CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1.C- SOBRE LAUTENBACH: JÚLIO MARQUES MOTA PUBLICA A NOTA 2 DO TEXTO DE LAUTENBACH COMENTADA PARA UM AMIGO MEU – ANEXO. NOTA 2. – III

Selecção, tradução e comentários por Júlio Marques Mota. Revisão de Francisco Tavares.

1.C- Sobre Lautenbach: aqui publico a nota 2 do texto de Lautenbach comentada para um amigo meu[1].

ANEXO. Nota 2.

 

O texto em cada enquadrado é a explicação para os parágrafos que o antecedem.

(CONCLUSÃO)

Entre os não empresários uma qualquer mudança nos hábitos de poupança ou mesmo, por exemplo, uma mais rápida utilização dos seus rendimentos recebidos como salários no período de pagamento de salários poderia ser tomada em conta. Qualquer mudança na Administração Pública na relação entre a coleta das receitas e a utilização das mesmas, assim como com os bancos, deveriam ser tidos em conta como seria o caso se considerarmos as relações económicas externas, as operações de pagamentos internacionais fariam mudar a proporção entre as “receitas” face às “despesas”. E, no entanto, parece-nos adequado, por agora, ignorar estas mesmas mudanças. As mudanças dos não-empresários, por exemplo, porque estas são difíceis de enquadrar sob uma regra geral (ver, p 41 no original).

As mudanças ao nível do Estado, porque elas são, mais tarde, tratadas como mudanças especificas da atividade económica [deixemo-las de lado]. E as mudanças verificadas nos bancos, porque são apenas reflexo “de transações económicas de outros agentes ” ou são tão complicadas (ver p. 84), que são aqui referidas de forma rápida e serão mais tarde analisadas de forma adequada. Assim, as únicas mudanças que aqui retemos são as que apenas têm a ver com os empresários. Estas mudanças, estão para eles entre ” as mais típicas atitudes ” da sua atividade empresarial. Têm os meios.

Os empresários têm os meios de gerar as mudanças que levam ao crescimento. Simples, portanto. Curiosamente veja-se o papel da banca comercial: correia de transmissão da economia real. A partir da banca, via crédito, os empresários podem dispor dos meios de romper a situação de estado estacionário acima falado. Podem dispor dos meios e dispõem da capacidade de os utilizar! Um espanto e nada a ver com a financeirização de agora.

Os empresários podem ser vistos como parceiros dos bancos comerciais em ambos os sentidos (aumento das despesas com empréstimos, redução das despesas pela formação de depósitos) enquanto os não empresários, por exemplo, estão muito limitados em qualquer dos sentidos citados, seja no sentido da expansão seja no da contração dos meios de pagamento. De qualquer das formas, a atividade bancária foi já considerada na apresentação do presente modelo embora sem lhe conferir nenhum comportamento deste tipo por razões de ordem metodológica.

Também a taxa de juro é aqui excluída, apesar do aumento na procura em relação aos rendimentos salariais (pela via do crédito). A redução dos custos no crédito e a redução da poupança [desentesouramento] influenciam a procura, daí que a mudança dos comportamentos individuais faça variar a relação fundamental entre os rendimentos auferidos e a despesa que caraterizam cada situação económica. Contudo, estes custos e rendimentos, no plano dos factos, teriam menos influência sobre essas variações de comportamentos do que a variação das expectativas isoladas analisadas antes. (ver p. 15). Além disso, sem igualmente precisar os elementos de que depende a procura de crédito, não assumindo aqui o empresário tomado individualmente, esta depende muito da variação da relação rendimentos recebidos, despesa efetuada.

Assim, podemos afirmar que a questão de fundo permanece e esta é a de se saber porque é que a procura do empresário requer que lhe seja dado este grau de liberdade e não – como parece à primeira vista mais correto – é esta liberdade conferida ao lucro empresarial. A resposta é simples. Como o objetivo de cada empresário é obter o máximo lucro, assume-se aqui que cada empresário individual está permanentemente nessas condições, as de maximização do seu lucro. A hipótese contrária da ineficiência do produtor, é pois completamente excluída por Lautenbach. Talvez as taxas de tributação exorbitantes num qualquer momento do ciclo requeiram uma forte expansão do nível de atividade para que se possa detetar essa possibilidade. Até aí, a rendimento dado, sublinhe-se, o nível de atividade económica depende fortemente do grau de liberdade assumido pela procura dos empresários.

Aqui temos a síntese do que se disse antes:

Assim, podemos afirmar que a questão de fundo permanece e esta é a de se saber porque é que a procura do empresário requer que lhe seja dado este grau de liberdade e não é,  – como parece à primeira vista mais correto – este grau de  liberdade conferido  ao lucro empresarial.

É a procura, deles, que está na dinâmica da produção que leva à existência de lucros e a liberdade de ação está então na PROCURA. Os lucros vêm depois, são a variável dependente de que se falou acima.

Que os preços devam ser tratados como uma função passiva, como um resultado, talvez isto torne mais claro, se considerarmos que o que nós queremos captar (compreender) numa imagem abstrata do ciclo de actividade económica  sendo esta, de facto, antes uma longa espiral estendendo-se ao longo do tempo, é que qualquer mudança na relação Rendimentos/Despesa, não pode ter qualquer efeito relativamente ao passado mas apenas, quando muito, em relação ao futuro, e assim  ter impacto [na posição no ciclo] através da utilização dos recursos disponíveis [e não utilizados].

 

O parágrafo imediatamente acima foi o que mais trabalho nos deu a traduzir.

