MARRINER ECCLES, um homem muito à frente do seu tempo (anos 30) e do nosso também – 1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal: 1.10. Economistas Entre Dois Mundos.  Por David Warsh

A good many people believe Marriner Eccles is the only thing standing between the United States and disaster.” – TIME Magazine, 1936

Nota de editor:

Iniciámos no passado dia 1 de Fevereiro uma longa série – de mais de 50 textos – cuja última parte está ainda em preparação. O presente texto “Economistas entre Dois Mundos, insere-se no conjunto de 17 textos que compõem a 1ª parte 1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal”.

Esta série é, desde logo, o resultado do labor incansável e da mais elevada competência do seu autor, Júlio Marques Mota, e, como o próprio refere, é um trabalho que leva mais de um ano em preparação e “não foi um trabalho fácil porque, partindo do zero quase absoluto, tivemos de andar a deambular de texto em texto, aceitando uns, rejeitando outros, de referência bibliográfica em referência bibliográfica, cruzando textos e referências bibliográficas”.

É com grande satisfação e orgulho que publicamos na língua portuguesa estes textos em torno das ideias e ações de Marriner Eccles, o mais brilhante de todos os Presidentes do Conselho de Governadores do FED nas palavras de Michael Pettis (e que fazemos nossas). Como diz Júlio Mota, “Marriner Eccles é um dos maiores símbolos intelectuais da oposição fundamentada feita contra os teóricos criadores de catástrofes e os seus vassalos” e cujas ideias e ação, segundo a Time referia em 1936, “protegeram a América do abismo. Trata-se de ideias que na primeira metade do século XX ajudaram a fazer da América um grande país, e que vão contra as ideias destes falcões monetaristas (…) que querem fazer da Europa um insignificante continente”. E como conclui Júlio Mota os “… tempos de ontem, afinal, não diferem muito dos tempos de hoje, a lembrar a frase de Peter Kenen: o mundo mudou muito, mas os problemas são os mesmos. Os problemas são os mesmos e os políticos, pelo que se vê, são também os mesmos. É exatamente isto que confere uma extrema atualidade aos textos que iremos apresentar em torno da obra de Marriner Eccles.”


Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

25 m de leitura

 

1. Alguns textos sobre Marriner Eccles, sobre o espírito de 33 e sobre os homens do New Deal

1.10. Economistas Entre Dois Mundos

 Por David Warsh

Publicado por em 05/07/2015 (Economists Between Two Worlds, ver aqui)

 

 

A Grande Depressão torna-se um marco no tempo

 

Terça-feira negra, 29 de Outubro de 1929, foi “um daqueles dias após os quais quase tudo fica diferente”. Foi assim que John Kenneth Galbraith descreveu o Grande Crash trinta anos após o facto – um dia de pandemónio na Bolsa de Nova Iorque após uma semana de baixas sucessivas, o fim inconfundível do grande mercado em alta dos anos 1920. Quando os preços das ações finalmente se fixaram nos seus mínimos anuais, em Novembro, valiam metade do valor que tinham tido em Setembro. Frederick Lewis Allen escreveu mais tarde: “Dificilmente se encontraria um homem ou mulher no país cuja atitude em relação à vida não tenha sido afetada por este dia negro de uma ou outra maneira e não fosse agora afetado pelo súbito e brutal estilhaçamento da esperança”.

Sobre isso, pelo menos, não há controvérsia. Sobre as causas e curas da Grande Depressão que se seguiram, contudo, os economistas têm vindo a discutir desde então. Ao contrário do Crash, a Depressão não aconteceu de uma só vez. Desenrolou-se gradualmente, ao longo de uma década, uma mancha de políticas e acontecimentos infelizes. A Primavera de 1930 foi uma época de otimismo renovado: os preços das ações recuperaram metade do que tinham perdido, e quando uma delegação de eclesiásticos preocupados visitou a Casa Branca em Junho, o Presidente Herbert Hoover disse-lhes: “Chegaram sessenta dias demasiado tarde. A Depressão já acabou”.

Em Setembro a bolsa estava novamente em queda, os bancos estavam a fechar, e os primeiros feirantes tinham aparecido em Wall Street. No campo, o rendimento agrícola caiu de 6 mil milhões de dólares em 1929 para 2 mil milhões em 1932; os preços do carvão de 4 dólares por tonelada nos anos 20 para 1,41 dólares em 1932. No Inverno de 1932-33, 13 milhões de pessoas, um quarto das que procuravam trabalho nos EUA, estavam desempregadas. Isto era muito pior do que o familiar “ciclo de negócios” – os períodos regulares de longas expansões e de curtas quedas da atividade económica, cada um com as suas próprias surpresas, remontando até onde qualquer pessoa se podia lembrar.

