A minha neta e a crise no Serviço Nacional de Saúde. Ainda algumas reflexões mais sobre a democracia, em Portugal e na União Europeia (parte 3/3). Por Júlio Marques Mota

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A minha neta e a crise no Serviço Nacional de Saúde

Ainda algumas reflexões mais sobre a democracia, em Portugal e na União Europeia (parte 3/3).

 

  julio-marques-mota Por Júlio Marques Mota

   em 14 de novembro de 2018

(conclusão)

Vejamos alguns excertos do texto do FMI Perspetivas da Economia Mundial acima referido:

“Os dirigentes políticos precisam de ter uma visão de longo prazo sobre o atual mal-estar. As políticas orçamentais inclusivas, o investimento em educação e as medidas destinadas a garantir o acesso a cuidados de saúde adequados podem reduzir as desigualdades e constituem prioridades importantes. O mesmo se aplica aos regimes de proteção social mais seguros que podem ajudar os trabalhadores a adaptarem-se a uma série de choques estruturais, que sejam devidos à globalização, ao progresso tecnológico ou (nalguns países) às alterações climáticas.

É particularmente importante promover a taxa de participação e a inclusão económica das mulheres e dos jovens. As prioridades das reformas estruturais diferem de um país para outro, mas, em geral, a sua implementação acelerará a produção e o crescimento a médio prazo. Dito isto, é importante considerar aqueles que já estão em desvantagem, mas que poderão estar ainda mais. O apoio às atividades de investigação e desenvolvimento, bem como a pesquisa científica básica e aplicada, promete aumentar o crescimento, como muitos estudos têm demonstrado. Estas prioridades também dizem respeito aos países emergentes e aos países em desenvolvimento.

Em contraste com o choque de 2009, os países da zona euro atingidos pela crise da dívida pública não puderam recorrer a uma política orçamental expansionista para contrariar a “paralisação brutal” a que foram submetidos. Em vez disso, optaram por reduzir os seus défices orçamentais para recuperar a confiança dos credores e para conter os custos de empréstimos da divida pública. Neste caso, o efeito contracionista deste aperto orçamental foi mais importante do que o esperado na altura em que as medidas de austeridade foram aplicadas.[14]

Para se ter uma noção das mudanças duradouras na produção resultantes da crise de 2008, medimos os desvios do PIB na pós-crise de 2008, desvios dados pela diferença entre o que seria o PIB tendencial em cada momento do tempo, se a produção seguisse a sua taxa de crescimento tendencial do período antes de 2009, e o PIB efetivo de cada momento de tempo que se esteja a considerar.

Os desvios das tendências pré-2009 são estimados para duas grandes amostras de economias: as economias que foram sujeitas a crises bancárias em 2007 – 08 e todas as outras economias. De acordo com a definição de Laeven-Valencia, houve crises bancárias em 24 países durante os anos de 2007 – 08, das quais 18 se deram em economias avançadas. A Figura 2,3 resume a distribuição dos desvios do PIB pós-crise face ao valor indicado pela tendência de antes da crise quando os desvios são calculados em média para o período de 2015 – 17 [15].

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Os desvios entre o PIB de tendência e o PIB verificado pós-2008 mostram uma forte persistência ao longo do tempo. Um segundo aspeto notável é que as economias com maiores perdas de produção e de emprego no rescaldo inicial da crise registaram maiores aumentos na desigualdade de rendimento em comparação com a média de pré-crise.”

De um outro trabalho do FMI, que não este texto Perspetivas da Economia Mundial que temos vindo a citar, retemos a evolução do peso dos salários no rendimento nacional:

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Este gráfico confirma pois a posição assumida pelo FMI no seu Outlook de Outubro de 2018 que continuamos a citar:

“Entre as 24 economias no grupo em que houve crise bancária, cerca de 85 por cento ainda mostram desvios negativos da tendência pré-2009 e isto uma década após o colapso 2008.

