AS IRÓNICAS LIÇÕES DO BUNDESBANK – Primeira parte

Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota

Deus, se existe, escreve direito por linhas bem tortas ou escreve bem torto mas por linhas inversamente bem direitas, tal é a violência de tudo o que estamos a assistir. Tanto se nos faz, se Ele existe ou não e, na primeira hipótese, é-nos indiferente a forma de escrita então utilizada.

Os dois textos intitulados As irónicas lições do Bundesbank , parte I e parte II  fazem um todo e falam-nos sobre uma armadilha da história ou da história em que há dois pesos duas medidas. E vale a pena confrontar a inteligência de homens de 1975 com a de assassinos legalizados de hoje, como são quase todos os actuais dirigentes da União Europeia, com honrosas e muito raras excepções, mas que infelizmente não passam por Portugal. É um pouco de tudo isto que  está implícito nas As irónicas lições do Bundesbank – 1ª  e IIª Parte.

Júlio Marques Mota

As irónicas lições do Bundesbank – 1ª Parte

Joseph Cotterill

Uma imagem já granulada de alguns banqueiros centrais. Um aviso, em alemão, onde se lê “é de um amadorismo extremo  renunciar a esse mecanismo”.

O Banco Central  é o  Bundesbank, em  1975.

O “mecanismo” é a compra  de títulos  de dívida pública  para fazer descer  as taxas de juros, depois das ferramentas  normais do  banco central terem deixado  de funcionar naquele ano. Na verdade o Bundesbank comprou títulos num valor que terá sido na ordem de 1% do PIB alemão.

Não admira que a história esteja a ser utilizada para atacar a resistência do actual Bundesbank quanto à compra de títulos de dívida pública, ou até mesmo quanto à eventual flexibilização quantitativa, uma política monetária dita de  quantitative easing, pela parte do  BCE em 2012.

A analogia é apresentada pelo economista alemão Peter Bofinger e depois publicitada pela agência Bloomberg e que agora conduziu a um excelente texto  de  Evelyn Herrmann do BNP Paribas (que já tem a notoriedade de cobertura nos media):

Curiosamente, a informação daquele tempo sugere que o Bundesbank comprou títulos, porque as perspectivas económicas estavam-se a deteriorar  (o PIB diminuiu 0,9% naquele ano) e  temia-se  que se dessem novos aumentos nas taxas de juros a longo prazo (a partir de uma média de 10,4% em 1974) que estas ameaçassem o crescimento e gerassem uma espiral inflacionista .

A procura  por títulos de dívida pública por períodos de maturidade mais longos caiu vertiginosamente  no Verão de 1975, e em  que  os investidores temiam que a inflação disparasse  e que neutralizasse os ganhos que iriam  receber  pelos seus investimentos. Os relatórios  da época sugerem que o Bundesbank comprou títulos de dívida pública de um prazo de vencimento a 6 anos e até mesmo de maturidades mais longas.

Note-se  que as compras de títulos da dívida pública   eram  contrários ao que estipulava os estatutos do Bundesbank  porque esta compra  implicava a monetização da dívida. Além disso, os próprios  responsáveis políticos  tinham-se oposto a esta acção do   Bundesbank . Mas o Presidente do Bundesbank Karl Klasen tinha anunciado “acidentalmente” as compras de títulos numa conferência de imprensa e então tinha que arrancar  com esta política.

Assim,  o Bundesbank teve que ajustar suas próprias regras. Helmut Schlesinger, conselheiro e chefe economista do Bundesbank, na época, justificou a acção política da seguinte forma: “nós só podemos levar a cabo uma  política “open market”  afim de regular o mercado   monetário, mas não para financiar o défice  público”. Por  outras palavras, o Bundesbank necessitava   de comprar títulos da dívida pública  afim de manter o canal de transmissão da política monetária. O Bundesbank havia estabelecido uma meta de crescimento monetário para o ano em questão e pela primeira vez ,  enquanto  que ele corria o risco   de não o alcançar  (a massa monetária   abrandou para  um crescimento de 5,7% em Maio de 1975, abaixo da meta para o ano  e que estava  estimada em   8% .

Uma meta de crescimento da massa monetária  que era ela radical naquela época como o  observou  Adam  Posen em 1997.

A história aparece para alguns pretensos defensores  da ortodoxia do Bundesbank  como sendo o que é… uma tradição inventada.

Mas o que ela nos questiona  é então se devemos mesmo ter de citar e de descrever  o que  aconteceu em 1975  no  Bundesbank, para justificar o que o Banco Central Europeu poderia fazer em 2012? O BCE é o próprio banco central, e disto estamos todos certos.

O Bundesbank deparou-se com o colapso de Bretton Woods e com a  estagflação em meados da década de 1970. Ele ainda dependia de protecção política para conseguir  assumir    a independência que ganhou, em teoria, em 1957. Pode-se ver que os banqueiros centrais estavam nervosos – sem  isso mais parece  um  grande acordo realizado por  mérito – sobre o impacto inflacionista  da compra  de títulos, que eles tinham rapidamente concluído.

O BCE enfrenta a possibilidade muito real de deflação em 2013. O problema da taxa de  transmissão enfrentado pelos bancos centrais inclui o  medo  de que  se vá a caminho da  implosão  num bom conjunto  de dezassete  políticas monetárias  separadas   num  futuro bem próximo, também. Estes são tempos extraordinariamente muito difíceis, mais do que nunca  a justificar políticas que fundadamente já deveriam  fazer parte do mandato do BCE e serem  a sua alçada de segurança nas condições financeiras para a zona euro como um todo. Não é  mesmo necessário  ‘desrespeitar’ as regras, como o banco central alemão também o pensou, quando assim decidiu e fez o que fez em 1975.

E é o que, aliás, os bancos centrais tem feito porque precisamente esta  é desde sempre uma  razão  de ser de qualquer banco que seja banco central.

Assim o conhecimento do verdadeiro legado do Bundesbank é absolutamente fantástico. Mas pode-se nem sequer  precisar  de o conhecer para se ganhar  na sua argumentação…

Joseph Cotterill , Ironische Bundesbank lessons, 7 de Agosto  de 2012

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