Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Votar PS? Impossível desde que em 2005 deu o seu Sim ao TCE
Resposta a Jérôme Leroy
Régis de Castelnau, Voter PS? Impossible depuis 2005 et son «Oui» au TCE – Réponse à Jérôme Leroy
Causeur.fr, 29 de Maio de 2015
O meu camarada Jérôme Leroy[1] acaba de mostrar quem é numa questão politicamente importante. Anunciando-nos nestas colunas “votar PS, nunca mais o farei! ” Deixará de respeitar “a disciplina republicana”. Pois bem, já era tempo! Certamente, ele diz-nos ter já dado prova de uma paciência infinita mas compondo ligeiramente a História. Primeiro de onde é que surge esta “disciplina republicana”? Esta é utilizada na acepção de Jérôme desde a assinatura do programa comum em 1972. E durou a seguir, essencialmente por razões alimentares. Esta permitia desistências, mas também a criação de alianças para conservar colectividades locais bem úteis à reprodução das organizações e à manutenção de diversos membros permanentes. Não era desonroso e permitia arranjar “um comunismo municipal” que podia ter às vezes muito boas práticas, muito bons resultados sociais. Mas, se mudamos de perspectiva olhando um pouco para a História a mais longo prazo, constata-se que há muito tempo que esta disciplina republicana já deveria ter sido abandonada.
Sem estarmos a querer analisar a situação ao pormenor, ao tempo da guerra de Espanha, a proibição do Partido Comunista em Setembro de 1939, o voto de plenos poderes a Pétain no dia 10 de Julho de 40, a ruptura de 1947, a guerra da Argélia, vê-se efectivamente que “a disciplina republicana ”quimicamente pura é primeiramente a criação “da União da Esquerda” em 1972 e que assumiu o poder. E assim até 1977, com a ruptura do programa comum. A desistência a favor de François Mitterrand na segunda volta das presidenciais de 1981 foi forçada, de maneira cómica. Consequência da muito dura derrota na primeira volta, derrota esta que foi o primeiro passo para o desmoronamento. Estou bem posicionado para saber. Bastante bem colocado para saber quais eram as instruções que eram dadas pela direcção do Partido, nos bastidores …
Ao longo da sua história, os socialistas sempre capitularam primeiro para traírem depois. Desde 1983 e “o momento de viragem para o rigor”, para a austeridade, a capitulação é definitiva. As coisas são claras. Na recente polémica – onde o PCF pediu choramingando desculpas a François Hollande por este ter dito que a leitura do programa da FN dava a impressão de ser um folheto do Partido Comunista dos anos 70 –, não houve muita gente a reparar que François Hollande tinha razão. E o oportunismo cínico dos líderes da Frente Nacional não é aqui o tema. Mas também não houve ninguém a dizer que se lia a mesma coisa nos folhetos do PS dessa altura… Quem é que mudou, quem é que traiu? Felizmente que Lionel Jospin não foi eleito Presidente da República em 2002, pois este teria seguido muito provavelmente Georges Bush no Iraque no ano seguinte. Capitular, trair os seus compromisso, com os socialistas já se ganhou o hábito. Então, poder-me-ão dizer que a disciplina republicana é susceptível de se aplicar caso a caso e que contrariamente ao que diz Jérôme Leroy, Rebsamen e Macron não são talvez os piores.
Mas eis que temos agora um enorme osso espetado na garganta. Há precisamente dez anos, a 29 de maio de 2005, realizou-se um referendo. Os Franceses eram consultados para saber se queriam ratificar o tratado constitucional europeu. O Partido Socialista tinha escolhido oficialmente fazer campanha pelo “ sim”. Com o conjunto dos meios de comunicação social, com a intelligentsia autorizada, das elites universitárias, numa incrível irrupção em que aqueles que se opunham ao referendo – ou simplesmente se punham questões – eram tratados de imbecis quando não eram tratados de nazis. E vive-se então um povo em que se anunciava nas sondagens algumas semanas antes do voto, que 60% para “o sim” e que iria ainda disparar para valores bem mais altos. E responderam não 55%, levando a que as elites ficassem pálidas com estes resultados e a regressarem as suas bem caras análises. Para mim, que já perdi tantas eleições na minha vida, foi um belo dia.
