Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – Na Alemanha a política recorda-nos a história. Por George Friedman

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Na Alemanha a política recorda-nos a história

george friedman gPF por George Friedman

Publicado por friedman logoem 19 de junho de 2018

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Ao longo dos seus 13 anos no mais elevado cargo da Alemanha, a Chanceler Angela Merkel tem sido o eixo da política alemã. Dada a proeminência da Alemanha na União Europeia, ela é indiscutivelmente o eixo da política europeia, também, tendo guiado o seu país através de crise após crise. Da crise financeira de 2008 veio uma crise económica que, por sua vez, levou a uma crise social e, finalmente, a uma crise política. A União Europeia, que já foi um farol de cooperação e de progresso, está repleta de partidos políticos que se opõem a muitas das coisas que a UE encarna – o Transnacionalismo, a elite tecnocrata, etc.

Estes problemas são fundamentalmente culturais, a consequência do secular braço-de-ferro entre a nova elite que se pensa ter já abandonado certos valores e a velha guarda que se apega a esses mesmos valores. É neste contexto que a imigração se tornou uma questão tão fraturante. A velha guarda acredita que a possível transformação de valores decorrente da imigração é insignificante. A nova elite acredita que a transformação dos valores é uma questão central. É um tempo não simplesmente de discordância mas igualmente de profundo desprezo mútuo.

Na última década, a Alemanha tem sido o bastião da velha elite. Com a maior economia da Europa e a quarta maior do mundo, é uma das nações mais poderosas. Exigiu a unidade e um compromisso com o projeto europeu. Estava profundamente empenhada no multilateralismo e no transnacionalismo da União Europeia. Acreditava que a Europa tinha a obrigação moral de aceitar os imigrantes e que a União Europeia deveria ter o poder de definir os níveis e a distribuição dos imigrantes. A Alemanha era a União Europeia, pelo menos como foi concebida em 1992. Desde então, o Reino Unido votou para deixar a UE, outros membros desrespeitaram as diretivas da UE, e os movimentos separatistas em vários países tornaram-se uma séria preocupação.

Estes sentimentos “antieuropeus” infiltraram-se na Alemanha e tornaram-se conhecidos nas mais recentes eleições alemãs. O Partido Alternativa para a Alemanha, de sigla AFD – um partido cético da União Europeia, desdenhoso da elite eurocrática e comprometido com a ideia de preservar a cultura alemã contra a imigração – veio do nada para se transformar no terceiro maior partido no Parlamento alemão, opondo-se aos princípios estabelecidos por Merkel, a sentinela da UE em Berlim, caçando membros da sua União democrática cristã e do seu partido irmão na Baviera, a União social cristã. Merkel foi capaz de formar um governo, negociando com o partido social democrata, mas trata-se de um governo frágil, e que isolou a AFD.

O sentimento antieuropeu infiltrar-se-ia ainda mais na Alemanha. Nas últimas semanas, a CSU anunciou que se pode separar da CDU de Merkel, a menos que Merkel limite a imigração na Alemanha. Eles estão a trabalhar numa solução, e talvez eles venham a ser bem-sucedidos.

Devemos reconhecer que a Alemanha tem problemas que deve resolver. Um deles é a economia. A Alemanha precisa que a União Europeia consuma uma grande parte das exportações alemãs, uma vez que a capacidade industrial da Alemanha ultrapassa a sua apetência interna por esses mesmos bens. A Alemanha precisa de uma zona de comércio livre, bem como de uma moeda comum.

Outra questão é o seu passado. O comportamento da Alemanha na II Guerra Mundial foi horrível. É-se levado a considerar que a UE funcionou como uma chave para a sua reabilitação. A Alemanha do pós-guerra tornar-se-ia um grande poder económico, mas não um poder militar. O seu futuro seria definido não pelas suas próprias decisões, mas pelas decisões de uma Europa unida, de que ela era apenas um de muitos membros. Por conseguinte, a União Europeia é um símbolo da redenção da Alemanha, e a fidelidade de Berlim não é apenas uma tentativa de reforçar a Europa, mas também um meio de exorcizar os seus próprios demónios. Considerando que a Alemanha nazi era nacionalista, a Alemanha da UE seria Europeísta. Considerando que a Alemanha nazi era xenófoba, a Alemanha da UE acolheria todos os estranhos, seria xenófila. Enquanto a Alemanha nazi era militarista, a Alemanha da UE seria pacifista. A Alemanha da UE pretendia apenas orientar a Europa, não conquistá-la.