O capitalismo tinha sempre tido recuos. Agora, era o medo de perder coisas, permanentemente – o de perder um emprego, as economias de toda uma vida, uma empresa, uma propriedade – tudo isso fazia agora parte do quotidiano. Era este o colapso final do sistema capitalista que Marx tinha previsto 75 anos antes? Um repórter perguntou a Keynes, se algo como isto já tinha acontecido antes. Sim, respondeu ele, “chamava-se a Idade das Trevas, e durou quatrocentos anos”.

Ainda mais alarmantes eram os relatos de que na União Soviética comunista, onde a economia era amplamente controlada pelo governo, as coisas aparentemente avançaram rapidamente. A Itália já tinha um governo fascista. Em Janeiro de 1933, Adolf Hitler tornou-se chanceler na Alemanha e os nazis chegaram ao poder, prometendo um planeamento económico nacional derivado dos sucessos da economia alemã durante a Primeira Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt derrotou Herbert Hoover, em Novembro de 1932. A sua tomada de posse só ocorreria no mês de Março seguinte (uma emenda constitucional, posteriormente, levou a que a data tenha sido mudada para Janeiro.). Algo como o destino das civilizações parecia estar em jogo.

Os financistas, banqueiros e industriais que tinham presidido aos turbulentos anos 20 pareciam agora ter pouco para oferecer. Em vez disso, quatro economistas falaram sobre as circunstâncias da crise com suficiente clareza para que nos lembramos delas nos dias de hoje. Durante décadas, John Maynard Keynes dominou as interpretações da Grande Depressão. Nos anos de 1970, o nome de Friedrich von Hayek foi ouvido com mais frequência, especialmente nas discussões britânicas sobre o evento; ele próprio tinha sido rejuvenescido pelo Prémio Nobel que partilhou, com o sueco Gunnar Myrdal, em 1974. No início da década de 1980, a memória de Joseph Schumpeter foi apagada, depois de Silicon Valley ter começado a dar a conhecer a sua presença perturbadora. Só depois de 2011, quando apareceu Grand Pursuit: The Story of Economic Genius da jornalista económica Sylvia Nasar, foi a figura de Irving Fisher restaurada para um lugar central no debate; os economistas tinham reavivado a sua teoria da “dívida-deflacionada” da Grande Depressão após a crise de 2008. Cada um dos quatro tinha uma forma distinta de enquadrar o problema. Cada um deles é recordado por diferentes grupos por diferentes razões. Parte do encanto de recordar é que todos os quatro viveram vidas bastante intensas, bastante coloridas.

Foi, no entanto, um homem da prática a quem se ficou a dever o maior reconhecimento e gratidão por reformas que tornaram muito menos provável uma segunda Grande Depressão, Marriner Eccles, um banqueiro que se tornou presidente do Conselho da Reserva Federal de Roosevelt, viveu uma vida longa e interessante. Foi ele, com a ajuda do economista Lauchlin Currie, que tomou as medidas em 1935 que permitiram às autoridades setenta e cinco anos mais tarde lidar de forma mais decisiva com a crise que rebentou em 2008.

 

A ficar encravado?

Se tivesse conhecido John Maynard Keynes nos anos 20, tê-lo-ia conhecido como um jornalista financeiro influente e um especulador. Como licenciado no Kings College, Cambridge, onde o seu pai economista, John Neville Keynes, era um associado próximo de Alfred Marshall, dizia-se que ele gostava, acima de tudo, de “estar em ação”. E embora tivesse claramente nascido para ter sucesso, não seria necessariamente como um académico. Após exames dececionantes, Keynes entrou para o Gabinete da Função Pública da Índia em Londres, em 1906. Dois anos mais tarde, demitiu-se em favor de um leitorado de economia em Cambridge.

Os seus amigos chamaram-no para o Tesouro em Agosto de 1914, onde ficou imerso no pânico bancário global que acompanhou a eclosão da Primeira Guerra Mundial. (Ele pode ou não ter caído no plano secreto da Grã-Bretanha de pôr a Alemanha de joelhos através de um bloqueio económico relâmpago, descrito quase cem anos mais tarde pelo historiador Nicholas Lambert em Planning Armageddon:British Economic Warfare and the First World War (Harvard, 2012); em qualquer caso, ele iniciou um livro sobre a crise, que depois pôs de lado). Depois disso, Keynes subiu rapidamente e, quando a guerra terminou, representou o Tesouro na Conferência de Paz de Paris de 1919. As Consequências Económicas da Paz, a sua brilhante crítica às reparações punitivas impostas à Alemanha, apareceram pouco depois e tornaram-no famoso.

