“A good many people believe Marriner Eccles is the only thing standing between the United States and disaster.” – TIME Magazine, 1936 |
Nota de editor:
Iniciámos no passado dia 1 de Fevereiro uma longa série – de mais de 50 textos – cuja última parte está ainda em preparação. O texto que publicamos hoje ”Lauchlin Currie-conselheiro de Marriner Eccles – resumo biográfico”, integra a 4ª parte da série – “4. Sobre a crise de 1937-1938, dita de Roosevelt”, composta por 8 textos..
Esta série é, desde logo, o resultado do labor incansável e da mais elevada competência do seu autor, Júlio Marques Mota, e, como o próprio refere, é um trabalho que leva mais de um ano em preparação e “não foi um trabalho fácil porque, partindo do zero quase absoluto, tivemos de andar a deambular de texto em texto, aceitando uns, rejeitando outros, de referência bibliográfica em referência bibliográfica, cruzando textos e referências bibliográficas”.
É com grande satisfação e orgulho que publicamos na língua portuguesa estes textos em torno das ideias e ações de Marriner Eccles, o mais brilhante de todos os Presidentes do Conselho de Governadores do FED nas palavras de Michael Pettis (e que fazemos nossas). Como diz Júlio Mota, “Marriner Eccles é um dos maiores símbolos intelectuais da oposição fundamentada feita contra os teóricos criadores de catástrofes e os seus vassalos” e cujas ideias e ação, segundo a Time referia em 1936, “protegeram a América do abismo. Trata-se de ideias que na primeira metade do século XX ajudaram a fazer da América um grande país, e que vão contra as ideias destes falcões monetaristas (…) que querem fazer da Europa um insignificante continente”. E como conclui Júlio Mota os “… tempos de ontem, afinal, não diferem muito dos tempos de hoje, a lembrar a frase de Peter Kenen: o mundo mudou muito, mas os problemas são os mesmos. Os problemas são os mesmos e os políticos, pelo que se vê, são também os mesmos. É exatamente isto que confere uma extrema atualidade aos textos que iremos apresentar em torno da obra de Marriner Eccles.”
4. Sobre a crise de 1937-1938, dita de Roosevelt
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
10 m de leitura
4.2. Lauchlin Currie-conselheiro de Marriner Eccles – resumo biográfico
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Lauchlin Currie nasceu em 1902 em West Dublin, Canadá. O seu pai era operador de frota mercante e a sua mãe, professora. Após dois anos na Universidade St. Francis Xavier na Nova Escócia (1920-1922), mudou-se para Inglaterra para estudar na London School of Economics (LSE), onde ficou sob a influência de economistas de esquerda como Graham Wallas, Hugh Dalton, Richard Tawney e Harold Laski. Currie também conheceu as ideias de John Maynard Keynes.
Em 1925, Currie mudou-se para a Universidade de Harvard. Currie perdeu a maior parte do seu dinheiro e do da sua família no Grande Colapso Financeiro de Wall Street, em Outubro de 1929. A sua tese de doutoramento, Activos Bancários e Teorias Bancárias foi concluída em Janeiro de 1931. Segundo Svetlana Chervonnaya, em dois artigos publicados em 1933 The Treatment of Credit in Contemporary Monetary Theory e Money, Gold and Incomes in the United States, 1921-32, “Currie salientou a importância do controlo sobre a quantidade de dinheiro, em oposição à quantidade ou qualidade do crédito ou empréstimos, e calculou a primeira estimativa da velocidade de rendimento monetário nos Estados Unidos”. Um dos seus alunos foi Paul Sweezy.
Marriner Eccles, que trabalhou sob a direção do Secretário do Tesouro Henry Morgenthau, foi grandemente influenciado pelas ideias de Currie, que trabalhou com ele como seu conselheiro. Eccles compareceu e foi ouvido pela a Comissão de Finanças do Senado em 1933. Segundo Patrick Renshaw, o autor de Franklin D. Roosevelt (2004): “Embora o jovem banqueiro mórmon de Utah afirmasse nunca ter lido Keynes, ele tinha no entanto abalado as audiências da Comissão de Finanças do Senado em 1933, exortando o governo federal a esquecer a tentativa de equilibrar os orçamentos durante a depressão e, em vez disso, a gastar pesadamente em ajuda, obras públicas, o plano de apoio às famílias e o refinanciamento de hipotecas agrícolas, ao mesmo tempo que cancelava o que restava da dívida de guerra”.
Currie publicou “The Supply and Control of Money in the United States” em 1934. Em Novembro de 1934, o Presidente Franklin D. Roosevelt nomeou Marriner Eccles como Governador do Conselho da Reserva Federal. Como William E. Leuchtenburg, o autor de Franklin D. Roosevelt e o New Deal (1963), assinalou: “Eccles mal tinha tomado posse quando ajudou a redigir uma novo projeto de lei bancária que exigia a primeira revisão radical do Sistema da Reserva Federal desde a sua adoção em 1913. Eccles desejava depositar o controlo do sistema na Casa Branca; diminuir a influência de banqueiros privados, que ele acreditava terem tomado conta do sistema; e utilizar o Conselho da Reserva como uma agência para o controlo consciente do mecanismo monetário. A projeto de lei bancária de 20.000 palavras introduzida em Fevereiro de 1935, refletia o pensamento de Eccles e de certos membros do seu pessoal, especialmente do Keynesiano Lauchlin Currie”.