Havia aqui um paradoxo óbvio. Outras nações não compartilharam a culpa da Alemanha. Não temeram pelo seu próprio nacionalismo. Elas temiam o poder da UE, apoiado pela Alemanha, e a sua tentativa de impor a sua vontade sobre o caráter nacional de outras nações. Um dos confrontos mais interessantes foi entre Bruxelas, apoiada por Berlim, e a Polónia. Depois dos nazis terem devastado a Polónia, a União Soviética ocupou-a imediatamente. A Polónia tem sido uma nação soberana apenas durante cerca de duas décadas nos últimos séculos, graças em parte aos nazis e, em parte, aos soviéticos. A cultura polaca inevitavelmente voltou à vida, ratificada por eleições de um partido nacionalista. Não é nenhuma surpresa, então, que a Polónia tenha começado a torpedear as diretivas da UE. Do ponto de vista polaco, a Alemanha está a tentar dominar a Polónia novamente, desta vez em nome do liberalismo, não do fascismo. A ideologia mudou, mas a canção continua a ser mesma.

Não é coincidência que os polacos acreditassem que a sua cultura estava a ser ameaçada. A União Europeia, afinal, foi criada para temperar o nacionalismo que tinha despedaçado a Europa, e o nacionalismo é parte integrante da maioria das culturas. Mas a UE tem agora galvanizado os nacionalistas em todo o continente, muitos dos quais temem perder a sua cultura. Para a Alemanha, esta era a grande questão.

É por isso que os recentes acontecimentos políticos na Alemanha têm de ser aqui vistos como diferentes dos da Polónia, da Grã-Bretanha ou da Itália. Há movimentos semelhantes que têm ganhos eleitorais semelhantes, mas a ameaça da CSU de deixar a coligação dominante de Berlim – sobre a questão da imigração, nada menos que isso – é sintomática da xenofobia que Merkel pensava que estava a combater noutros países. Agora esta questão pode muito bem derrubar o seu governo.

Para esta geração de europeus, há uma crença forte e razoável de que o nazismo é pouco mais do que uma coisa do passado. Mas nem todos partilham dessa crença. Quando qualquer de nós viaja na Europa, ouve muitas coisas desagradáveis sobre os alemães. Muito tem a ver com as práticas de negócios atuais, mas quando se continua a conversar descobrimos que há uma forte dimensão histórica para essa antipatia. O sentimento anti-alemão foi colocado em situação de expectativa, de alerta. Não foi totalmente suspendido.

Isso significa que a Europa pode ver a ascensão de um movimento nacionalista na Alemanha de forma diferente da forma como os alemães a veem. Se a preocupação geral sobre a imigração se transforma numa celebração da cultura alemã, como tem sido o caso em muitos países, isso vai realmente acelerar o nacionalismo entre as várias nações europeias, sempre prontas para estarem à defesa relativamente à Alemanha.

A maioria dos alemães hoje tem sonhos modestos. Eles sonham com a prosperidade e em viver decentemente, acolhendo os imigrantes em necessidade. Mas para aqueles que lutam para sobreviver, a generosidade das elites surge como uma ofensa. Torna-se cada vez mais difícil defender ou sustentar essa generosidade. Não creio que as fronteiras abertas de Merkel possam sobreviver, como não creio que o próprio poder de Merkel possa igualmente sobreviver. A Alemanha faz parte da Europa e está a responder às mesmas pressões. Mas esta realidade parece ser diferente para os alemães, e os polacos estão a vê-la de forma diferente também. Não consigo imaginar uma repetição da história alemã. Mas, seguramente, a recordação está aí.

Texto original em https://geopoliticalfutures.com/germany-politics-recollects-history/

 

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