No entanto, a Figura 2,3 mostra a persistência de perdas no PIB efetivo relativamente ao PIB de tendência de pré-crise para várias economias, não apenas aquelas que sofreram uma crise bancária em 2007 – 08. No grupo de economia sem que não houve uma crise bancária em 2007 – 08, a produção permanece abaixo das tendências de pré-crise em cerca de 60% das economias. Um canal possível que terá afetado esse grupo é a procura mais fraca dos seus parceiros comerciais que sofreram crises bancárias, o que contribuiu para reduzir o investimento e o défice de capital associado. Essa similaridade sugere mudanças noutros fatores de produção associados, por exemplo, com um nível de investimento agregado mais fraco.

Os défices de investimento podem ter resultado da falta de acesso ao crédito após a crise, ou das fracas expectativas de crescimento e rentabilidade futuras. Um cálculo semelhante para o PIB em que se sugere, sugere que houve défices de investimento em relação às tendências de pré-crise. A Figura 2,5 mostra a média para todas as economias de desvios em relação às tendências de pré-crise. Parar 2017, em média, o investimento foi de cerca de 25 por cento abaixo da tendência pré-crise.

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O quadro de políticas praticadas também parece importar para os resultados do PIB pós. A flexibilidade cambial está associada a menos danos, apontando para um papel tampão das taxas de câmbio nominais. Este resultado pode, em parte, refletir as dificuldades vividas por algumas economias da zona euro. Nestes países, a ausência de uma taxa de câmbio nominal independente, juntamente com o aperto orçamental e a falta de uma união bancária comum em toda a zona e de um apoio orçamental, significou que a carga de ajustamento após a crise caiu inteiramente sobre os preços domésticos e sobre a produção.”

Tomamos a liberdade de reproduzir aqui um excerto do texto publicado por Euromemo, assinado por dois universitários da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Luís Lopes e Margarida Antunes, onde se analisa e com algum detalhe o que tem sido a política económica em Portugal nestes últimos anos. Quanto ao investimento público dizem-nos os seus autores:

As asserted by Pereira et al. (2018, pp. 117-118), “public investment has functioned as an adjustment variable of public finance, being the first solution and the first element to adjust when it is necessary to reduce the public deficit.” This is what happened in Portugal between 2000 and 2007 (the Eurozone’s first years), and more recently after 2010 (Graph 2).

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The Stability Programme 2018-2022 (Ministério das Finanças, 2018) shows that this budgetary strategy will be followed in the future. In order to reduce the public debt-to-GDP ratio, positive primary balances are planned along that period, reaching 4.5% in 2021. It is also planned to reach, as soon as 2020, the medium-term budgetary objective imposed by the European rules, one year ahead of the date foreseen in the previous stability programme (Table 2). During this period, fiscal policy is expected to be restrictive countercyclical, considering the expected positive changes in structural primary balances and the cyclical position of the economy.”

Aliás, ao olhar para este gráfico percebemos bem o que significa aqui ser o investimento público uma variável de ajustamento para se cumprir a regra austeritária do défice. Dado que muita da despesa pública é incompressível há que cortar nos consumos intermédios, o mesmo é dizer da saúde, e também no investimento público para se dar satisfação à obsessão de reduzir ao máximo o défice, independentemente das consequências futuras. Como as despesas são já incompressíveis, dados os níveis salariais praticados em Portugal, a hipótese de um défice favorável a Bruxelas passa então por cortar nos Investimentos, nos investimentos de longa duração, nos investimentos de futuro. Mas aqui sinto-me obrigado a citar Paul Davidson quando este critica a lógica de que devemos ter as contas públicas equilibradas, de que não nos podemos endividar para não sacrificar as gerações futuras. As nossas prioridades são a redução do défice e da dívida, é o que tem afirmado Vª Exª repetidas vezes. Diz-nos então Paul Davidson sobre esta posição [16]:

“Mas se, como advertiu Keynes {na sua Teoria Geral}, “somos de uma sensatez tal {treinados que fomos a parecermo-nos tanto com os prudentes homens da finança} que nos detemos demasiado a refletir se havemos ou não de aumentar os encargos “financeiros” dos nossos filhos construindo para eles [um investimento produtivo que possam vir a utilizar], ser-nos-á difícil escapar às dores do desemprego”. Os que defendem que não compete ao Estado contrair empréstimos para criar emprego e investimento produtivo para uso das gerações futuras porque os empréstimos as irão empobrecer por força da dívida pública entretanto criada, não percebem quanto empobreceremos as gerações futuras ao não facultar estes resultados produtivos se o Estado não faz nada a fim de transmitir à posteridade uma dívida nacional mais pequena”.

