A propósito da crise económica dita Covid 19: a reforma do Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma arma apontada à Itália, ou o regresso às falidas políticas austeritárias – 26. Aqui estão as verdadeiras contas do Fundo de Recuperação. Por Giuseppe Liturri

 

A reforma do MEE que vinha a ser preparada desde 2019 (decisão do Conselho Europeu de 14/12/2018), e sofreu um abrandamento com a crise do Covid e também pela oposição da Itália, acabou por ser aprovada no Conselho de 30/11/2020. Segue-se em 2021 o processo de ratificação pelos respetivos Estados-membros.

Estranhamente, instalou-se um silêncio ensurdecedor em torno deste assunto: apenas a Itália vinha a opor resistência ao avanço do processo e, salvo uma ou outra exceção (v.g. Wolfgang Münchau), são principalmente autores italianos os que têm levantado justificadas críticas à continuação da existência do MEE e ao prenúncio de regresso às políticas de austeridade que representa este MEE reformado.

Finalmente, o governo italiano, e à revelia das promessas feitas por um dos parceiros da coligação (o Movimento 5 Estrelas) ao seu eleitorado, cedeu. Mas, como diz Giuseppe Liturri (in “Porque é que o acordo maioritário sobre o MEE é um suicídio negocial”) “a noção enganadora de que um empréstimo MEE pode ser uma escolha discricionária é uma piedosa ilusão”, e “quem se ilude e ilude os italianos [n.ed., e outros que não apenas os italianos] acerca de um compromisso razoável entre a reforma do MEE aceite hoje e outras reformas favoráveis a nós que virão amanhã, está a mentir, sabendo que está a mentir”.

Mas, afinal, o acordo estabelecido pelo Conselho Europeu de 17/21 de julho passados sinalizava já com clareza o caminho de regresso à aplicação do modelo neoliberal de políticas austeritárias, de domínio de umas nações sobre outras. A reforma do MEE é, tão somente, um dos passos desse caminho.

FT

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

 

26. Aqui estão as verdadeiras contas do Fundo de Recuperação  

 Por Giuseppe Liturri

Publicado por eem 14/12/2020 (original aqui)

 

O saldo do Fundo de Recuperação será negativo ou positivo para a Itália? Só saberemos no fim. Uma análise aprofundada por Giuseppe Liturri

O Conselho Europeu de 10 e 11 de Dezembro quebrou o impasse no orçamento plurianual 2021-2027 de 1.074 mil milhões ao qual se junta o Next Generation UE de 750 mil milhões.

A “chuva de milhares de milhões” (209 para a Itália) que é tudo menos o que está a ser dito, aproxima-se agora dos blocos de partida.

Na sessão plenária de quarta-feira 16, o Parlamento Europeu deve dar luz verde ao orçamento de 2021, ao orçamento plurianual e ao Regulamento sobre a proteção do orçamento da UE (o que está indevidamente ligado ao Estado de direito). Para o Regulamento sobre o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR, o núcleo do Next Generation Eu, que deverá fornecer à Itália cerca de 65 mil milhões em subsídios e 127 mil milhões em empréstimos), teremos de esperar pelas conclusões diálogo tripartido (negociações entre a Comissão, o Parlamento Europeu e o Conselho), que ainda está em curso e que deverá talvez chegar a um resultado positivo na segunda-feira.

Poupar-lhe-emos a luta política que tem vindo a decorrer em Itália desde há algumas semanas sobre a estrutura organizacional que deveria gerir esta enorme quantidade de dinheiro. Basta dizer que, consciente da falta de preparação para o efeito – que não significa incapacidade, significa apenas pessoal subdimensionado e procedimentos complexos incompatíveis com os prazos impostos por Bruxelas – o Governo pensou numa estrutura burocrática paralela inventada do zero e arrisca-se a uma rutura com Matteo Renzi.

Aqui concentramo-nos nos números. Será uma verdadeira chuva de milhares de milhões? 209 mil milhões chegarão (205 para ser preciso, de acordo com o Documento do Programa Orçamental), mas quantos sairão?

Sobre este assunto, a intervenção mais recente é a de Andrea del Monaco no Huffington Post, que conclui que o saldo do programa NGEU será negativo para a Itália. Este saldo será acrescentado ao do orçamento plurianual (sempre negativo) para um total de cerca de 36 mil milhões.