Em 1935, Currie e Eccles redigiram uma nova lei bancária para assegurar uma reforma radical do banco central pela primeira vez desde a formação do Conselho da Reserva Federal em 1913. O projeto sublinhava os défices orçamentais como uma saída para a Grande Depressão e foi duramente combatido pelos banqueiros e pelos conservadores no Senado. O banqueiro, James P. Warburg comentou que a lei era: “Curried Keynes… era em grande parte um prato meio cozinhado de J. Maynard Keynes… liberalmente temperado com um molho preparado pelo professor Lauchlin Currie”. Com forte apoio de banqueiros da Califórnia ansiosos por minar o domínio da banca nacional de Nova Iorque, a Lei Bancária de 1935 foi aprovada pelo Congresso.
Em Julho de 1939, o Presidente Franklin D. Roosevelt nomeou Currie como seu conselheiro especial em assuntos económicos que se tornou o primeiro economista da Casa Branca. A 28 de Janeiro de 1941, Currie foi enviado numa missão a Chungking, China, para se encontrar com Chiang Kai-shek. No seu regresso, Currie recomendou que a China fosse incluída no programa Lend-Lease do governo. Ele foi encarregado da administração do programa de 1941 a 1943. Também esteve envolvido na criação da força aérea voluntária americana como Tigres Voadores para lutar pela China na guerra contra o Japão.
Após a morte de Franklin D. Roosevelt Currie não se juntou à administração Harry S. Truman. Em vez disso, estabeleceu o seu próprio negócio de importação-exportação, Lauchlin Currie & Company na cidade de Nova Iorque. Este empreendimento não foi muito bem sucedido e a sua situação não foi nada ajudada quando Elizabeth Bentley e Whittaker Chambers afirmaram que Currie tinha feito parte de um anel de espionagem encabeçado por Nathan Gregory Silvermaster. Currie compareceu perante o Comité de Actividades Não-Americanas (HUAC) da Câmara a 13 de Agosto de 1948. Ele negou estas alegações e nenhuma acusação criminal foi feita contra ele.
Em 1950, foi-lhe pedido para dirigir o primeiro dos inquéritos gerais por países do Banco Mundial, na Colômbia. Após a sua publicação, foi convidado pelo governo colombiano a regressar como assessor na implementação das recomendações do relatório. Aceitou o cargo e, em 1954, casou com uma mulher local. Currie foi chamado a comparecer perante o Comité McCarran e, quando se recusou a testemunhar, perdeu a sua cidadania americana.
As alegações de Elizabeth Bentley e Whittaker Chambers foram investigadas por um antigo oficial da KGB, Julius Kobyakov: “Compreendo que Currie ou Harry Dexter White, que foram marcados como subversivos na era McCarthy e estigmatizados de novo pelos telegramas VENONA[1], dificilmente seriam considerados heróis pelo atual establishment histórico americano. Mas se me pedissem uma opinião profissional, sobre se essas pessoas eram agentes soviéticos, a minha resposta é não. É fácil falar mal das pessoas que já não se podem defender, e ignorar o facto de que, à sua maneira, podem ter ajudado a coligação anti-Hitler a ganhar a guerra mais sangrenta da história”.
Lauchlin Currie morreu de ataque cardíaco em Bogotá, na Colômbia em 23 de Dezembro de 1993.
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Nota
[1] N.T. Venona foi o nome de código para uma operação de contra-espionagem dos EUA parcialmente bem sucedida e durante muitos anos ultra-secreta, iniciada em meados da Segunda Guerra Mundial por um precursor da Agência de Segurança Nacional e muito expandida durante os primeiros anos da Guerra Fria. O seu objectivo era interceptar, decifrar e traduzir mensagens codificadas entre a sede de Moscovo e os postos de inteligência soviéticos em vários países de todo o mundo. No final da década de 1940, os criptógrafos americanos tinham quebrado a cifra que os soviéticos tinham usado durante a guerra, e começaram a traduzir os telegramas desse período. Muitos anos mais tarde, com início em 1995, cerca de 3.000 destes telegramas foram tornados públicos em inglês (e estão agora publicados no website da NSA).
Como importante recurso histórico, os telegramas de Venona têm no entanto uma série de características frustrantes: muitos dos 3.000 telegramas existem apenas como fragmentos ou como frases isoladas (e 3.000, embora um número impressionante, é apenas uma fracção ínfima do milhão de telegramas que os soviéticos enviavam e recebiam durante os anos do programa de Venona, que só terminou em 1980). Também não há forma de verificar a exactidão das traduções divulgadas, uma vez que os textos originais russos ainda estão classificados. Ver Wikipedia aqui.