Dos conhecimentos básicos em finança à opacidade e complexidade do mundo financeirizado: uma exposição e uma análise crítica Parte IV – A titularização como meio para continuar na trajetória da crise – 6. A caminho de uma erupção vulcânica? Por Peter Wahl

Jan Brueghel the Younger Satire on Tulip Mania c 1640
Jan Brueghel the Younger, Satire on Tulip Mania, c. 1640

 

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota  

Parte IV – A titularização como meio para continuar na trajetória da crise

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6. A caminho de uma erupção vulcânica?

Por Peter Wahl

Publicado por  Parte IV texto 6 2 em 27 de julho de 2016

 

Novas regras europeias contra os resgates bancários pelos contribuintes em tempos de crise

As novas regras para governar e controlar o sistema financeiro europeu que surgiram após a crise financeira já mostraram que não estão à altura de poderem resolver os problemas concretos. Os investidores estão longe de investirem na economia, preferindo investir em títulos da dívida pública alemã mesmo que com taxas de juro zero. As regras proíbem os bancos italianos de serem resgatados com o dinheiro público, mas podem voltar o público contra a UE nas próximas eleições. A oposição a criar-se um terceiro pilar na União Bancária poderá mudar, dada a situação existente no maior banco alemão.

O governo alemão realizou com sucesso uma emissão de títulos a 10 anos, de mais de 5 mil milhões de euros à taxa de juro fixa zero a 13 de julho de 2016, seguindo-se a outras anteriores emissões de dívida pública igualmente a taxas de juro zero. O “almoço grátis” para Schäuble, e uma clara negação da famosa frase “não há almoços grátis” do credo neo-liberal. A emissão alemã a taxa juro zero é um outro indicador da profundidade da crise em que está ainda enredado o sistema financeiro europeu assim como o euro, mesmo depois das medidas excecionais do BCE. Ter demasiado dinheiro e desesperadamente andar a procurar investimentos rentáveis e por investimentos com um bom porto de abrigo, os investidores estão dispostos a não aceitarem nenhum preço ou estão ainda à espera de ainda fazer um lucro vendendo as obrigações da dívida pública nos mercados secundários. Mas de uma perspetiva sistémica, isto significa que os jogadores do mercado financeiro não estão dispostos a investirem o seu dinheiro na economia real a fim de acabarem com a estagnação.

Problemas com o incumprimento dos créditos cada vez mais difíceis de resolver

Os investidores estavam igualmente a retirar e de forma massiva as ações dos bancos depois do Brexit, à medida que que ficavam mais preocupados com os crescentes problemas do setor bancário na zona Euro com cerca de € 900 mil milhões em créditos de má qualidade. Particularmente problemática é a situação dos bancos italianos. Cerca de 17% de todos os empréstimos italianos são de má qualidade, atingindo cerca de € 360 mil milhões de euros o montante em euros, para os quais os bancos precisam de pelo menos € 40 mil milhões de dinheiro fresco.

Mas de onde deve o dinheiro vir? Desde janeiro de 2016, o Mecanismo Único de Resolução da UE entrou em vigor. Juntamente com a supervisão dos grandes bancos feita pelo BCE, é o segundo pilar da União Bancária. A ideia central é que os acionistas, os obrigacionistas e os credores têm que assumir a responsabilidade da falência (bail-in ou resgate interno) e não os contribuintes. A Itália aplicou corretamente as novas regras quando quatro bancos pequenos faliram no começo deste ano. Muitos investidores individuais, que possuem em torno de €231 mil milhões em diferentes tipos de obrigações emitidas pelos bancos italianos eram e continuarão a ser afetados se as regras forem aplicadas. Quando um pensionista, que perdeu todas as suas economias que estavam aplicadas em obrigações que lhe foram recomendadas pelo banco, se suicidou, uma onda de choque de indignação atravessou todo o país.

O governo italiano tentou obter o consentimento da UE para recapitalizar os bancos em dificuldade com dinheiro público, mas uma decisão recente emitida pelo Tribunal Europeu de Justiça tornou as coisas mais difíceis. Os Ministros das Finanças alemães e holandeses tinham já insistido no cumprimento das regras. O primeiro ministro Renzi teme que uma crise bancária, que poderia aumentar depois dos testes de resistência do BCE no fim de julho, venha a fazer com que a votação do referendo sobre as reformas institucionais anunciada para outubro se venha a transformar em mais uma votação contra a UE. O movimento Eurocético Cinque Stelle é o primeiro nas sondagens e Renzi anunciou que poderia demitir-se se não ganhar o referendo – um cenário que poderia mesmo ser mais importante ainda que o BREXIT. Eis porque é que se pode esperar que a UE venha a aceitar alguns resgates indiretos em regime bail-out dos bancos. Ignazio Angeloni, um membro da administração da autoridade de supervisão e do BCE e fazendo parte do círculo mais próximo de Draghi, terá já dito que “o problema dos créditos mal parados, pode ser resolvido.” As soluções potenciais incluem “um leve bail-in”, onde os pequenos acionistas, os obrigacionistas, assim como os pequenos pensionistas com economias acima de € 100.000 serão compensados. Uma outra solução pode ser a compra dos créditos em incumprimento pelas instituições privadas ou semi-privadas.

A crise atual dos bancos europeus mostra mais uma vez que as reformas aos retalhos estão condenadas a falharem. Neste caso, apenas passado meio ano depois de terem entrado em vigor, as novas regras contra os resgates com o dinheiro do contribuinte, o bail-out, mostra já a sua incapacidade para tratarem dos problemas concretos.

 

Um sistema europeu de garantia dos depósitos – uma opção que não vai funcionar

Quando um sistema único de garantia de depósitos foi discutido, a Alemanha – e escondida atrás dela, a Holanda e outros – recusaram estabelecer um tal mecanismo na zona Euro. Isto forneceria a proteção das poupanças até € 100.000 para todas as poupanças colocadas em bancos na zona Euro. O argumento era que não queriam assumir a responsabilidade por sistemas bancários podres de outros países. Mas o orgulho vem antes da queda. O maior e mais importante banco na zona Euro, o Deutsche Bank, tem estado a atravessar a crise mais profunda em toda a sua história do após-guerra. O banco é considerado como globalmente sistémico, em outras palavras: demasiado grande para poder falir. De acordo com o FMI, o Deutsche Bank “parece ser o maior contribuinte líquido para o risco sistémico” no mundo inteiro. No entanto, o banco falhou o teste de resistência conduzido pelas autoridades nos EUA, onde igualmente opera.

O valor de mercado das ações de Deutsche Bank caiu já cerca de 90% desde junho de 2007, e em 2015 as perdas registadas pelo banco foram de € 7 mil milhões. Nos anos 90, o banco tinha-se tornado um jogador global nas operações bancárias de investimento, envolvido em muitas atividades de risco e especulativas. O seu declínio começou após a crise financeira de 2008 e de ter sofrido multas no valor de vários milhares de milhões devido ao seu envolvimento em numerosos escândalos e mesmo em atividades criminais, incluindo a manipulação da LIBOR (revelada em 2012).

Globalmente, a situação exige esforços rápidos de estabilização. A experiência desde 2008 confirmou repetidamente que nada menos que o encerramento da economia casino, este sistema financeiro com demasiadas atividades especulativas e de alto risco, poderá impedir uma outra erupção vulcânica.

Texto disponível em https://www.somo.nl/towards-volcanic-eruption/

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