A sua reputação como economista assenta em três livros. A Tract on Monetary Reform, em 1923, codificou muito do que se tinha tornado conhecido sobre a capacidade da banca central para controlar a inflação e a deflação, o que ele brindou como “um dos maiores saltos jamais alcançados na ciência económica”. Muitos anos mais tarde, através do raciocínio dos seus acólitos, Keynes tinha-se tornado identificado com a proposta de que o dinheiro não importa. Allan Meltzer, da Carnegie Mellon University, comentou a ironia: “Ao longo da sua vida, Keynes atribuiu uma importância fundamental aos arranjos monetários e ao sistema monetário”.

Ansiava pelo reconhecimento académico, e, apenas um ano após o desastre de Wall Street, publicou um tratado de dois volumes sobre moeda, Treatise on Money, procurando explicar a experiência da instabilidade dos preços durante os cinquenta anos anteriores, já não em termos de moeda, crédito e banca, mas em vez disso, em termos de flutuações dos investimentos e poupanças. O seu biógrafo Robert Skidelsky escreveu mais tarde que grande parte da confusão que se seguiu poderia ter sido evitada “se ele tivesse permitido que o seguinte raio de sol tocasse no seu argumento mais cedo do que na página 458”:

Assim, a poupança (aforro) pode ser a serva e enfermeira da empresa. Mas também pode não ser. E normalmente não o é. De facto, a empresa não está diretamente ligada à poupança mas sim, num plano imediato, a um só objetivo e a ligação que deveria unir poupança e investimento está frequentemente ausente. E tudo isto porque o motor que impulsiona a empresa não é a poupança mas sim o lucro”.

O marasmo económico contínuo deu a Keynes uma oportunidade de reescrever, e assim o fez, produzindo A Teoria Geral do Emprego, Juro e Moeda, no meio de uma grande excitação em 1936. Desta vez ele argumentou que as flutuações de produção e de emprego eram o problema mais profundo. O desemprego poderia revelar-se crónico, exigindo uma gestão constante por parte do governo – muito semelhante à exigida com a inflação.

Tem-se escrito mais sobre A Teoria Geral do que sobre qualquer outro trabalho sobre economia do século XX, como David Laidler observou. Ainda no mês passado Robert Dimand falou em History of Economics Society, num encontro em East Lansing, Michigan, sobre uma série de cartas que Keynes tinha escrito para a empresa holandesa de eletrónica N.V. Philips, narrando mais ou menos a Depressão em intervalos entre Outubro de 1929 e Novembro de 1934. O achado tinha ficado por descobrir na versão em microfilme do papel de Keynes até que Dimand e Bradley Bateman, do Randolph College, o descobriram, de forma independente. O achado vai-nos certamente permitir melhorar a nossa compreensão do desenvolvimento dos pontos de vista de Keynes.

Mas isto é claro de qualquer ângulo que se veja. O que tinha começado como uma defesa entusiástica da política monetária tornou-se, em meados dos anos 30, na forte defesa por parte de Keynes também da política orçamental – da despesa governamental compensatória, especialmente no meio da Grande Depressão. A economia exigiria algum grau de gestão. Já não se podia esperar que funcionasse inteiramente por si só.

 

Exagerado?

Em contraste, se tivesse conhecido Hayek em Nova Iorque em 1923, poderia vê-lo sentado à mesa de uma biblioteca, com apenas duas moedas para esfregar juntas, usando dois pares de meias para esconder os buracos – uma estranha situação para um filho privilegiado. Tinha chegado à economia por etapas, servindo no exército austríaco na Primeira Guerra Mundial até que a malária o deixou doente e muito em baixo, de que recuperou em Zurique, depois um regresso aos seus estudos em Viena, passando por etapas de marxismo e psicanálise, estudando ostensivamente direito, até que, quando a inflação de Weimar terminou, no Verão de 1922, a sua curiosidade o levou a Nova Iorque. Nova Iorque, foi a cidade onde Hayek se matriculou na Universidade de Nova Iorque e descobriu o quanto tinha sido enganado pela propaganda do Império Austro-Húngaro em tempo de guerra. Resolveu não se deixar enganar novamente, e regressou a Viena em 1924. Tinha 25 anos.