Por outras palavras, uma vez que o investimento público entra nas contas do défice e da dívida, para ter um défice mais pequeno e por aí deixar uma dívida menor às gerações futuras, os neoliberais entendem então, por isto mesmo, não investir no futuro. Não investir então no futuro, em nome da proteção das gerações futuras, é o cúmulo da aberração, um passo que o governo português está a dar alegremente. E caminhemos então para o défice zero!

No excerto acima citado dos dois professores universitários da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra fala-se em alcançar o objetivo austeritário um ano antes do período imposto pelas regras europeias! Não faz isto lembrar a posição de Passos Coelho de querer ir mais longe que a Troika? Por outras palavras, não será isto a versão branda da mesma posição?

Penso que sim, e penso ainda que a posição do Bloco de Esquerda e do PC é então de quererem travar essa descida para uma austeridade acrescida, imposta, como sempre, por Bruxelas. Esta posição destes dois partidos poderá ter algum paralelo numa peça satírica de Aristófanes sobre os tempos pós Péricles, Os Cavaleiros, em que Cléon se sustentava no poder pelo temor do povo de que, segundo os oráculos, o seu governo só cairia quando fosse substituído por um governo pior do que ele. Aqui, no caso português, parece que que os dois partidos citados, se dispõem a engolir cobras e lagartos para que o governo de António Costa não caia, porque vivem com o medo de que Bruxelas venha a impor um governo à Passos Coelho, versão dura da austeridade, embora com um discurso mais inteligente do que este último [17]. E este seria um governo bem pior que a geringonça. Um governo deste tipo poderia acontecer com uma ala direita do PS, um Francisco Assis qualquer, a ganhar a direção do Partido e a aliar-se, depois, com a ala moderada do PSD, de tipo Rui Rio, constituindo assim uma coligação para poderem levar a cabo uma mais intensa austeridade e assim satisfazer as pretensões de Bruxelas [18].

São pois movimentos deste tipo que podem emparedar e pôr em claro perigo a Democracia e ganharem uma força tal que aniquilem as verdadeiras forças da Democracia, as que não se compadecem com o tipo de políticas que têm sido impostas e seguidas. Nestas forças está V.ª Exª senhor Primeiro-ministro, o que é claramente mostrado pela sua biografia política, pelo oposição cerrada que a ala direita do PS lhe move, e esta terá as suas razões que não são nunca as nossas, pelo ódio que a extrema-direita através de Assunção Cristas e dos seus valetes lhe move, pelo que V.ª Exª manifestou querer para o povo português e para o qual contra tudo e todos contribuiu exemplarmente no primeiro ano do seu mandato. Nestas forças, reconheçamo-lo abertamente, está muita das gentes do PS que não se reveem no seguidismo europeísta de Francisco Assis ou no blairismo de Santos Silva nem na lógica neoliberal de militantes que se podem situar na linha de Vital Moreira. Nestas forças, está igualmente muita gente que não se revê em nenhum partido como estão igualmente os militantes do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista. Por aqui, há pois tanta gente que se sente incomodada com o rumo que está a ser seguido em Portugal, a sentirem que o espaço da Democracia é cada vez mais reduzido, emparedados que estamos pelos imobilistas, por um lado, e pelos unionistas dos amanhãs radiantes, por outro, e com estes dois grupos de pressão sobre as forças democráticas a terem o apoio de Bruxelas. E, a partir daqui, os populismos espreitam a sua oportunidade.

Na linha do que acabamos de escrever, das pressões para que haja em Portugal um governo com a missão de levar a cabo uma mais intensa austeridade e assim satisfazer as pretensões de Bruxelas, vejamos um excerto das recomendações de Maio de 2018 vindas do Conselho Europeu:

“Em 11 de julho de 2017, o Conselho recomendou a Portugal que assegure que a taxa de crescimento nominal da despesa pública primária líquida não exceda 0,1% em 2018, correspondendo a um ajustamento estrutural anual de, pelo menos, 0,6% do PIB. (…). Com base na previsão de Primavera 2018 feita pela Comissão, existe o risco de um desvio significativo do ajustamento recomendado em 2018 e para além de 2017 e 2018 tomados em conjunto.

