CONTROLO PÚBLICO DA BANCA: Por que razão é necessário e que tipo de controlo é indispensável?
A banca ocupa um lugar central na concessão de crédito que é vital para o funcionamento de qualquer economia ou sociedade. No entanto, quando se fala de crédito pensa-me que ele se reduz ao credito bancário, mas isso não corresponde à verdade. Por isso, vamos analisar, utilizando dados recentes do Banco de Portugal, o grau de endividamento do país e qual a parte que foi financiada pela chamada banca residente, ou seja, aquela que opera no nosso país e tem aqui instalações permanentes. E isto porque assim ficará mais claro quer a importância da banca residente na concessão de credito quer os seus limites e, consequentemente, também os efeitos do controlo público da banca.
EM JAN.2016, A DIVIDA TOTAL DO SETOR NÃO FINANCEIRO ATINGIA 700.253 MILHÕES €, O QUE CORRESPONDE A 4 VEZES A RIQUEZA CRIADA ANUALMENTE EM PORTUGAL
Vamos começar por analisar o grau de endividamento do setor não financeiro, o qual inclui as Administrações Públicas (Central, Local e Regional), as empresas públicas, as empresas privadas e os particulares (famílias), para depois ver quem financia essa divida. Desta forma ficará mais clara a resposta à questão colocada no inicio. O quadro 1, com dados divulgados pelo Banco de Portugal no seu Boletim Estatístico de Março de 2016, permite fazer essa análise pois revela qual é a divida total do setor não financeiro, assim a forma como essa divida se reparte por entidades devedoras e também a alteração registada na sua estrutura entre 2007 (ano de inicio da crise) e 2016.
Quadro 1- Divida não consolidada do Setor não Financeiro
Entre Dezembro de 2007 e Janeiro de 2016, a divida total não consolidada do Setor não Financeiro aumentou de 551.628 milhões € para 700.253 milhões € (+148.625 milhões €) devido fundamentalmente ao aumento da divida das Administrações Públicas que passou, no mesmo período, de 138.060 milhões € para 291.437 milhões € (+153.377 milhões €). Em percentagem do total, a divida das Administrações Pública representava, em 2007, 25% da divida total e, em Jan.2015, 41,6%. Estes valores provam mais uma vez o total falhanço de politica de consolidação orçamental recessiva imposta ao país pela “troika” e pelo governo PSD/CDS, já que um dos objetivos principais era o controlo e a redução da divida publica. E o que aconteceu foi precisamente o contrário, a divida pública explodiu com tal politica.
Analisada a evolução da divida do Setor não Financeiro e a sua repartição por entidades devedoras, interessa agora saber quem financiou esta divida. O quadro 2, também com dados do Banco de Portugal permite fazer essa análise.
Quadro 2 – Entidades que financiam o Setor não Financeiro português – 2007/2016
A análise da divida total do Setor não Financeiro por fontes de financiamento leva à conclusão que o Setor financeiro, que é banca, já contribui com menos de metade do financiamento tendo mesmo perdido peso entre 2007 e 2016 pois, passou neste período, de 53,1% do total do financiamento ao Setor não Financeiro para apenas 43,6%; em contrapartida, o recurso a financiamento exterior (estrangeiro) aumentou de 23,7% do total para 30,9%, subindo assim a dependência e a exposição do país ao exterior e, consequentemente, a sua vulnerabilidade, tornado mais difícil a saída da zona do euro, se tal se vier a colocar. Revela também a incapacidade da banca residente para o fazer.
Um aspeto que interessa chamar a atenção é o aumento do financiamento das Administração Públicas ao Setor não Financeiro (entre 2007 e 2016) passa de 2,8% para 8,2%, que é fundamentalmente financiamento de entidades das Administrações Públicas a outras entidades das Administrações Públicas, o que significa que após a consolidação a divida efetiva das Administrações Públicas é inferior à que consta do quadro 1.
O FINANCIAMENTO DAS EMPRESAS PRIVADAS PELA BANCA
A repartição do crédito concedido pela banca às empresas por setores de atividade económica permite ficar saber que setores são promovidos e mais apoiados pela banca, e que setores são subvalorizados e mesmo asfixiados pela banca utilizando a “arma” do crédito. O quadro 3, com dados do Banco de Portugal, permite fazer essa análise.
