A Cimeira de Gotemburgo vista do Japão. 9. A compra de títulos do BCE leva os políticos da zona euro a ficarem aliviados. Por Ciaran O’Hagan

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Seleção e tradução por Júlio Marques Mota

 

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9. A compra de títulos do BCE leva os políticos da zona euro a ficarem aliviados 

Por Ciaran O’Hagan, Financial Times

As compras mais elevadas de títulos franceses e italianos acarretam riscos à medida que o programa da flexibilização das restrições quantitativas se estende à França e à Itália.

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Qualquer generosidade do BCE, quer global quer para um ou outro país, ajuda a abrandar a volatilidade usual dos preços de títulos © Reuters

 

O Banco Central Europeu no mês passado alcançou a façanha excecional de reduzir para metade as suas compras de obrigações sem criar perturbações quanto aos sentimentos dos investidores. Uma das razões é porque o BCE está a favorecer as obrigações que mais rendimentos gerem aos investidores. Na reunião de outubro, Mario Draghi, o Presidente do BCE, prometeu que o Banco continuaria a comprar “quantidades consideráveis” de obrigações de grandes empresas.

Essa alteração na estrutura dos títulos em carteira  a favor dos rendimentos esperados mais altos está a ser feita em detrimento dos títulos do Estado, e em particular dos títulos, que têm o maior peso enquanto país e simultaneamente os rendimentos mais baixos de todos [1]Em 2015, quando o BCE embarcou pela primeira vez em grandes aquisições de títulos públicos para canalizar mais dinheiro para a economia da zona euro, o banco central prometeu que iria comprar em relação à “posição chave ” de cada Estado-membro da zona euro – estes pesos são similares aos rendimentos nacionais.

No entanto, não tem funcionado bem assim. É cada vez mais evidente que o BCE tem favorecido as obrigações italianas e francesas, mês após mês no decurso de 2017.

Na conferência de imprensa do BCE de setembro, o Presidente Draghi disse: “há desvios temporários relativamente ao peso chave do capital. Tem havido desvios, sempre haverá desvios relativamente ao capital chave devido às condições de liquidez, devido ao facto de que nós vamos ser tão neutros no mercado quanto possível nas nossas compras de títulos. Então, se se tem condições de liquidez muito apertadas, então abranda-se com as compras”.

No entanto, os dois mercados com os maiores pesos em relação ao capital chave do BCE são a Itália e a França. Estes são também os dois com a maior quantidade de títulos pendentes. E, juntamente com os títulos alemães, eles também são os mercados de títulos mais líquidos em euros.

Em setembro, por exemplo, o BCE adquiriu quase mil milhões a mais de obrigações italianas do que a proporcionalidade estrita justificaria. Para a França, a diferença é ainda maior, em € 1,5 mil milhões. A compra mensal média para ambos os países nos últimos seis meses foi acima de € mil milhões cada. Talvez o BCE não considere estes excessos de peso como sendo significativos, mas à margem eles estão a fortalecer o sentimento de risco à medida que eles se acumulam.

Na ausência de uma explicação oficial convincente, uma suposição que os investidores têm feito é que o BCE tem necessidade de se envolver de modo a poder satisfazer os seus outros critérios de compra. O BCE impôs sobre si mesmo limites em compras de títulos individuais até 33 por cento. Em países com baixos montantes pendentes relativos ao PIB, como a Alemanha, este poderia ser um desafio. A Alemanha é a maior economia da Europa, mas a sua dívida comprável é apenas cerca de 60 por cento da de Itália. Assim, isto poderia obrigar o BCE a favorecer os maiores emitentes de dívida.

Quanto maior for a diferença entre o que o BCE diz e o que os números mostram, maiores são as implicações políticas. Alguns políticos em Itália dizem que gostariam de ver o BCE a comprar muito mais títulos italianos. Houve mesmo apelos para que fossem comprados em proporção da dívida nacional, em vez de ser na proporção do capital no BCE ou no PIB. A Itália é o maior mercado de obrigações da Europa e beneficiaria enormemente de tal decisão.

Mas qualquer mudança de ponderação teria grandes implicações políticas. Isto significaria que os países que aumentam dívidas maiores receberiam mais apoio do BCE. No entanto, qualquer indício de uma recompensa para prodigalidade fiscal seria anátema nos países menos endividados.

A explicação mais fácil para o que se passa é que os bancos centrais nacionais e o Conselho do BCE têm dificuldade em chegar a acordo sobre o que fazer. A palavra de ordem chave em Mário Draghi este ano tem sido “flexibilidade”, uma frase que dá para tudo que poderia refletir alguma confusão nos bastidores, e facilitado pela falta de dados precisos e de regras e práticas transparentes (por exemplo, ainda não sabemos quanto tempo deve decorrer antes dos bancos centrais nacionais da zona euro poderem intervir para comprar títulos recentemente emitidos ou os seus substitutos).

Mais fundamentalmente, a falta de progresso no sentido monetário, fiscal e bancário está a complicar a execução da política do BCE. Uma das reformas sobre a mesa é a emissão conjunta das “Obrigações seguras da área do euro”. Isso ajudaria a resolver o dilema do BCE através da criação de verdadeiros títulos do Tesouro da zona euro. Mas uma maior integração da área do euro e a partilha de encargos está a muitos anos de distância.

O perigo, entretanto, é de que qualquer generosidade do BCE, seja global ou em direção a um país ou outro, e mesmo após a divulgação dos dados do mês passado, ajuda a suavizar a volatilidade usual nos preços dos títulos. O risco político não se tem refletido em movimentos nos rendimentos dos títulos. Se as políticas do BCE contribuem para  rendimentos dos títulos demasiadamente baixos, a necessidade de reformas económicas audaciosas continuará a ser escondida do eleitorado. Isso não tem interesse para ninguém.

 

Ciaran O’Hagan. Financial Times, ECB’s bond buying lets eurozone politicians off the hook. Texto disponível em: https://www.ft.com/content/ca8b0c0a-c2c9-11e7-a1d2-6786f39ef675

Ciaran O’Hagan é Chefe de Pesquisa das Taxas na Zona Euro na Société Générale

NOTA

[1] N.T. Como observou um especialista a propósito da tradução desta frase: ” Em comparação com há um ano atrás, o BCE está a comprar, em proporção, mais títulos de empresas do que títulos do governo. Os títulos de empresas têm um retorno mais elevado porque estão apoiados somente pelo cash flow das empresas e, por conseguinte, os investidores esperam um retorno mais elevado que os compense do risco mais elevado. Por outro lado, os títulos dos governos deverão ser mais seguros uma vez que, em última instância, eles têm o poder de tributar, poder sobre a propriedade, etc. Por exemplo, os títulos alemães têm uma taxa de retorno mais baixa porque são considerados mais seguros que os títulos gregos que têm uma taxa de retorno mais elevada.”

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