Em 2019, tendo em conta que o rácio da dívida pública portuguesa é superior a 60% do PIB e o desvio de produção projetado face ao PIB potencial é de 1,3%, a taxa de crescimento nominal das despesas públicas primárias líquidas não deverá exceder 0,7%, em conformidade com o ajustamento estrutural de 0,6% do PIB que decorre da matriz das exigências do Pacto de Estabilidade e de Crescimento. Se as políticas permanecerem inalteradas, existe um risco de desvio importante em relação a esta exigência em 2019 e para além de 2018 e 2019 tomados em conjunto. Ao mesmo tempo, Portugal deveria conformar-se à regra transitória em matéria de dívida em 2018 e 2019. No conjunto, o Conselho é do parecer que as medidas necessárias deveriam ser tomadas desde 2018 para estar a respeitar as disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Seria prudente utilizar qualquer ganho inesperado para reduzir ainda mais o rácio da dívida pública.

A viabilidade da dívida pública depende de um saneamento orçamental duradouro graças a uma melhoria estrutural das finanças públicas, que passa por um reforço da cobrança das receitas e pelo controlo das despesas. Para melhorar o controlo das despesas, a aplicação eficaz dos mecanismos de controlo sobre os compromissos assumidos, a elaboração rápida de uma lei-quadro do orçamento e a continuação dos esforços de revisão e racionalização das despesas são medidas essenciais. A planificação e a execução do orçamento constituem um desafio considerável, em especial no sector da saúde, onde os pagamentos em atraso (os atrasados) permanecem muito elevados, o que põe igualmente em evidência as fraquezas no controlo contabilístico e nas práticas administrativas. Para chegar uma consolidação orçamental duradoura, convém enfrentar os custos elevados e crescentes do envelhecimento da população. A médio prazo, os riscos orçamentais mais elevados ligados ao envelhecimento da população deveriam estar ligados em grande parte aos custos de financiamento das reformas, enquanto os custos ligados à saúde exercerão uma pressão acrescida a longo prazo. As medidas destinadas a melhorar a viabilidade a médio prazo do sistema de pensões de reforma, bem como uma estratégia global de luta contra os custos do envelhecimento relacionados com a saúde, permitiriam fazer face a estes riscos.”

A União Europeia continua a carregar na tecla da austeridade e, pelos, vistos é esta tecla que o governo português está disposto a assumir.

Sublinhe-se, contudo, que querer aplicar políticas restritivas contra cíclicas perante uma economia devastada por 4 anos de Troika é qualquer coisa que pareceria impensável, mas elas aí estão [19]. O que se passa com o Serviço Nacional de Saúde é o reflexo disto mesmo, desta política contra cíclica recessiva, e não da eventual incapacidade de um Ministro de Saúde em dar tecnicamente resposta aos problemas que o sistema de saúde hoje levanta. O problema então, quando se está entre profissionais de saúde altamente qualificados como é o caso do ex-ministro da Saúde Adalberto Fernandes, não é de quem é o Ministro mas sim dos meios que lhe são disponibilizados, ou seja, do quadro político e financeiro em que ele se movimenta. O problema do Serviço Nacional de Saúde é simplesmente devido ao facto de não se querer ou não se poder dispor de meios. Mudem-se os ministros mas neste contexto nada irá globalmente mudar. Aliás, neste sentido, informava Dinheiro Vivo pela mão de Luís Reis Ribeiro:

“A Comissão Europeia quer ajustamento do défice mais forte do que diz o governo e pede mais rapidez na redução da dívida pública.

O novo estudo, apresentado em Bruxelas, resulta de várias reuniões recentes entre a Comissão, o governo e outras autoridades, já na sequência da divulgação do Programa de Estabilidade em abril. Desses encontros ficou a certeza para a Comissão que é preciso fazer mais para cortar na despesa da saúde, de maneira a que esta deixe de acumular tantas dívidas.

O governo, através dos ministros Mário Centeno (Finanças) e Adalberto Fernandes (Saúde) diz que tem um plano em marcha para controlar ou sanear este problema, mediante a injeção de capital nos hospitais públicos.