Quadro 3- Crédito concedido pela banca às empresas privadas repartido por setores da atividade económica – 2007/2015
Em 2007, dos 242.311 milhões € de endividamento total das empresas privadas, como consta do quadro 1, o montante de 125.432 milhões € tinha como fonte credito concedido fundamentalmente pela banca. Se a analisarmos a repartição desse credito por setores de atividade económica conclui-se que os setores preferidos pela banca era a “Construção e o Imobiliário” que detinha 34,3% do total de credito concedido às empresas privadas, enquanto as “Industrias Transformadoras e extrativas”, os setores por excelência produtores de bens transacionáveis e base da industrialização do país, tinham apenas 14,7% do total de credito concedido às empresas. Portanto, muito menos de metade do recebido pela construção e imobiliário. E, em 2015, apesar destes dois setores de atividade deterem uma parcela inferior – 23% – essa parcela continua a ser ainda muito superior à detida por todas as Industrias Transformadoras (15,3%). Pode-se, com propriedade dizer, que a banca em Portugal sempre apostou nas atividades especulativas, pois é para elas que tem preferencialmente encaminhado uma proporção maior do credito que concede. Por isso, pode-se dizer que ela nunca esteve ao serviço do crescimento económico e desenvolvimento do país, orientando o crédito para aquelas atividades que maiores efeitos têm no crescimento económico sustentado do país.
EM JUN.2014, AS “IMPARIDADES” DE CRÉDITO ATINGIAM 42.285 MILHÕES €, UMA ENORME DESTRUIÇÃO DE VALOR CAUSADA PELA GESTÃO PRIVADA DA BANCA
Interessa, em primeiro lugar, dizer o que são “imparidades” para que o leitor não familiarizado com os conceitos bancários, compreenda rapidamente o significado do números que vão ser apresentados. De forma sintética pode-se definir “Imparidades” como o valor do crédito que foi concedido que não se recebe, e por isso se perde, ou então credito cuja probabilidade de não se receber é muito elevada. Quer num caso quer em outro dá origem a prejuízos. E os prejuízos resultantes de “Imparidades” têm explodido na banca portuguesa, e continuam a explodir fruto da politica de credito seguida até à crise, que apostou fundamentalmente em atividades especulativas como se mostrou, e após o inicio da crise na concessão de credito com base numa análise de risco pouco rigorosa ou mesmo sem qualquer análise de risco, assim como na má gestão e mesmo na gestão danosa que carateriza também a gestão dos bancos, que é escondido sob o manto da confidencialidade, e que continua a produzir elevadas perdas de credito e, consequentemente, prejuízos. O quadro 4, com dados do BdP, prova isso:
Quadro 4- Dados das Contas de Resultados consolidadas e dos Balanços consolidados do sistema bancário português – Dados do Banco de Portugal
Entre 2007 e Junho de 2014 (últimos dados disponibilizados pelo Banco de Portugal), os bancos em Portugal constituíram 37.248 milhões € de ”imparidades” (coluna 3 do quadro 4), ou seja, depois de analisar a situação dos devedores a quem concederam credito concluíram que 37.248 milhões € era credito que não se ia receber, portanto seriam perdidos. Mas em 2007, a banca já tinha nos seus balanços elevadas imparidades. Segundo o Banco de Portugal, no fim de 2007 as imparidades que existiam nos balanços dos bancos já atingia 6.764 milhões € (1ª linha da coluna 7 do quadro 4). Se somarmos a este valor as imparidades constituídas nos anos seguintes (2008 e seguintes) que totalizam 35.521 milhões € (ver coluna 3 do quadro) obtém-se 42.285 milhões € de “imparidades” (credito perdido ou que se prevê perder), um valor enorme, que representa uma enorme destruição de valor determinada pela gestão capitalista privada da banca.
Mas apesar de ter acumulado, até Junho de 2014, 42.285 milhões € de “imparidades”, no entanto os bancos tinham registado nessa data, nos seus balanços, apenas 21.776 milhões € (coluna 7 do quadro, linha refente a Junho 2014), o que significa que já tinham abatido nas suas contas 20.509 milhões €, fazendo assim desaparecer dos seus balanços, da sua rubrica de “credito concedido” e de “imparidades acumuladas”, 21.776 milhões € , considerando-os como definitivamente perdidos e fazendo assim a limpeza dos seus balanços. Uma parcela importante desde crédito que é anulado, e assim desaparece da vista pública, é registado numa conta fora do balanço denominada “Créditos abatidos ao ativo”, que todos os bancos têm, onde acumulam centenas de milhões € de créditos concedidos mas que depois não foram recebidos, muitos deles resultantes de atos de má gestão ou mesmo de gestão danosa, que o Banco de Portugal não investiga.
OS CUSTOS COM IMPARIDADES SÃO SUPERIORES AOS CUSTOS COM PESSOAL
Como revelam os dados do Banco de Portugal constantes das colunas (2) e (3), em vários anos os custos com as “imparidades”, ou seja, com o credito perdido foram superiores aos custos com pessoal. No período considerado (2007-Jun.2014), os custos com as “imparidades” causaram à banca a operar em Portugal um prejuízo de 37.248 milhões €, enquanto os custos com pessoal somaram, no mesmo período, apenas 30.909 milhões €. Eis uma outra consequência da gestão privada capitalista da banca. Apesar disso, os trabalhadores são o alvo preferido das administrações, e não as imparidades.
