma manifestação no centro da cidade. Há relatos de saudações hitlerianas e de caça ao estrangeiro. Acontece que milhares de pessoas não necessariamente filiadas na extrema-direita se reuniram pacificamente para prestar homenagem a Daniel H. e para protestarem contra a degradação do seu sentimento de segurança e da mudança de fisionomia da sua cidade. Angela Merkel tinha anunciado que a Alemanha mudaria com a crise migratória. Ela realmente mudou, mas não necessariamente no bom sentido, e cada acontecimento sórdido reenvia à opinião pública a imagem catastrófica de um estado de direito impotente para expulsar os problemáticos, alimentando a impressão de dois pesos, duas medidas.

Na Saxónia, onde a extrema-direita regularmente obtém bons resultados eleitorais desde os anos 1990, onde AFD vai subindo e atinge já 25% , onde Pegida, um movimento populista destinado a protestar contra a islamização do Ocidente, junta todas as segundas-feiras desde outubro 2014 manifestantes na base dos comícios pacíficos que precederam a queda do muro em 1989, era evidente que a menor faísca poderia oferecer a cena ideal para grupos extremistas fazerem disparar todo o descontentamento e acenderem o fogo de uma contestação mais vasta, mais geral, sobre a qual as falhas do Estado de direito têm atirado petróleo.

“Qualquer um que apareça ao lado dos nazis deixa de pertencer à humanidade”

No entanto, em muitos meios de comunicação, bem como num grande número de alemães educados, os factos e a contextualização dessas manifestações estão em segundo plano. O “não amálgama” válido para os imigrantes não se aplica aos saxões, rapidamente assimilados como fazendo parte de um bloco de gente de extrema-direita. “Quem se mostre ao lado dos nazis, deixa de pertencer à humanidade e à democracia. Em Chemnitz, podemos ver a que ponto é perigoso” diz um jornalista de Spiegel online amplamente retransmitido em redes sociais. “Quem vota AFD vota nazi “, afirma um outro jornalista do mesmo jornal. No Facebook, vemos anátemas florescendo contra Chemnitz. “Aqui tem-se o relógio nas 13h:42min e em Chemnitz, nas 19 h:33min“. É possível lerem-se comparações históricas bastante duvidosas, destinadas a lembrar a esses alemães do Oriente decididamente irrecuperáveis que em 1989, eram eles, os refugiados e que o seu comportamento atual é uma cuspidela na face da História.

Eu condeno, logo eu fujo

Alguns alemães ocidentais finalmente lamentam que a Alemanha tenha sido reunificada, causando-lhes os seus concidadãos orientais uma verdadeira vergonha. Todo esse dinheiro gasto para refazer a Alemanha de Leste para isto? Definitivamente tanto dinheiro gasto para tão pouco, tanto esforço para nada, porque essas pessoas são incapazes de pensar bem… A propósito, quase ninguém relata as origens da vítima. Nascido de mãe da Alemanha Oriental e de pai cubano e, portanto, ele próprio saído da imigração, Daniel H., um produto da política de imigração e da integração da Alemanha Oriental, recorda que a RDA recorreu a trabalhadores subcontratados recrutados nos países socialistas irmãos nos anos 1960 e 1970, e que muitos deles constituíram família nos seus países de acolhimento. Isso também mostra que estes factos relativamente irrelevantes são muito mais complexos do que parece à primeira vista e que não podem ser reduzidos a uma horda de nazis cuspindo o seu ódio sobre os estrangeiros.

Se o anátema e a negação da realidade não são certamente a melhor resposta à revolta de muitos cidadãos levados a aceitar os danos colaterais da política de migração alemã sem protestarem, eles permitem, em qualquer caso, não abordar o fundo do problema. Angela Merkel disse que o ódio na rua não tinha lugar num Estado de direito. Na altura em que a casa está a arder, muitos alemães estão certamente à espera de algo que não sejam as condenações fáceis e as declarações convenientes tão ocas como a famosa expressão “Wir Schaffen das!” (“nós vamos conseguir”) agora sujeito a todos os sarcasmos.

Texto original em https://www.causeur.fr/chemnitz-allemagne-extreme-droite-154203

 

 

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