Nos últimos dias os representantes da “Lega” e do “M5s” começaram a redigir um acordo de legislatura para dar vida a um executivo respeitador dos resultados eleitorais de 4 de Março último. Está a perspectivar-se, portanto, um governo de direita radical, com resultados imprevisíveis quer para os assuntos internos quer para os internacionais. Com a frieza dos números, de facto, as eleições decretaram o ocaso do pacto político-institucional em vigor desde o final da segunda guerra e evidenciaram uma profunda crise no sistema sócio-político da Itália.
Das urnas saiu a imagem de um país dividido em duas partes, geograficamente e politicamente contrapostas: ao Norte predomina a coligação de centro-direita que obteve um total de 37% dos votos, a Sul o “Movimento 5 stelle (M5s)”, primeiro partido com 33% de consensos, enquanto o PD regista quase por todo o lado uma sonora derrota (18%). Uma situação tripolar, portanto, que não confere a vitória definitiva a nenhuma formação autónoma mas que obriga as várias forças políticas a procurar alianças para formar, no parlamento, uma maioria estável de governo.
Durante tais negociações os vários partidos preferiram utilizar o tempo (mais de dois meses) num insuportável jogo de contínuas propostas e desmentidos com a intenção de testar o próprio poder de afirmação, sem com isto produzir soluções políticas aceitáveis. A arte popular dos pintores de rua imortalizou a dança dos contactos pós-eleitorais, com imagens plenas de ironia e de agudeza política: o famoso beijo entre Di Maio (M5s) e Salvini (Lega) antecipa a formação de um próximo e possível acordo de governo, enquanto o retrato “caravaggesco” dos “Tre Bari” (‘Três Batoteiros’) dá a medida das acções trapaceiras do centro-direita e PD. E o projecto pré-eleitoral dito “pacto do Nazareno” (do nome da sede do PD) entre Renzi e Berlusconi é, para o autor da cópia de “O incêndio do Nazareno”, de Rafael, a causa infernal da derrota do PD.
Para além das imagens, todavia, apareceu no léxico do jornalismo político uma série de expressões que, na sua crueza linguística, nos ajudam a compreender o difícil momento que a Itália está a viver.
«Esperar na margem do rio a passagem do cadáver do teu inimigo…»: é a frase que resume melhor a decisão dos dirigentes renzianos do PD de não assumirem qualquer responsabilidade política para além de uma situação genérica de oposição, quase uma espécie de retorsão para com um governo que ainda não existe. Depois da derrota eleitoral, Matteo Renzi deixou o cargo de secretário ao seu vice, mas continua a agir como verdadeiro e próprio secretário-sombra. Não obstante isto, e embora entre mil divisões internas, os principais exponentes do PD decidiram finalmente iniciar uma reflexão séria sobre as razões da derrota eleitoral, para refundar, num próximo congresso, um verdadeiro partido de centro-esquerda atento às necessidas dos jovens e marginalizados.
«A política dos dois fornos»: refere-se às estratégias adoptadas pelo chefe político do “M5s” para se propor como líder de uma futura coligação de governo. Para conseguir isto, moderou, antes de mais, a violência verbal da sua campanha eleitoral contra o pacto social dominante e a casta dos políticos, propondo uma série de pontos programáticos genéricos, e muito moderados – favoráveis à EU e à NATO – quer à coligação vencedora do centro-direita, quer ao derrotado PD: como se sabe, para o “M5s”, direita e esquerda são categorias políticas superadas, ou melhor, danosas. Quando o veto renziano bloqueou qualquer contacto entre PD e M5s, Salvini, então verdadeiro chefe do centro-direita, com a força dos seus 17% de consensos contra os 14% de “Forza Italia”, retomou com decisão as negociações com Di Maio para um contrato de governo. Quando, enfim, Berlusconi, considerado excluso pelo M5s, aceitou não participar, pessoalmente, na futura coligação, as negociações para um novo governo entraram na fase decisiva.
«Berlusconi agora e sempre»: a recente sentença do tribunal de apelo de Milão, que readmite Berlusconi no exercício activo da representação política (precedentemente negada por causa das várias acusações de corrupção, etc.), recupera o “cavaliere” para o centro da cena política. De facto, sem perder tempo, já declarou que “Forza Italia”, relativamente à perspectiva do novo governo (Salvini-Di Maio), poderá exprimir uma “abstenção benevolente”, uma “oposição activa” mas também uma “oposição crítica”: um claro aviso às pretensões de Salvini anexar os eleitores de “Forza Italia” no partido único de centro-direita “Forza Lega”.
As notícias da última hora dizem-nos, todavia, que devido a contrastes entre as delegações, a redacção do contrato de governo precisa de mais tempo e, sobretudo, da votação dos inscritos na “Lega” e no “M5s”. MAMMA MIA!!!