
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Parte IV – A titularização como meio para continuar na trajetória da crise
8. A jogarem com o futuro das pessoas? O encontro dos Ministros das Finanças no casino.
Por Myriam Vander Stichele
Publicado por em 20 de março 2017
O casino de Baden-Baden na Alemanha foi o local de encontro para que os Ministros das Finanças e os Governadores dos Bancos Centrais do G20 se encontrarem em 17 e 18 de março. Baden-Baden é mais conhecida como estância turística de alto luxo com lojas caras e Konditoreien (lojas de pastelaria), onde russos ricos e outros gostam de gastar o seu dinheiro (já lavado ou da fugido dos impostos). Contudo, os ministros do G20 e os reguladores não vieram para limpar o local, embora isso pudesse facilmente ter sido feito pelos polícias em massa e pelos serviços de segurança presentes.
Os Ministros das Finanças e os reguladores do G20 têm-se encontrado regularmente desde a crise financeira de 2008 para decidirem algumas medidas destinadas a reformar o sistema financeiro e a evitar outra crise. Desta vez a presidência alemã e o Financial Stability Board (FSB) tiveram que pressionar os ministros para certificarem que pelo menos eles estavam a executar as reformas acordadas. Mais de oito anos após a crise financeira, alguns destas reformas não estão ainda completamente em vigor e outras foram, entretanto, enfraquecidas.
Em Baden-Baden, pouco foi discutido pelos ministros e pelos reguladores sobre o remanescente risco para a estabilidade financeira, apesar de terem prometido tratar os riscos das operações feitas no âmbito da banca sombra, dos mercados de derivados e da excessiva volatilidade ou manipulação das taxas de câmbio. Contudo, ao mesmo tempo promoveram a liberdade de circulação de capitais que geralmente está na base de todos estes riscos. O comunicado final apresenta ao menos alguns compromissos de levar à prática medidas destinadas a enfrentar o problema da evasão fiscal e a fuga aos impostos tal como foi proposto pela Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento – OCDE (a chamada BEPS/Base Erosion and Profit Shifting Action Plan).
Pela primeira vez, o comércio livre era um tema importante do conflito entre os EUA e os restantes países do G20, uma vez que os EUA não quiseram aceitar um sistema de comércio baseado em regras mas sim num sistema de comércio justo no sentido em que o presidente Trump o entende. Estranhamente, não houve nenhuma discussão sobre a inclusão dos serviços financeiros nos acordos de comércio livre, que igualmente estão igualmente a moldar o sistema financeiro global e os riscos que lhe são inerentes. Os EUA pressionaram também para se manter de fora quaisquer mecanismos de financiamento dirigidos a enfrentar as alterações climáticas!
Está em ação o sequestro pelas grandes empresas?
O lóbi financeiro tinha feito o seu melhor para que as suas posições fossem ouvidas pelos Ministros das Finanças. O lóbi do clube financeiro global muito bem organizado e experimentado– Instituto Internacional da Finança (IIF) – teve a sua conferência dois dias antes da reunião dos ministros. A conferência foi patrocinada pelos bancos ING e Deutsche Bank, que garantiram a presença dos seus Diretores Executivos e dos seus membros da administração nos painéis. Contudo, era a primeira vez que este tipo da conferência era co-organizado com o governo alemão – um exemplo real da captura feita pelas grandes empresas financeiras.
Os ministros das finanças do Brasil, do Canadá e da África do Sul vieram falar e serem entrevistados na conferência do Instituto Internacional da Finança (IIF). Mesmo o ministro alemão Schäuble veio a Frankfurt especialmente para esta reunião, quando estava a ser pressionado para se encontrar com a delegação dos EUA em Berlim. Por contraste, tinha já declinado aceitar e intervir na Cimeira da Sociedade Civil em 18-19 de junho de 2017. O presidente do Banco Central alemão e Christine Lagarde, que dirige o Fundo Monetário Internacional (FMI), estiveram igualmente na IIF onde participaram. Assim, não era de surpreender ver que os ministros e os reguladores declarassem que quiseram consultar a FSB sobre as matérias em causa e sobre a revisão das reformas financeiras e as suas consequências inesperadas, algo que o lóbi financeiro tinha fortemente pressionado.
O G20 ignorou muitas, se não todas as recomendações feitas pela sociedade civil, que queriam mais reformas tais como uma melhor supervisão global, um setor bancário diversificado, o cancelamento e prevenção do sobre endividamento– tudo medidas necessárias para parar com a fraude e a fuga aos impostos, etc. Foram organizadas ações de protesto em Baden-Baden contra a falta de medidas para acabar com a evasão fiscal, a dívida de países em vias de desenvolvimento e a falta da democracia que constitui o G20 (um grupo limitado de países sem nenhuma responsabilidade por prestação de contas). Até a igreja protestou alto e bom som fazendo tocar os seus sinos perto do casino durante 15 minutos antes de 700 pessoas assistirem a uma cerimónia sobre o cancelamento da dívida.

No dia seguinte pós o evento do G20, o casino de Baden-Baden abriu outra vez como de costume. Na segunda-feira seguinte, os mercados financeiros continuaram nas suas atividades de casino tais como especular e negociar produtos de risco, sem nenhuma consideração pelo seu impacto sobre as pessoas ou sobre o próprio planeta.
Texto disponível em https://www.somo.nl/finance-ministers-meeting-casino/