9. Entrevista conduzida por Sylvain Cypel
Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Enquanto era director do centro para a engenharia financeira da Universidade de Columbia em Nova York, o director de investigação do CNRS, Rama Conti , conduziu audições em 2010 no grupo de trabalho do Federal Reserve (Fed) sobre a transparência dos mercados financeiros.
E preparou uma série de estudos sobre a transparência nos mercados de produtos derivados, conjuntamente com o Professor Marco Avellaneda (New York University) incluindo as recomendações quanto às medidas a tomar. Os maiores bancos internacionais (incluindo Société Générale e BNP Paribas), os reguladores dos EUA (Fed, SEC, CFTC) e importante fundos de investimento participaram neste trabalho.
Sobre as manipulações da taxa Libor, Robert Reich, ex-secretário do trabalho de Bill Clinton, fala de um “golpe de proporções cósmicas”…
Ainda não se conhece a magnitude da fraude para além do Barclays, mas os maiores bancos são citados. Relativamente ao caso de Kerviel, por exemplo, está-se agora numa escala muito maior. A manipulação da taxa Libor mudou os lucros e os balanços dos bancos, que a esta estão ligados, o que é semelhante a uma situação de fraude. Acima de tudo, a responsabilidade situa-se necessariamente ao mais alto nível. Se nenhuma penalidade é aplicada, isto será então muito grave.
Dois dirigentes do Barclays demitiram-se…
Se alguém manipulasse a caixa preta de um avião para alterar os seus dados, considerar-se-ia suficiente que ele se demitisse ou seria ele levado a Tribunal?
Porque é que o caso é tão importante?
O mercado de contratos de dívida indexados à Libor – London Interbank Offered Rate, ou seja, a taxa interbancária – atinge cerca de 450 milhões de milhões de dólares (366 085 mil milhões de euros). Esta taxa é tão importante que um dispositivo para a sua substituição está previsto a 150 km da City, para que a Libor continue a ser fixada diariamente em caso de ataque ou de ameaça importante, para evitar o cataclismo que iria gerar uma interrupção das operações interbancárias, mesmo um só dia que fosse.
Quem calcula a Libor, como e para quê?
A Libor é uma taxa de referência interbancária diária publicada pela Associação dos Banqueiros britânicos (BBA), que delega o cálculo à Agência financeira Thomson Reuters. Esta agência recolhe todos os dias junto de 18 dos principais bancos o nível das taxas de juro a que estão disponíveis para contrair empréstimos, elimina os quatro valores mais altos e os quatro valores mais baixos e calcula a média dos valores restantes: esta é a taxa Libor. Uma manipulação significativa desta taxa necessita pois de um concluio de pelo menos um quarto dos bancos do painel.
Estas taxas interbancárias têm duas funções: elas determinam os juros dos empréstimos e de outros contratos de dívida e também fornece uma indicação do bom ou mau estado financeiro do sector bancário (o seu risco de crédito). Mas, ao contrário das taxas de mercado, determinadas pela oferta e pela procura, as taxas monetárias dos bancos são puramente declarativas .
Nos mercados de dívida interbancárias, o preço de mercado não é transparente: o investidor não pode saber o que paga o seu vizinho sobre um contrato similar… Ora os montantes são tais que manipular as taxas de alguns centésimos de pontos pode gerar lucros fabulosos .
No caso da Libor, os actores desses mercados compreendiam eles que havia manipulação?
Eu não diria isso. Os episódios de 2005 e 2008 são de natureza diferente. Em 2005, pode-se pensar que se trata de uma fraude do Barclays – os traders reclamavam à sua tesouraria que fornecessem estimativas enviesadas à BBA para se gerarem movimentos de taxas a seu favor – até mesmo para outros bancos, que procedam da mesma forma. Mas no final de 2008, veio a crise, os banqueiros precisam todos eles de mostrar uma taxa inferior à taxa realmente usada para mostrar que estão financeiramente de boa saúde. Enquanto que os observadores atribuíam um risco de incumprimento importante aos bancos, a taxa Libor permanecia em níveis baixos.
Um elevado número de actores dos mercados começaram a estimar que a Libor tinha perdido a sua fiabilidade. Alguns bancos, manipulavam o termómetro e faziam-no de tal forma que este nunca indicasse o estado febril do doente. Estas manipulações só podem ser o resultado de um conluio entre os bancos que partilham interesses comuns.
Houve tentativas de introduzir mais transparência?
Em 2010, o grupo de trabalho do FED apresentou recomendações para tornar os mercados de produtos derivados mais transparentes. Os responsáveis pelas plataformas electrónicas, [uma espécie de bolsas secretas num mercado que ser transparente! NT] onde os bancos negoceiam as suas operações de swaps garantiram-nos que aí não havia nenhum obstáculo para aplicar, numa base diária, por exemplo, uma média ponderada dos preços das transacções ou um índice das reais taxas cobradas pelos bancos, o que complementaria as suas taxas declarativas.
Isto teria constituído um progresso. Os fundos de pensão e os fundos de investimento, tais como o fundo Pimco ou Citadel também eles estavam a favor. Bastava que os reguladores o exigissem.
Mas quando as transações são transparentes, a concorrência leva naturalmente a que se verifiquem taxas mais baixas. A opacidade actua a favor das margens dos agentes que fixam os preços de mercado. Resultado: mesmo a esta modesta proposta, os bancos obstinadamente rejeitaram-na.
Será que se poderia melhorar a situação actual?
A maioria dos bancos do mundo inteiro indexam as suas taxas sobre a Libor. Será necessário, pelo mínimo publicar indicadores que tomem como base as taxas realmente praticadas sobre as operações realizadas. Mais de 40% das transacções monetárias interbancárias realizam-se em Londres e em Nova York. Se as taxas reais praticadas fossem tornadas públicas, uma clara diferença entre as duas taxas seria um alerta imediato para os reguladores e os investidores.
Se a Grã-Bretanha e os Estados Unidos impusessem um grau de transparência nos seus mercados interbancários, as outras praças financeiras fariam o mesmo. Mas a vontade parece faltar aos reguladores. Ora é a falta de transparência nesses mercados que torna possível a manipulação.
Propos recueillis par Sylvain Cypel