AS IMPARIDADES NOS PRINCIPAIS BANCOS QUE CONTROLAM 74% DO CRÉDITO CONCEDIDO EM PORTUGAL ATINGIRAM 33.742,1 MILHÕES € EM 2015
O quadro 5, com dados das contas dos próprios bancos, mostra a dimensão das “imparidades” em cada um dos 8 principais bancos (agora 7, o BANIF foi absorvido pelo Santander-Totta) que controlam cerca de 74% de todo o crédito concedido no nosso país.
Quadro 5- Volume de imparidades constituídas pelos 8 principais banco-período 2007/2015
No período 2008/2015, os oito principais bancos constituíram 23.810 milhões € de “imparidades”, devido a credito concedido que não é pago, que somadas às que existiam no fim de 2007 dá 33.742 milhões € de créditos perdidos, muito dele devido à má gestão ou mesmo gestão danosa de que não se pede responsabilidades. É uma enorme destruição de valor. Quantos hospitais, escolas, etc. se poderiam construir com este valor destruído pela gestão dos bancos? É uma reflexão que nunca é feita. Quanto se poderia poupar com uma melhor gestão da banca? Também é uma reflexão que nunca é feita.
Os dados do quadro 5 (as três colunas à direita) também revelam o valor dos créditos que já foram limpos e desapareceram silenciosamente dos balanços dos bancos no período 2008/2015. Para saber o seu montante basta deduzir às “Imparidades que deviam existir em 31.12.2015” (33.742,1 milhões €) as “imparidades existentes em 31.12.2015 “ (19.828,3 milhões €), o que dá 14.113,7 milhões €. Eis o valor de credito concedido que as administrações destes oito bancos fizeram desaparecer, através de uma limpeza geral, sem que o supervisor fizesse alguma coisa. Eis uma prova da gigantesca destruição de valor resultante da gestão privada capitalista da banca. O quadro 5, permite conhecer essa destruição individualmente por bancos, e para que se possa ficar com uma ideia mais precisa, calculou-se a percentagem em relação ao volume de credito concedido. E a conclusão que se tira é que as maiores destruições de valor, no período 2007/2015, se verificam, por ordem decrescente, no BANIF (15,2% do credito total), no BCP (13,02%), no Crédito Agrícola (10,61%), no Montepio (9,7%), no BES/Banco Novo (9,43%), na CGD (7,47%), no BPI (5,71%) e, finalmente, no Santander-Totta ( 4,25%).
UM CONTROLO PÚBLICO DA BANCA DIFERENTE DA GESTÃO CAPITALISTA DA CGD
Para pôr cobro à gestão capitalista da banca que tem destruído um valor gigantesco (42.285 milhões € até Jun.2014), incluindo na própria CGD (destruição de 7.027,7 milhões € até Dez.2015), que são valores pertencentes a quem depositou dinheiro ou aplicou dinheiro, pois contrariamente ao que muitos pensam ou dizem a banca não cria dinheiro, limita-se a emprestar o dinheiro que recebe, recebendo uma taxa de juro superior à que tem de pagar; repetindo, para cobro a uma gestão capitalista da banca que tem promovido também a especulação que existe mesmo na CGD (na CGD, são exemplos os empréstimos ao Joe Berardo no caso do BCP, ao Manuel Fino na Cimpor e mais recentemente ao BES/GES), é necessário o controlo público da banca, pois o Banco de Portugal é incapaz, como entidade de supervisão, de o fazer, sendo também incapaz de evitar a má gestão e mesmo a gestão danosa. Mas a nosso ver, para que a exigência do controlo público tenha credibilidade perante a opinião pública é necessário por cobro à gestão capitalista que tem existido na CGD, tudo idêntica à dos bancos privados. Numa altura em que a administração da CGD vai ser substituída, os partidos que apoiam o governo não se podem alhear desta questão, sob a pena da exigência do controlo público da banca perder credibilidade. A CGD não pode servir para dar emprego aos “boys” do partido do governo ou do “centrão”. É necessário colocar na CGD uma administração competente e identificada com os objetivos de recuperação da economia e do desenvolvimento do país. É preciso que se defina para a nova administração da CGD uma missão e objetivos quantificados claros, o que nunca existiu para a CGD. O que acontecer na CGD, pela sua dimensão e importância, será certamente um teste para esta nova solução governativa.
Eugénio Rosa, edr2@netcabo.pt , 25.3.2016