Desde a noção de equilíbrio da economia, equilíbrio à Marshall, dinâmica do equilíbrio pelas quantidades, ou à Walras, dinâmica do equilíbrio pelos preços, até esta noção fabulosa de que o longo prazo é uma interconexão de períodos de curto prazo, “esta longa espiral estendendo-se ao longo do tempo”, tudo isto passa por este parágrafo. E o longo prazo surge como o resultado da articulação de múltiplas situações de curto prazo. É a economia, como ciência, que aparece condensada neste parágrafo de muito difícil tradução.

Na linha do que se tem vindo a dizer sobre um texto dos anos 30, talvez valha a pena  reproduzir um texto de 2017 e relativo à economia americana, escrito por Bill Mitchell e republicado na nossa série:

“A imposição de austeridade orçamental durante uma recessão amplia os custos de curto e de longo prazo.

É por isto que é uma perfeita loucura invocar cortes discricionários nos défices orçamentais em nome de alguma noção equivocada da equidade intergeracional (querer reduzir o peso da dívida para as crianças de hoje é uma ideia claramente absurda).

Assim, a austeridade orçamental garante que os nossos netos irão ter menores condições para terem um futuro relativamente melhor do que poderiam ter em caso contrário.

Os meus primeiros trabalhos em meados dos anos 1980 foram uma crítica aos argumentos do pensamento neoliberal dominante sobre a “taxa natural de desemprego”, que estava centrada no desenvolvimento do conceito de histerese.

Esta ideia de taxa natural de desemprego é semelhante à ideia de que nós somos o que temos sido.

Esta ideia do que significa verdadeiramente a taxa natural de desemprego é muito importante em economia porque com esta percepção se entende, se rejeita e se subverte a noção dominante de que o longo prazo é completamente independente do curto prazo.

Para o leigo, isso pode ser representado pela ideia de que procurar obter uma baixa taxa de inflação sem se ter em conta o desemprego que assim é criado, é a mesma coisa que estar a considerar que este desemprego criado pela politica anti-inflacionista não é um problema, porque no ‘longo prazo’ o desemprego estará sempre situado à “taxa natural”. É claro, esta ideia é um perfeito disparate.

A situação de longo prazo nunca é, portanto, independente da situação da procura agregada de curto prazo. Não há nenhum estado invariável de longo prazo que seja pura e simplesmente determinado pela oferta. A história é uma série de períodos de curto-prazo interligados (co-dependentes).

Estimulando o crescimento do produto agora, os governos também ajudam a aliviar os constrangimentos de longo prazo sobre o crescimento – o investimento é incentivado e os trabalhadores tornam-se mais móveis.

O problema é um problema composto, porque a oferta (potencial) da economia é influenciada pela trajetória assumida pela procura e quanto mais longa é uma recessão (ou seja, expressa aqui pela diferença entre o PIB potencial e o efetivo) mais os mecanismos de histerese da economia serão negativos.

A partir de um qualquer momento, a capacidade produtiva da economia começa a baixar face à lentidão da evolução da procura e a diferença dos PIBs acaba por desaparecer mas a valores muito mais baixos da atividade económica.

(…)

[Tudo isto é] ao contrário da abordagem da macroeconomia neoliberal, que assume que o ‘longo prazo’ é determinada pelo lado da oferta (pelas tecnologias e pelo crescimento da população) e que este é invariante face às condições da procura na economia em qualquer ponto no tempo, (…) , que o lado da oferta da economia responde às condições específicas verificadas no lado da procura.”

Em suma, fala-se aqui da necessidade do Estado intervir na longa espiral do tempo e fazer variar a relação entre a despesa de um dado momento do tempo e os rendimentos criados, fala-se do Estado a suprir os disfuncionamentos do mercado e a substituir a procura privada para dinamizar o crescimento, a única via de saída da crise. Ficamos assim em condições de perceber os dois parágrafos seguintes.

De novo, nós podemos de forma clara e lógica afirmar: uma mudança na relação rendimentos gerados/despesas efetuadas é a condição necessária e suficiente para que o conjunto das decisões individuais tenha efeitos sobre o conjunto da economia. Pode-se considerar que se exige um certo tipo e volume de meios de produção mas isto é somente necessário, nunca é suficiente.

A substituição da utilização dos termos Atividade e Passividade pelos termos Rendimento e Despesa, que frequentemente tem levado a mal-entendidos especialmente entre os economistas, é exposta, e algumas vezes é tida como uma das diabólicas invenções da economia keynesiana, mas não é, como Albert Hahn em Economics of illusion, New York, 1949, pensa, como um novo “mito da paridade do poder de compra”. Isto mostra, sobretudo, as consequências da transição ao eliminar-se da análise as considerações que têm a ver com a economia global.

________

Quanto às dificuldades de tradução remeto o leitor para o texto 1-A. – Deambulações em torno de um texto de Lautenbach publicado nesta série de textos. Clicar em:

https://aviagemdosargonautas.net/2017/03/06/crise-da-democracia-crise-da-politica-crise-da-economia-o-olhar-de-alguns-analistas-nao-neoliberais-1a-deambulacoes-em-torno-de-um-texto-de-lautenbach-por-julio-marques-mota/

________

Para ler a segunda parte desta nota ao texto de Lautenbach, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, clique em:

CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DA POLÍTICA, CRISE DA ECONOMIA: O OLHAR DE ALGUNS ANALISTAS NÃO NEOLIBERAIS – 1.C- SOBRE LAUTENBACH: JÚLIO MARQUES MOTA PUBLICA A NOTA 2 DO TEXTO DE LAUTENBACH COMENTADA PARA UM AMIGO MEU – ANEXO. NOTA 2. – II

Leave a Reply