UMA CARTA DO PORTO – Por José Fernando Magalhães (335)

CARTAS QUE ESCREVI

 

Meus queridos,

Eis-me aqui com um silêncio que só é quebrado pelas pingas da chuva. São mesmo muito grossas as que do telhado caem mesmo à minha frente, e também as que da ramada escorregam pelas folhas largas da videira.

Esta chuva de quase Verão faz nascer sons e cheiros há muito quase esquecidos. Mais ao longe a chuva fininha e ininterrupta tudo molha silenciosamente.

O cheiro à terra molhada nesta tarde estival, faz-me ter vontade de me descalçar e sair dançando no meio da chuva até ter os pés enterrados na terra preta. Tal como muitas vezes fiz nos tempos das minhas férias de montanha, em Meneses, já lá vão mais de cinquenta anos, quando ainda era um menino e ia ajudar os meus amigos Agostinho e Octávio a regar os campos. Se bem que só uma vez com chuva como esta, quente.

Não se ouve nada para além do lento cair da morrinha, e das pingas, espaçadas, de que já falei. O ar está impregnado de humidade e esta casa em Vila Cova, ganha um outro e novo encanto, nada parecido com a Alma da cidade e o Espírito Portuense, que têm sabor a nevoeiro e maresia.

Estou com saudades vossas, aqui, no meio deste silêncio, sentado nas escadas de pedra do alpendre, mesmo junto à coluna.

Olho a ramada e aprecio a sua sombra refrescante. Parou de chover há um bocadinho e voltou o calor deste Maio ardente.

As folhas das videiras, já quase secas, não bolem, nem as da macieira e as dos marmeleiros. As dos pessegueiros, dos limoeiros e as do Kiwi, fazem o mesmo, assim como as das amoras silvestres, as das toranjas, as da tangerineira e as das ameixieiras. Só as dos castanheiros, as pereiras e as nogueiras dão sinal de existirem. Ah, e as amoreiras brancas também, ligeiramente. A árvore que teria por obrigação o dar-nos magnórios como que se esconde, tentando passar despercebida, a exemplo do que fazem as figueiras, sabendo que nunca lhes provei um figo. Da água, nem um murmúrio. O gotejar da torneira cai no musgo e cala o som.

Não se ouve nada. Só umas vozes, de quando em vez, e um ou outro passarito. As borboletas passam silenciosamente e uma rola e depois outra, deram mesmo agora sinal de vida. Uma galinha acabou de pôr um ovo e anunciou-o ao mundo, e lá longe, um cão ladra calmamente. O céu enublado, coa a luz do sol, amenizando as sombras, quase as fazendo desaparecer. O sino da igreja bateu as meias horas, devagar e quase em surdina. Passou um carro na rua, muito lentamente, como que a não querer acabar com este estado de alma. Voltou o silêncio quase total.

É uma calma de sossegar os sentidos, um a um, e nos deixa em paz connosco.

Quem me dera ter-vos aqui comigo. Fazem-me falta os vossos ensinamentos, as vossas palavras, o vosso olhar, a vossa poesia e o melodioso som que os vossos versos tinham quando se abriam para mim.

Até breve.

Leira da Abadessa – Vila Cova – Sanfins de Ferreira

 

.

.

.

 

2 Comments

Leave a Reply to pflkwyCancel reply