No ano seguinte um par de americanos, William Foster e Waddill Catchings, publicaram “The Dilemma of Thrift“, um artigo no The Atlantic Monthly no qual argumentavam que o excesso de poupança e, portanto, o subconsumo era a principal causa dos ciclos económicos, incluindo o dramático crash de 1920-21. Foster e Catchings ofereceram um prémio de 5.000 dólares para as críticas mais contundentes à sua tese. Hayek não terá concorrido – outros 435 aceitaram, incluindo muitos professores de economia, em 40 países de todo o mundo – mas começou a trabalhar numa crítica própria, enfatizando a desconfiança tradicional austríaca em relação ao crédito e a preocupação em compreender a passagem do tempo nos processos económicos. “O ‘Paradoxo’ da Poupança”: apareceu numa revista de economia alemã em 1929. “A recessão é a cura da natureza”, escreveu Hayek, “um purgante que elimina os investimentos que não são financiados por poupanças reais”.

Lionel Robbins convidou Hayek para dar uma palestra na London School of Economics, que tinha surgido como o polo de mercado livre do debate britânico. Hayek era precisamente a voz necessária para se opor a Keynes – “um relógio parado, precisamente duas vezes por dia”, queixou-se Robbins. Hayek chegou em Janeiro de 1931, com a primeira metade da sua acerba análise do Tratado sobre a Moeda de Keynes já em circulação. Keynes escreveu à margem da sua cópia: “Ele tem evidentemente uma paixão que o leva a implicar comigo, mas eu fico a pensar qual será essa paixão”. A série de quatro conferências proferidas por Hayek, descrevendo a Depressão como o equivalente a um “duche frio”, apareceria mais tarde como Preços e Produção. Não havia nada a ser feito, escreveu Hayek, a não ser deixar a Depressão seguir o seu curso.

Mesmo antes do livro vir a público, Keynes atacou o livro de Hayek como “uma das mais assustadoras trapalhadas que já li… um extraordinário exemplo de como, começando com um erro, um erro lógico sem remorsos pode acabar em confusão”. Desde então, o seu argumento foi retomado muitas vezes, nomeadamente num livro de Nicholas Wapshott, Keynes Hayek: The Clash that Defined Modern Economics [1],  e num memorável “hino acusatório” escrito por Russ Roberts do Liberty Fund.

Em Março de 1933, o debate já tinha terminado. Com a Depressão no seu nadir, o jovem austríaco tinha sido completamente derrotado. Até Robbins tinha trocado de lado. Hayek retirou-se. Ele recusou-se a fazer a recensão da Teoria Geral quando esta apareceu em 1936. Escreveu um livro, A Teoria Pura do Capital, que foi considerado um vexame. E, em 1944, publicou uma jeremiada contra o planeamento do tempo de guerra, The Road to Serfdom (O Caminha da Servidão), que o tornou uma estrela nos círculos políticos conservadores, mas que o colocou praticamente fora do terreno da economia técnica durante trinta anos. Mudou-se para os Estados Unidos, divorciou-se da sua mulher, e casou-se com um primeiro amor de há muito perdido de Viena.

Mas antes de deixar Londres, Hayek começou uma transformação que iria ocupar a segunda metade da sua carreira. Começou a examinar as questões do conhecimento e da descentralização. Prosseguiu o seu interesse pela história da moeda e da banca. E preparou uma nova edição de Paper Credit, a pouco lembrada discordância de Henry Thornton face a Adam Smith sobre a necessidade da banca central, e escreveu uma introdução a reforçar o seu ponto de vista.

 

Forjando o caminho em frente?

Também na expectativa de uma chamada na Primavera de 1931 – não para Londres mas para a Universidade de Berlim – estava Joseph Schumpeter. Era o contemporâneo exato de Keynes, nascido em 1883, formado em Viena, e tinha sido muito mais rápido a tornar-se conhecido. A sua Nature and Essence of Theoretical Economics, em 1908, explicitou para um público de língua alemã cético muito do que tinha acontecido noutros locais nos últimos cem anos, principalmente a revolução marginalista, a reformulação da economia em termos de cálculo diferencial como uma série de problemas de otimização. A The Theory of Economic Development, em 1911, com a sua ênfase em novos bens, novas fontes de matérias-primas, e novos meios de produção, e a importância desempenhada por empresários e financiadores, tornou-o famoso como uma alternativa a Marx. Foi convidado a lecionar na Universidade de Columbia.

A deflagração da Primeira Guerra Mundial obscureceu a sua estrela nas terras de língua inglesa.

Regressou à Alemanha e entrou na política. Após a guerra, serviu durante algum tempo como ministro das finanças da Áustria, tentou a banca, faliu, aceitou um emprego na Universidade de Bona, não conseguiu arrancar com outro livro de economia, passou um ano a dar aulas em Harvard, e esperou por essa cadeira em Berlim. No início da década de 1930, foi surpreendido com a atenção dada a Keynes. Quando o convite para Berlim não chegou, mudou-se para Harvard em 1932 e atirou-se para um estudo de dois volumes sobre ciclos económicos. O primeiro volume só foi publicado em 1939. E foi apenas num volume de ensaios em tempo de guerra, Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942), que Schumpeter cunhou a frase pela qual é melhor recordado: a “destruição criativa” com que o capitalismo prossegue em frente.