“Contabilidade e gestão deficientes”

Mas a Comissão continua a pedir mais e mais controlo nos gastos. Portugal tem de “reforçar o controlo das despesas, a relação custo-eficácia e a orçamentação adequada, em particular no sector da saúde, com enfoque na redução dos pagamentos em atraso dos hospitais”.

Veja-se agora tudo isto em confronto com o que nos diz o Outlook do FMI de outubro de 2018, que continuamos a citar, para percebermos bem o enquadramento recessivo em que a União Europeia coloca os seus membros economicamente mais frágeis:

“A perda média de PIB para as economias da área do euro é notavelmente maior do que para outras economias avançadas em 2011 – 13, abrangendo uma fase intensa da crise da dívida pública, a fuga de depósitos de economias da zona euro em dificuldade e a fragmentação financeira na zona euro. A diferença de perdas alargou-se até 2015 – 17, apontando para uma recuperação mais fraca em comparação com outras economias avançadas. A divergência pode, em parte, refletir as alavancas políticas limitadas disponíveis dentro de uma União Monetária para os ajustamentos a fazer face aos choques assimétricos, às diferenças na velocidade de reparação do sector financeiro, e, apesar de progressos substanciais no sentido de uma união bancária e da criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade para a gestão de crises, continuam a verificar-se lacunas na arquitetura da zona euro.

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Blanchard e Summers, (2017), e Furman (2018) sublinham que há um reconhecimento renovado da política fiscal discricionária como uma ferramenta de gestão de procura contra cíclica. Além disso, como mostra a nossa análise, o grande estímulo fiscal da China durante o período de 2008 – 11 parece ter tido repercussões favoráveis sobre os seus parceiros comerciais. Ao todo, as provas aqui apresentadas sugerem alguma confirmação da eficácia das medidas orçamentais na limitação de perdas persistentes após uma recessão. E como se observou num outro trabalho do FMI, as ações de política monetária não convencionais desencadeadas pelos bancos centrais das economias avançadas ajudaram a limitar as quedas de produção e de emprego internamente, ao mesmo tempo que apoiavam as importações do exterior.

Para além destes aspetos, os principais desafios dizem respeito aos legados duradouros da crise [20]. Já existem sinais de possíveis consequências a longo prazo da crise sobre o crescimento potencial através dos seus impactos sobre a migração, fertilidade e sobre a [a qualidade ou preparação profissional da]  mão-de-obra futura. E o apoio social à abertura e à integração económica global parece ter enfraquecido em muitos países após a crise. O corolário destes desenvolvimentos é o apelo ascendente de panaceias protecionistas e o populismo [21]. Uma análise mais completa de tais legados duradouros da crise financeira de 2008 deve necessariamente ter de aguardar pela perspetiva mais ampla que irá surgir com a passagem do tempo.”

Os dados, os gráficos e os argumentos aqui colocados afastam-nos e em muito das posições oficiais e de resto, estas mesmas acabam por ser alvo de fortes críticas por parte do próprio FMI, mesmo que para isso se tenha de descorticar o texto, críticas estas que acabam também por incidir sobre o que a atual Administração faz em Portugal. Um exercício que sugiro, pois, a quem leia estas linhas.

 

Certo da atenção que algum dos seus assessores venha dar a esta carta aberta, queira aceitar os meus respeitosos cumprimentos e os votos sinceros de que a geringonça venha a ter melhores resultados dos que tem até agora, porque esses melhores resultados são o que o senhor como Primeiro-Ministro deseja e merece alcançar, são também o que todos nós igualmente desejamos, mas sem vestimentas Prada porque estas dizem respeito apenas à grande burguesia.

Em anexo a esta carta seguem-se pontos de vista sobre a democracia em perigo, sobre a crise italiana, sobre o custo de nada fazer, sobre a prioridade da dívida tomando como referência Roosevelt, sobre a pressão de Bruxelas em questões centrais da sociedade portuguesa, sobre a estrutura da EU e como é que essa estrutura age sobre os Estados membros mais frágeis. Trata-se de 7 anexos que servem de apoio aos pontos de vista defendidos nesta carta aberta.

