CARTA DE BRAGA – “da palavra e da representação” por António Oliveira

Hoje a política quase se poderia explicar como a arte de encenação e da representação, pelo tom gongórico do discurso, pelo recurso a palavras de sentido rebuscado, com acompanhamento de gestos bem estudados e, se calhar, bem treinados, para evitar mostrar tudo aquilo que um qualquer adversário tenha em vista atacar ou desfazer. 

Mas, contrariamente ao que a maioria desses ‘quase’ actores acredita, a generalidade dos pobres pagantes já vai vendo isso tudo como inofensivo, mesmo medíocre e banal e, a ter em conta o que se vai ouvindo nos bares e cafés, perguntando a quem servirá tal dramatização; os resultados das estatísticas e das sondagens, demonstram bem a incredulidade e a descrença que até os levam a mudar de canal, para ver se aparece algo mais interessante; dispenso-me de acrescentar alguns comentários também já ouvidos, por não ser este o lugar para tal. 

Acontece que até parece não termos nada para dizer agora, sobre o aumento da renda ou da hipoteca da casa, dos combustíveis, da luz e da qualidade da informação que temos, por parecer também que a nossa voz não tem qualquer importância; a única coisa válida é sabermos que, de quatro em quatro anos até ver! podemos votar num dos partidos políticos que se vão mantendo, apesar das questiúnculas internas ou arranjadas por outrem podem pensar em quem quiserem ou no que  acreditarem!  e esse é o retrato da nossa participação política, aliás bem longe de uma participação real, num regime democrático pensado do povo e para o povo. 

É um sistema baseado na nossa incapacidade total de o alterar, como meninos devidamente amparados e tutelados, para não fazermos ‘asneiras’ num mundo onde se decide por nós porque, se o fizéssemos, teria de ser modificado tal sistema, bem como a organização do acesso aos recursos materiais e culturais. Sem isso e assim, o sistema continuará a funcionar, mesmo com uma ‘elite’ dirigente, distribuída pela administração, justiça e informação, que se mantém e alimenta em conjunto, para evitar que o sistema entre em insolvência. 

Parece estarmos ‘fadados’ para a felicidade de ser, apenas e só, um medíocre! Mas um medíocre anónimo, que aceita e não recusa o lado bom da sua situação, entre o salário mínimo e o ‘mileurismo’, apesar de ser licenciado, lutar afanosamente pelo êxito profissional a tão falada meritocracia, ou aproveitar a liberdade da condição de anónimo, para orientar a própria vida, seguindo mesmo o tal ‘empreendorismo’, com o conhecimento antecipado de nada vir a ecoar na sua condição social. 

De qualquer maneira, até se pode acordar com a intenção de dizer sempre a verdade, nem maltratar aquele que todos os dias nos ‘chateia’, ou invadir-lhe o território para provar ao mundo a sua inutilidade, mas para além do optimismo ou pessimismo com que começamos o dia, estão as convicções que nos fazem andar e nos põem à frente dos olhos a esperança ou até a utopia, aquela a que não podemos renunciar; por aqui não haver nem haverá nunca o discurso gongórico, nem qualquer representação, por também nem haver palavras! 

No sua melhor obra, ‘Memórias de Adriano’, Marguerite Yourcenar pôs na boca do imperador esta declaração simples, livre de termos rebuscados, mas que até parece indicar o caminho de cada um, ‘O nosso verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos, pela primeira vez, um olhar de inteligência sobre nós próprios’.

Talvez a propósito e, se calhar, a confirmar estas palavras, li já lá vão algumas semanas, a curta frase de um negro ex-emigrante, agora festejado cozinheiro em Paris, ‘A liberdade começa quando encontras felicidade no que fazes’ e, uns dias antes, uma outra afirmação do cantor brasileiro Toquinho, acompanhante que foi de Vinícius de Morais, ‘A vida ensina-me, por não gostar dessas coisas dos bons velhos tempos, nem disso de que quanto mais sei mais sei que nada sei, só sei o que sei e amanhã poderei saber mais ou não. Aproveito o passado, mas não vivo nele, é o passado que vive em mim’.

Avé Toquinho!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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