Os especialistas ainda hoje debatem a opinião de Schumpeter sobre a mecânica complicada dos períodos de expansão e contração económica no capitalismo. O historiador económico J. Bradford DeLong, da Universidade da Califórnia em Berkeley, lendo os prefácios de Schumpeter de 1927 ao seu estudo de dois volumes, observou recentemente o quão estranho foi encontrar Schumpeter a expor a sua cadeia de ligações “depressão-causa-mudança-estrutura-e-crescimento”, ao mesmo tempo que propunha a sua cadeia de ligações “empresários-disrupção-fluxo-circular-e-causa-mudança-estrutura-e-crescimento-teoria da empresa “. A primeira cadeia de ligações está errada, diz DeLong, um notável keynesiano: “O crescimento vem de empresários que trazem recursos para os sectores, empresas, produtos, e métodos de produção do futuro. Não provém de depressões que empurram os recursos para o desemprego”.

No entanto, em A Great Leap Forward: 1930s Depression and US Economic Growth (Yale 2011), o historiador económico Alexander Field, da Universidade de Santa Clara, descobriu que apesar do desemprego de dois dígitos da década de 1930, a década experimentou taxas muito elevadas de inovação tecnológica, graças a projetos que funcionaram no sistema de investigação e desenvolvimento e graças também à despesa pública feita em estradas e pontes. “Schumpeter desenvolveu a sua homenagem ao poder da destruição criativa contra o pano de fundo do que se revelou ser a época tecnologicamente mais dinâmica do século XX”, escreveu Field.

Quando os EUA entraram na Segunda Guerra Mundial, o FBI viu Schumpeter como um simpatizante do inimigo; e a sua esposa, Elizabeth Boody Schumpeter, uma perita sobre o Japão, como possivelmente ainda pior. Ajudou o seu amigo Arthur Cole a fundar o Centro de Investigação em História Empresarial na Harvard Business School após a guerra, a partir do qual muitas carreiras notáveis foram lançadas, incluindo as de Alfred Chandler e F.M Scherer; cumpriu um mandato como presidente da Associação Económica Americana, em 1947, e morreu em 1950. Até ser redescoberto nos anos de 1980, Schumpeter foi recordado principalmente pela sua magistral História da Análise Económica, publicada postumamente em 1953.

 

Uma Armadilha de Alavancagem?

Dos quatro economistas, Irving Fisher da Universidade de Yale era o mais próximo do poder na altura. Era um célebre intelectual público, tinha escrito uma crónica muito referenciada e tinha apoiado o Presidente Hoover na campanha eleitoral de 1928. Mas Fisher tinha um problema, e em 1930, este estava a piorar.

Como licenciado invulgarmente talentoso em Yale, esperava-se que fizesse um doutoramento em matemática, mas um encontro de Verão com um ensaio sobre o novo marginalismo de Rudolf Auspitz e Richard Lieben transformou-o num estudante de economia. A sua dissertação [doutoral de 1892], Mathematical Investigations of the Theory of Value and Price, foi supervisionada por J. Willard Gibbs (1839-1903), o inventor da mecânica estatística e o maior cientista americano da sua época. Catapultou Fisher para as primeiras posições de liderança na análise de equilíbrio geral, numa liga a que pertenciam Walras e Francis Ysidro Edgeworth. Para ilustrar os seus princípios, Fisher construiu um elaborado modelo hidráulico repleto de roldanas e panelas, que foi acidentalmente destruído no seu caminho para ser exibido na Exposição Columbiana em Chicago, em 1893.

As controvérsias bimetálicas da década de 1890 levaram Fisher à teoria quantitativa da moeda, relativamente negligenciada desde a época de Adam Smith. Quando publicou The Role of Interest, em 1907, tinha lançado as bases da economia monetária moderna e tornou-se o primeiro grande economista americano.

Fisher sobreviveu a um surto de tuberculose e tornou-se um reformador: proibição, eugenia, modas alimentares, máquinas de ozono. O seu livro de 1911, The Purchasing Power of Money, fez dele uma figura pública, bem como presidente da Liga do Dinheiro Estável. Em 1917, ele era presidente da Associação Económica Americana. Vendeu uma empresa que tinha fundado para fazer um sistema de preenchimento de cartões tipo Rolodex que foi um precursor da Remington Rand, em 1925. Comprou ações com os lucros, pediu dinheiro emprestado e comprou mais. Em 1929, valia 10 milhões de dólares.