Coimbra, 14 de Novembro de 2018

Júlio Marques Mota, Professor Auxiliar Convidado na situação de aposentado, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

P.S. Em Julho prometi ao seu gabinete o curso de Macroeconomia em Economia Aberta que estava a preparar para publicação no blog A viagem dos Argonautas, em homenagem ao Professor Michael Pettis. E este estará em Portugal no próximo mês de Abril.

Um tipo de curso que, garantidamente, não encontrará em nenhuma Universidade da União Europeia, sobretudo porque com a reforma de Bolonha não há tempo de ensinar e com isso está-se a perder também a capacidade de aprender. O meu editor no blog A viagem dos Argonautas, Francisco Tavares, arranjou uma solução ideal para tornar este envio mais fácil. Colocou um post com a biografia do autor e com os links de todos os textos publicados nesta série, intitulado A crítica demolidora de Michael Pettis à teoria e à política económica neoliberal – apresentação de Michael Pettis cujo endereço eletrónico é https://aviagemdosargonautas.net/2018/11/07/a-critica-demolidora-de-michael-pettis-a-teoria-e-a-politica-economica-neoliberal-apresentacao-de-michael-pettis/.

Sugiro pois aos seus assessores que estejam eventualmente interessados neste tipo de curso uma visita ao post referido.

 

Notas

[14] Alguns dos aspetos sintetizados nestes três parágrafos do texto do FMI, sobretudo o da inclusão, serão desenvolvidos no texto anexo a esta carta intitulado A política económica e o custo de nada fazer.

[15] Como assinala Martin Wolf: “ Verificou-se que 85 por cento destes ainda mostram desvios no PIB relativamente ao que seriam os valores de tendência. Para os países que sofreram crises bancárias, a diferença entre o valor do PIB de tendência e o PIB efetivo que mais aparece nos dados (estatisticamente a moda) em entre 2015 e 2017, foi de cerca de 10 por cento.”

[16] Agradeço profundamente ao JPM da Universidade de Coimbra a sua disponibilidade para discutir comigo a tradução deste texto, quase que palavra a palavra e o resultado final obtido é aqui todo ele da sua lavra.

[17] Na minha opinião é esse medo que explica as sondagens favoráveis à governação socialista.

[18] O exemplo francês é anda mais emblemático. Eliminada a “esquerda oficial” pela mão do próprio PSF, eliminada a direita pela via de uma maquinação orquestrada contra François Fillon, resta ao eleitorado, depois de diabolizada Marine L  Pen e de contra ela se ter semeado o MEDO; simplesmente votar Macron. O Presidente Macron é pois o Cléon do nosso paralelismo em França, a ausência de Democracia que Cleon representava na Grécia pós Pericles.

[19] Exemplificamos esta situação com o caso da CP e do Hospital Pulido Valente, num anexo intitulado A face escondida da pressão de Bruxelas. Também no anexo A Itália, como exemplo da irracionalidade económica da União Europeia, apresentamos um texto de Orsola Costantini intitulado Porque é que a histeria quanto ao orçamento italiano é errada, onde o problema levantado é praticamente o mesmo com que nos deparamos em Portugal, mesmo que entre nós não se fale do assunto.

[20] Sobre os efeitos duradouros da crise e das políticas e austeridade impostas pela União Europeia editaremos um anexo a esta carta A solidariedade na União Europeia e os efeitos a prazo da crise –o caso da Grécia – um país em agonia, por contraponto à solidariedade de que nos falava o poeta dos haikus. Veja-se igualmente nos gráficos do FMI os efeitos cumulativos da crise, vistos na ótica do PIB potencial.

[21] Sobre o populismo publicaremos dois artigos sobre a Itália, o primeiro A força que está por detrás da maré populista da Europa: os jovens adultos frustrados, de Eric Sylvers e o segundo A Itália representa um espelho de uma Europa esfarrapada de Orsola Costantini.

 

1 Comment

  1. Os partidos políticos que “comem cobras e lagartos” tem um outro inimigo que é o tal Marcelo que só espreita uma oportunidade. Este sonha restaurar o antigamente – nunca esquece ter sido educado para herdar o poder do padrinho – com um bloco central que ele comande.CLV

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