Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
A Europa deve ter muito cuidado com uma Alemanha nacionalista
Por Philip Stephens
Publicado por em 20 de junho de 2018
Republicado por Gonzalo Raffo Infonews
Os populistas que a aplaudem noutros locais devem ter cuidado com o que desejam
Angela Merkel está sitiada. O partido bávaro irmão da União Democrática Cristã da Chanceler alemã, o CSU, quer controlos fronteiriços mais rigorosos. A postura antimigrante afirmada por Horst Seehofer, o ministro do interior da União social cristã na coligação de Merkel, é aplaudida pelos populistas de Varsóvia a Roma, via Viena e Budapeste. Será que eles terão pensado, perguntamo-nos nós, o que é que uma Alemanha a tomar o caminho do nacionalismo pode realmente vir a ser?
Os motivos do ministro Seehofer são transparentes. A CSU sofreu uma pesada derrota eleitoral às mãos da desavergonhada xenófoba Alternativa para a Alemanha (AFD) nas eleições nacionais de 2017. Enfrentando eleições em outubro, o partido agora quer ultrapassar pelos flancos a AFD. Os líderes da UE discutirão um esquema de migração a nível europeu no final deste mês. Se não ficar satisfeito, o ministro Seehofer está a ameaçar aplicar controlos unilaterais.
Muitos alemães — a maioria, segundo a última sondagem — permanecem desconfiados da estratégia de fronteiras abertas da Chanceler. Entre os vizinhos, os 4 de Visegrado — Polónia, Eslováquia, República Tcheca e Hungria — são críticos ferozes. Jaroslaw Kaczynski, o líder do Partido Lei e Justiça e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, desprezam os esforços para repartir os requerentes de asilo por todos os países da União Europeia.
O novo governo da Itália-uma coligação populista do Movimento 5 Estrelas e da Liga anti-imigrantes – está a fechar os portos aos refugiados que atravessam do norte da África. Matteo Salvini, o ministro do Interior e líder da Liga, tentou inicialmente afastar a hipótese de resgatar o navio Aquarius. O líder conservador austríaco Sebastian Kurz propõe um “eixo” com colegas radicais em Roma e Berlim para fechar as fronteiras.
Os populistas estão unidos nos seus slogans fáceis. A população da Hungria está a diminuir e a envelhecer, com os jovens talentosos a procurarem oportunidades noutros lugares. No entanto, Budapeste orgulha-se dos seus campos de arame farpado para que os infelizes requerentes de asilo e imigrantes não possam atravessar a fronteira.
A realidade, naturalmente, é que nenhum governo sozinho pode assumir o controlo das suas fronteiras. Os estreitos interesses nacionais defendidos pelos populistas frequentemente colidem entre si. Já está esquecido, mas a senhora Merkel manteve as fronteiras da Alemanha abertas em 2015 para aliviar a pressão sobre a Áustria. Viena temia o risco de ser submersa pelos imigrantes que chegavam de autocarro vindos da Hungria de Orban.
O campo dos nacionalistas é o medo e a emoção ao invés da razão. Se eles pensassem nisso, os nacionalistas saberiam que políticas chutam os problemas para cima do vizinho não podem funcionar. Fechar uma fronteira tem um efeito de ricochete. O senhor chanceler Kurz deve certamente compreender que os planos do senhor Seehofer deixariam a Áustria a lidar com os refugiados abandonados no lado errado da fronteira alemã.
Entenderá o senhor Salvini, perguntamo-nos nós, que o ministro Seehofer quer que os que chegam à fronteira alemã sejam devolvidos ao local onde foram registados pela primeira vez? Na maioria das vezes, esse local seria a Itália. Os Estados da linha de frente do Mediterrâneo queixam-se dos seus parceiros do Norte não partilharem do fardo dos migrantes. Os nacionalistas polacos e húngaros seriam os últimos a fazer uma tal oferta.
Desatar este nó górdio com um sistema de migração que seja humano, justo e sustentável requer um esforço coletivo para fortalecer as fronteiras externas da UE e acomodar equitativamente aqueles a quem é concedido asilo. Exige também mais esforço e ajuda – para ajudar a África Subsaariana. Isto é o que a senhora Merkel e Emmanuel Macron, o Presidente francês, têm discutido. O ministro Seehofer não tem nenhuma alternativa real.
Contudo, Seehofer está longe de estar sozinho em vender o seu partido como aquele que coloca a Alemanha em primeiro lugar. Nem se trata de um humor nacionalista crescente que esteja confinado à hostilidade para com a imigração. Markus Söder, o primeiro-ministro CSU da Baviera, acha que o país tem lições mais vastas a aprender com o unilateralismo beligerante de Donald Trump.
Não é de todo muito difícil imaginar para onde é que um novo nacionalismo alemão nos poderia conduzir. A AFD fez o seu nome, ganhou o peso que tem eleitoralmente hoje opondo-se ao apoio financeiro aos membros mais fracos da zona euro – a chamada União de transferências que deixa os alemães à mercê dos supostamente perdulários do Sul ad Europa. Sendo o principal tesoureiro da UE, porque não estender o princípio da moeda única para mais além, para outros projetos?
O polaco Kaczynski está sempre a lançar insultos na direção de Berlim. No entanto, a Polónia é a maior beneficiária da ajuda comunitária. Porque é que os contribuintes alemães assinam grandes cheques para Varsóvia? Do mesmo modo para com a Hungria, onde o governo está a substituir o capitalismo de mercado pelo capitalismo clientelista – a ser feito em parte significativa à custa dos dinheiros da Alemanha. Berlim poderia implantar de forma bem melhor a sua influência económica, através de projetos que lhe conferem uma vantagem nacional direta.
Aqueles com memórias obscuras da guerra têm menos a temer. Não há nada de militarismo na política de “A Alemanha em primeiro lugar”. O impulso é, sobretudo, o isolacionista. A maioria dos alemães provavelmente gastaria menos em defesa. E porque não? A nação é demasiado poderosa para ser ameaçada pelos seus vizinhos. Berlim pode sempre chegar a um acordo com Moscovo: a energia russa em troca da tecnologia alemã faz um acordo de conveniência para ambos os lados. Deixem a Polónia e outros na fronteira oriental da UE pagarem para a NATO se se sentirem ameaçados pela Rússia.
A Alemanha está longe de atingir tais posições. A senhora Merkel ainda está convencida — e com razão — de que os interesses de longo prazo da nação residem no internacionalismo liberal. A Chanceler não vai renunciar facilmente às suas convicções. Mas ela ficou enfraquecida. Após 12 anos, o tempo dela está a acabar. E o ministro Seehofer e os seus aliados estão a mudar de direção. Os populistas que os aplaudem noutros locais devem ter cuidado com o que desejam.
Texto original em https://www.ft.com/content/06dd0240-7499-11e8-b6ad-3823e4384287
Republicado em EUROPE SHOULD BEWARE A NATIONALIST GERMANY / THE FINANCIAL TIMES OP EDITORIAL