Fisher tinha-se tornado o principal porta-voz do que se dizia ser uma Nova Era de avaliação da bolsa de valores. Quando Roger Babson, em Setembro de 1929, disse na Conferência Nacional de Negócios anual que se aproximava um crash, Fisher ligou para o The New York Times e marcou uma entrevista na qual assegurou aos leitores que as ações tinham atingido “um patamar permanentemente elevado”. Já tinham começado as chamadas de margem. Face ao desastre financeiro, Fisher pediu dinheiro emprestado à rica irmã da sua mulher na expectativa de que as coisas melhorassem. Não melhoraram.

Continuou a dar conselhos ao Congresso e a Hoover durante todo o tempo, visitando a Casa Branca no Verão de 1931. Exortou o Conselho da Reserva Federal a expandir a oferta de dinheiro em vez de permitir a sua contratação. No ano seguinte publicou Booms and Depressions, um pequeno livro em que, pela primeira vez, se expõe uma teoria de “dívida-deflação” da depressão que hoje parece estranhamente moderna. Após um período de excessivo endividamento, as dívidas tinham-se tornado desproporcionais a tudo o resto. A venda forçada face à má situação financeira tinha iniciado uma espiral descendente; o dinheiro e o crédito bancário tinham diminuído rapidamente. Só o banco central podia parar o processo, tal como Henry Thornton tinha argumentado 120 anos antes.

A principal contribuição deste livro é que as depressões são, na sua maioria, evitáveis e que a sua prevenção requer uma política definida na qual o Sistema da Reserva Federal deve desempenhar um papel importante.

Era demasiado tarde. Em 1932, Fisher tinha perdido quase tudo. Considerou candidatar-se ao Senado a partir de Connecticut e decidiu-se não o fazer. Continuou a dar o seu testemunho no Congresso. Escreveu 100 cartas a Franklin D. Roosevelt durante os dez anos seguintes e recebeu 25 em troca. Aos olhos do público, tinha-se tornado uma anedota. Em 1938, tinha perdido grande parte da fortuna da sua cunhada. A universidade comprou a sua casa em 1940.

Fisher teve um sucesso importante nesses anos. Já em 1912, quando teve dificuldade em publicar um artigo que combinava um elevado nível de análise estatística com matemática e teoria, tinha previsto a necessidade de um esforço interdisciplinar para ser pioneiro de uma nova economia quantitativa. Quando um abastado ex-aluno de Yale chamado Alfred Cowles o visitou em 1930 para lhe perguntar o que poderia ser feito para evitar uma futura depressão, Fisher convenceu-o a financiar a criação de um corpo de elite de economistas para prosseguir e combinar os métodos mais recentes. Juntou Keynes, Schumpeter, e vários membros de uma geração mais jovem que incluía o norueguês Ragnar Frisch. Juntos fundaram a Sociedade de Econometria, em 1932. A Sociedade desempenhou quanto à economia apenas um pequeno papel no que aconteceu a seguir, nos anos após a Segunda Guerra Mundial. Desde a década de 1960, porém, tem desempenhado um papel crescente.

 

Desenho Institucional?

Olhando para trás, as ideias dos economistas parecem hoje mais poderosas do que alguma vez foram na altura. A responsabilidade de lidar com a Grande Depressão tal como ela se desenrolou recaiu sobre homens e mulheres práticos a todos os níveis – acima de tudo, sobre os funcionários eleitos e os altos funcionários públicos que eles nomearam. Destes, destacam-se, em especial, três:

O primeiro foi, evidentemente, o presidente recém-eleito. Roosevelt tinha feito campanha com base numa promessa de equilíbrio orçamental, mas quando assumiu o cargo no sábado, 4 de Março de 1933, a nação estava de rastos. Bancos em várias regiões do país tinham estado em apuros desde o início. Mas desde uma reunião altamente divulgada com o objetivo de tranquilizar o público após o crash de 1929, os bancos de Nova Iorque tinham permanecido abertos. A ameaça de uma corrida contra eles tinha-se reacendido em Janeiro de 1933 e no interregno entre as eleições e a tomada de posse, os conselheiros de Roosevelt instaram-no a esperar, esperando que o mero ato de tomar posse restabelecesse a confiança. Em vez disso Roosevelt declarou um feriado bancário, fechando todos os bancos durante oito dias, e ao mesmo tempo declarou que a nação deixaria de resgatar notas em troca de ouro. A Bolsa de Nova Iorque fechou em alta de 15 por cento no dia seguinte. No domingo seguinte, 12 de Março, em The Banking Crisis“, a primeira “conversa” do que ficou conhecido como as suas “conversas à lareira”, Roosevelt explicou o que tinha feito.

