Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Syriza deve ficar à esquerda da linha – o que está em jogo é bem mais do que a própria Grécia
Bill Mitchell, Syriza must stay left of the line – more is at stake than Greece
Bilbo Economic Outlook, 24 de Março de 2015
(continuação)
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Nesse sentido, veja-se a recente carta escrita pelo funcionário da Comissão Europeia (um tal Declan Costello) ao governo grego.
O artigo de Irish Times (20 de Março de 2015) sob o título –O mandarim da EU, Declan Costello, enfrenta a cólera dos gregos por causa da carta ‘ultimato’ que lhes escreveu – descreve o que aconteceu.
Eu gosto do termo “mandarim” para dar a impressão de importância da pessoa em questão. Carneiro, disfarçado de cordeiro está mais perto da realidade.
Costello é, na verdade, um elemento da equipa da Troika que acompanha a Grécia. A bota pesada de Bruxelas.
O jornalista Paul Mason viu evidentemente o texto da carta e explica nesse artigo – não aprovem uma nova lei de combate à pobreza, diz a Comissão à Grécia – e no seu texto diz-se:
Durante a nossa Teleconferência de ontem à noite, mencionaram a apresentação ao Parlamento grego, amanhã, do projecto de lei dito da ‘crise humanitária’. Também ouvimos que há outras iniciativas políticas, incluindo a lei de regime de pagamento de prestações, que estão na calha para levar ao em breve ao Parlamento.
Desejamos vivamente ter primeiro que tudo consultas prévias adequadas sobre estas políticas , incluindo sobre o facto de terem que ser consistentes e coerentes com os esforços das reformas. Há várias questões a serem discutidas e precisamos de o fazer dentro de um pacote coerente e abrangente.
Fazê-las de uma outra forma seria estar a proceder unilateralmente e aos poucos de uma maneira que se torna incompatível com os compromissos assumidos, incluindo para com o Eurogrupo como se expôs no comunicado do 20 de Fevereiro.
Por outras palavras, o que se quer dizer com isto é que o governo grego eleito democraticamente – vá para a sua casinha, faça as coisas como a EU quer que sejam feitas e não como os eleitos se consideram mandatados pelo voto popular para o fazer !
A Lei em questão, tem como finalidade fornecer a electricidade gratuitamente aos agregados familiares empobrecidos e atribuir alguns apoios de rendimento a outras famílias pobres e sem abrigo.
O jornal The Irish Times refere:
Costello é um dos mais poderosos burocratas na direcção de finanças da Comissão Europeia, mas é também um dos burocratas mais desprezados entre os gregos. Uma das primeiras coisas que Tsipras fez ao tomar posse do Governo foi decretar que os políticos eleitos já não se encontrariam perante mandarins não eleitos como Costello.
Aparentemente ele também escreveu outra carta, que foi extraviada e que dava a impressão de ter sido escrita pelo Ministro das Finanças grego, para o cercar e levá-lo a aceitar o inaceitável nas reuniões de crise em Fevereiro.
Além disso, Costello (um alto quadro na direcção de finanças da Comissão Europeia) é visto publicamente como defendendo ainda mais “vigilância” sobre as políticas económicas dos governos nacionais assim como sanções mais duras do que “levar uma dentada” e em que estas sanções podem ser invocadas mais cedo, antes mesmo que um governo determinar passar a agir de acordo com seu mandato eleitoral.
No mesmo registo, também disse em relação a mudanças na governança da UEM que “as propostas sobre a governança da UEM irão cuidar de política orçamental , bem como dos desequilíbrios macroeconómicos e da competitividade, mas também para além disso precisamos de alguma outra coisa para estimular o crescimento das nossas economias”.
Assim, as regras de política orçamental que a austeridade impõe não tem nada a ver com a condução do crescimento! Esse é a filosofia central da UE.
Esse tipo de disparates tornou-se a corrente principal nos economistas e nos políticos tanto quanto os movimentos sociais de cariz democrático actuais têm diminuído em peso e têm-se transformado em sombras do que foram estes mesmos movimentos em décadas passadas.
Notermans considera que a década de 1970 pode ser considerada como o ponto de ruptura da “era dourada” dos partidos social-democratas, porque eles eram:
… incapazes de fornecer um programa de política económica que possa eficazmente atacar a estagnação, o desemprego e a desigualdade. Ao invés de fornecer um remédio eficaz contra o desemprego em massa, as políticas sociais-democráticas praticadas pareciam antes tornarem as coisas piores. Melhorar o rendimento do trabalho e alargar o regime do Estado-Providência passaram a ser consideradas como uma ameaça à prosperidade do sector empresarial de que o bem-estar do trabalho dependia, em última análise.
Esta é uma reivindicação muito polémica e precisa de ser analisada mais profundamente. Farei isso ao longo dos próximos meses.
(continua)
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Para ler a Parte I deste trabalho de Bill Mitchell, Syriza deve ficar à esquerda da linha – o que está em jogo é bem mais do que a própria Grécia, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
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Pode ler o original de Bill Mitchell em:
http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=30500