Embora sempre tenha tido posições extremamente críticas em relação à chamada “ajuda europeia”, por honestidade intelectual temos de discordar dos cálculos feitos por Del Monaco.

Concordo com a tese segundo a qual a verdadeira ajuda europeia seria a de nos fazer deixar de contribuir para o orçamento da UE. Não teríamos pago 113 mil milhões no período de sete anos 2012-2018 e não teríamos recebido 76 mil milhões, com um saldo favorável à UE de cerca de 37 mil milhões.

É também verdade que mesmo o próximo orçamento plurianual 2021-2027, nos verá como contribuintes líquidos de cerca de 20 mil milhões, embora esse saldo possa ser ainda maior devido ao efeito Brexit, uma vez que o Reino Unido foi um importante contribuinte líquido para o orçamento.

Mas as contas não batem certo quanto ao NGEU devido a um erro trivial na definição das adições que determinam o saldo. De facto, a Sra. Del Monaco, é induzida em erro por uma tabela produzida num documento de trabalho da Comissão, que é meramente uma simulação macroeconómica de cenários sem quaisquer outros valores, e subtrai peras às maçãs.

De facto, é verdade que os subsídios totalizarão 81 mil milhões de euros mas, na nossa opinião e apoiada pela evidência dos números, a contribuição da Itália não será de 96 mil milhões de euros. Por conseguinte, o saldo não será negativo em 15 mil milhões.

De facto, esses 96 mil milhões representam 12,8% de 750 mil milhões de euros, ou seja, todo o NGEU, que, no entanto, é constituído por 390 mil milhões em subsídios e 360 mil milhões de euros em empréstimos. Obviamente, os estados membros serão chamados a contribuir para o orçamento da UE apenas para cobrir os 390 mil milhões em subsídios, uma vez que os empréstimos são, por definição, reembolsados pelos países que os receberam.

Assim, o cálculo correto da nossa contribuição deveria ser de 12,8% de 390 mil milhões, ou cerca de 50 mil milhões. Assim, seríamos beneficiários líquidos na NGEU por cerca de 31 mil milhões.

Mas também não será esse o caso.

De facto, só poderemos fazer os primeiros cálculos dentro de algumas semanas quando tivermos o texto final da Decisão dos Recursos Próprios, que conterá os critérios e as rubricas segundo as quais os Estados-membros contribuirão para o orçamento.

Por certo sabemos que o limiar máximo será de 2% do Rendimento Nacional (dos anteriores 1,2%), mas tudo dependerá dos novos impostos que estarão em vigor durante o período de sete anos e da forma como afetarão as empresas e os cidadãos de países individuais. Para além das contribuições que os Estados terão de pagar.

Há que ter em conta que a UE decidiu emitir obrigações para 750 mil milhões, oferecendo aos mercados como garantia este orçamento “aumentado”, sem exigir nada de momento dos Estados. A UE recolherá dinheiro nos mercados (com o BCE que será certamente um comprador generoso) e emprestá-lo-á ou concedê-lo-á como subsídio aos Estados. Após 2027, o reembolso será assegurado:

  • Quanto aos empréstimos, com prestações pagas pelos países devedores.
  • Quanto à quota de subsídios, com receitas autónomas definidas na decisão acima mencionada. Se, e apenas se, a nossa chave de contribuição se mantivesse em 12,8% de 390 (que é a nossa quota de rendimento em relação ao da UE), então poderíamos pagar os referidos 50 mil milhões. Mas agora é realmente um tiro no escuro dizê-lo.

Finalmente, seria uma boa ideia não tomar por garantido que poderemos recolher os 80 mil milhões em subsídios. Um dos aspetos destacados por Del Monaco será a lentidão dos pagamentos, que não começarão antes de 2023 (exceto no que diz respeito ao adiantamento de 2021).

O risco de alguns projetos permanecerem enredados no monstro burocrático que Bruxelas concebeu para gerir o Next Generation UE é muito elevado.

Os jogos ainda estão todos abertos.

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O autor: Giuseppe Liturri, jornalista e comentador económico italiano.

 

 

 

 

 

 

 

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