Antes de mais, deixem-me afirmar o simples facto de que quando se deposita dinheiro num banco, o banco não coloca o dinheiro num cofre de depósito seguro. O banco investe o seu dinheiro em muitas formas diferentes de crédito – em obrigações, em papel comercial, em hipotecas e em muitos outros tipos de empréstimos. Por outras palavras, o banco põe o seu dinheiro a trabalhar para manter as rodas da indústria e da agricultura a rodar. Uma parte relativamente pequena do dinheiro que é colocado no banco é mantida em moeda – uma quantia que em tempos normais é totalmente suficiente para cobrir as necessidades de dinheiro do cidadão médio. Por outras palavras, o montante total de toda a moeda no país é apenas uma proporção comparativamente pequena do total dos depósitos em todos os bancos do país.

O que aconteceu, então, durante os últimos dias de Fevereiro e os primeiros dias de Março? Devido à confiança minada por parte do público, houve uma pressa geral de uma grande parte da nossa população em transformar os depósitos bancários em moeda ou ouro – uma pressa tão grande que os bancos mais sólidos não conseguiam obter moeda suficiente para satisfazer a procura. A razão para isto era que naquele momento era impossível, é claro, vender ativos perfeitamente sólidos de um banco e convertê-los em dinheiro, a não ser que fossem vendidos a preços de pânico muito abaixo do seu valor real. Na tarde do dia 3 de Março, há uma semana atrás, na sexta-feira anterior, praticamente nenhum banco do país estava aberto para fazer negócios.

Roosevelt tinha fechado os bancos para parar a corrida. O Congresso tinha autorizado uma nova moeda, já não apoiada em promessas de convertibilidade em ouro. A Agência de Gravação já estava a enviar notas para os doze bancos regionais da Reserva Federal. Eles começariam a fornecer dinheiro aos bancos locais no dia seguinte. Quando os maiores bancos começaram a abrir as suas portas na terça-feira, Roosevelt disse: “Nenhum banco sólido [será] um dólar pior do que quando fechou as suas portas na semana passada”. O New Deal começou com um fim autoritário a um pânico bancário a nível nacional.

O segundo homem prático de grande influência foi Carter Glass, senador da Virgínia, um dos autores da medida de 1913 que criou o Conselho da Reserva Federal. Ele foi fundamental na passagem, em Maio, da Lei Bancária de 1933, que continha duas disposições importantes que acalmaram ainda mais a situação. Criou a Federal Deposit Insurance Corporation, que garantia a segurança das contas de depósito nos bancos membros; e separou as atividades dos bancos comerciais envolvidos na gestão da dívida dos consumidores de baixo risco das atividades das empresas de títulos de risco. Esta última parte da lei ficou rapidamente conhecida como Lei Glass-Steagall, com referência aos seus dois patrocinadores Glass e o Congressista Henry B. Steagall do Alabama, ambos legisladores com longa experiência.

Roosevelt e o Congresso fortemente democrata que tinha sido eleito em 1932 aprovaram tanta legislação que é difícil saber o que realmente era mais importante. Alguma da legislação aprovada falhou claramente – a Lei Nacional de Recuperação Industrial, em particular. Alguma outra teve resultados mistos: a Lei de Ajustamento Agrícola estabilizou a produção de alimentos, mas favoreceu fortemente os grandes agricultores em detrimento dos pequenos. Outras medidas tiveram sucesso – a Securities and Exchange Commission, o Civilian Conservation Corps, a Tennessee Valley Authority.

Tudo menos desapercebida foi a nomeação, em 1934, de Marriner Eccles como presidente do Conselho da Reserva Federal. Eccles era um banqueiro de sucesso em Utah, que, na década de 1920, tinha inventado a sociedade holding bancária. Tinha aderido à leitura subconsumista de Foster e Catchings e tornou-se um apaixonado defensor das despesas compensatórias do governo. O economista da Universidade de Chicago (e mais tarde senador) Paul Douglas descobriu-o em Utah, e Rexford Tugwell, um dos conselheiros económicos de Roosevelt, trouxe Eccles para Washington. O Secretário do Tesouro Henry Morgenthau colocou-o no Tesouro. Roosevelt gostou dele e nomeou-o para chefiar o FED.

Eccles foi a terceiro homem prático de grande importância. Concordou em aceitar o trabalho na condição de ser autorizado a reestruturar o Fed. O Fed era uma nova organização, explicou ele, ainda a aprender quais os seus poderes e limitações, e a sua conduta na Depressão tinha sido profundamente insatisfatória. O próprio Conselho nomeava presidentes em cada um dos doze bancos, mas o verdadeiro poder era investido nos principais executivos dos bancos, designados “governadores”, e escolhidos pela comunidade bancária local.