E é aqui que o partido socialista fez o pior. A capitulação e a traição estão na sua própria natureza, e não é o único partido a ser assim. Mas pior ainda, é que batido de forma leal e legal, preferiu pisar aos pés a democracia, negar os seus princípios, e às claras cometer uma deslealdade.
Nicolas Sarkozy, na sua campanha para as presidenciais de 2007, tinha anunciado a elaboração “de um novo tratado” gémeo do precedente, e que este seria ratificado pelo Parlamento. Ele pelo menos tinha anunciado a cor. O problema, é que esta ratificação necessitava de uma reforma prévia da Constituição. E para esta ser efectuada por via parlamentar, precisa de uma maioria reforçada das duas câmaras reunidas em Congresso. Sem o contributo apressado do Partido socialista que lhe passa os pratos, Nicolas Sarkozy não teria podido reunir esta maioria qualificada e assim violar a vontade do povo francês claramente expressa no referendo. Este voto desenrolou-se no 4 de Fevereiro de 2008. Encontrar-se-á no Jornal Oficial os nomes do punhado dos socialistas que salvaram a honra recusando alinhar na infâmia.
Então, votar pelo PS, antes já era difícil, mas depois de 4 de Fevereiro de 2008 é definitivamente mais difícil do que nunca! No entanto muitos fizeram-no… No dia 6 de Maio de 2012, precisamente, escolheram para dirigir o país um apparatchik inconsistente de quem cada um conhecia o nível, o cinismo e sobretudo a natureza dos seus compromisso políticos. Toda a gente deveria saber que a catástrofe era inevitável. Quem é que podia acreditar “no Hollandisme revolucionário”? Que “a guerra à finança” não era mais que uma pequena graçola? Que Sapin, Moscovici, Rebsamen, Désir, Cambadelis e tantos outros fariam outra coisa diferente do que fazem? Que seriam outra coisa diferente do que são?
No dia 6 de maio de 2012, não deveria ter havido nenhuma questão quanto à disciplina republicana. A escolha estava entre dois cenários. Em primeiro lugar reconduzir Nicolas Sarkozy para fazer uma política que não teria podido ser pior do que a de François Hollande mas em condições diferentes. Ou seja com uma oposição ainda consistente. Hegemónica nas colectividades territoriais e solidamente implantada na sociedade civil. Isso defendia-se.
Ou, escolher François Hollande sabendo que era o passaporte para o agravamento da crise, para o desarmamento das lutas, que seria a forte expansão da Frente Nacional. Mas também o passaporte para a destruição desta esquerda e do seu Partido Socialista. O cúmulo do desastre. O trabalho já começou com as catástrofes das eleições locais. O descrédito é de tal forma enorme, de tal modo desmobilizador que é pouco provável que François Hollande esteja na segunda volta em 2017. Nicolas Sarkozy será reeleito presidente. A Frente Nacional terá cerca de 35%, e os socialistas terão entre trinta e cinquenta deputados nas legislativas seguintes. Só resta esperar que Sarkozy possa servir de amortecedor a esta brutal viragem à direita. É possível? Infelizmente, como o seu verdadeiro adversário será então a Frente Nacional, a sua tarefa prioritária será de a reduzir como tinha começado a fazê-lo em 2007. E isso não será colocando-se no centro-esquerda.
E é aqui talvez que finalmente tudo isto se pode tornar interessante. Para que possa emergir em França um movimento como Syriza ou Podemos, o dado preliminar que é a destruição deste partido socialista é então incontornável. E só depois é que nos poderemos ocupar da Frente Nacional. Os trabalhadores e os assalariados de execução dos serviços, ou seja as camadas populares, votam na Frente Nacional. É necessário retomar estes eleitores. Então, “uma aliança objectiva” sobre este ponto (e apenas sobre este ponto…) com o sarkozysmo?
Insuficiente?
Régis de Castelnau, Revista Causeur, Voter PS? Impossible depuis 2005 et son «Oui» au TCE- Réponse à Jérôme Leroy. Texto disponível em :
http://www.causeur.fr/2005-tce-ps-33035.html
*Photo : Wikipedia.org
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