As coisas tinham corrido bastante bem tanto enquanto Ben Strong foi governador do poderoso banco de Nova Iorque, disse Eccles a Roosevelt. (Isto a partir do registo indispensável da carreira de Eccles em The Vital Few: The Entrepreneur and American Economic Progress, do historiador económico Jonathan Hughes). Strong tinha muita experiência; considerava os doze bancos de reserva como onze a mais; tinha o ouvido do Tesouro e do Presidente quando precisava. Mas Strong morrera em 1928. Foi substituído por George Harrison, um banqueiro muito mais tímido que gozava da proteção de nada mais nada menos que Carter Glass. Os governadores de outros bancos regionais eram livres de fazer o que quisessem, incluindo reter fundos do Comité Federal de Mercado Aberto quando este pretendia expandir o crédito bancário. Como Eccles escreveu,

Não poderia ter sido concebida uma forma mais eficaz de tornar difusa a responsabilidade e de ter como resultado o encorajar a inércia e a indecisão, do que o que tinha sido feito até aí.

Roosevelt gostou da sua audácia. Eccles não escreveu um livro sobre a Grande Depressão; ele escreveu um estatuto (com a ajuda do jovem economista Currie, de Harvard, que recrutou do Departamento do Tesouro). A Lei Bancária de 1935 reorganizou completamente a governação do Fed e transferiu o seu controlo de Nova Iorque para Washington. Eliminou os presidentes dos bancos regionais e rebaixou os seus “governadores” para presidentes, estando as suas nomeações sujeitas à aprovação do renomeado Conselho de Governadores da Reserva Federal. Conferiu ao Conselho a responsabilidade pela condução da política monetária, aumentando e baixando as taxas de juro através da compra ou venda de títulos do governo no mercado obrigacionista, e autorizou o banco central a emprestar contra qualquer ativo digno numa emergência. O Senador Glass lutou arduamente contra a medida. De Harvard, Schumpeter juntou-se a outros que escreveram para dizer que a aprovação de tal medida provocaria um desastre porque convidaria os bancos a concederem empréstimos imprudentes (o mesmo argumento que Thomas Hankey tinha apresentado a Walter Bagehot sobre empréstimos de emergência do Banco de Inglaterra sessenta anos antes). Mas a Lei Bancária de 1935 foi aprovada e passou a ser lei e ficou, na sua maioria, inalterada durante 65 anos. Em 1982, o Fed, sob a direcção de Paul Volcker, renomeou o seu edifício sede como Edifício Marriner Eccles.

 

Economistas entre Dois Mundos

Há poucos prazeres maiores para um jornalista financeiro do que esgaravatar na história da Grande Depressão. Os contornos são claros; os detalhes são conhecidos: há excelentes biografias de todos os principais intervenientes. A uma distância de oitenta anos, é impressionante ver como eram os tempos de então. Keynes, Hayek, Schumpeter e Fisher nasceram todos no século XIX. Ouviram gravações de Caruso e usavam botas de cano alto. Keynes e Schumpeter estavam perto dos cinquenta anos quando a crise começou; Fisher tinha sessenta e dois anos. Nenhum senão Hayek viveu para ver o boom do pós-guerra que se tornou o facto dominante das vidas das várias gerações seguintes. Keynes morreu em 1946, Fisher em 1947, Schumpeter em 1950.

Todos os quatro tinham algum pedaço da verdade. Três deles transportaram as bandeiras dos três pontos centrais nos trabalhos de investigação de Adam Smith: Hayek, a de equilíbrio geral; Schumpeter, a do crescimento; Fisher, a do dinheiro. E se Keynes inventou algo novo, macroeconómico, ou seja, o estudo do comportamento da economia como um todo, na esperança de diminuir as suas perturbações, isso parecia suspeitosamente como algo antigo – a visão mais vaga, algo orgânica da economia que Smith tinha suplantado com a sua Riqueza das Nações, o sistema do reformador inveterado que foi Sir James Steuart, que pensava que a nomeação de “estadista” para supervisionar o sistema bancário de uma nação era um ponto de partida.

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Nota

[1] N.T. Editado em português com o título Keynes/Hayek, O Confronto que Definiu a Economia Moderna, editado por edições  D. Quixote


O autor: David Warsh [1944-] é um jornalista e autor estado-unidense que tem geralmente abordado tópicos em economia e finanças. Desde 2002, escreve e publica no seu próprio sítio web, Economic Principals, uma série semanal de ensaios sobre economia e economistas.

 

 

 

 

 

 

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