
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
Parte III – A finança ao serviço da sociedade e não a sociedade ao serviço da finança.
5. Representação do interesse público no sistema bancário (3ª parte)
Por Finance Watch com o apoio da Fundação Hans-Böckler, dezembro de 2016
Autores: Duncan Lindo e Aline Fares
Editores: Greg Ford e Christophe Njdam
(3ª parte)
2. O projeto
As grandes linhas do projeto
Objetivos
Enquanto ONG e sendo uma organização filiada, Finance Watch considera a representação do interesse público na finança no centro da sua missão. Apesar dos desafios que a finança e os bancos colocam à nossa sociedade, e como descrito na declaração acima sobre este problema, a experiência até agora mostrou que, por uma série de razões e, apesar de muitas ideias que estão a ser desenvolvidas por diferentes grupos na sociedade civil e das Universidades, reunir forças e construir um reforço significativo no apoio às questões relacionadas com as finanças continua a ser uma tarefa difícil.
A questão não era nova para Finance Watch e organizações similares, mas o projeto reflete uma necessidade de pensar de uma forma mais sistemática e abrangente sobre o modo como a banca se relaciona com o interesse público, para desenvolver um método de análise da representação do interesse público no sector bancário, e elaborar propostas políticas que as organizações da sociedade civil e o público possam tomar para o futuro.
Por conseguinte, consideramos crucial evitar uma abordagem de cima para baixo e dedicar uma parte significativa do projeto à recolha de contribuições das organizações da sociedade civil, incluindo, sempre que possível, os que ainda não estão envolvidos na defesa deste importante tema. Colocar a consulta das organizações da sociedade civil no centro da pesquisa foi em si uma contribuição para o que se tornou um tema-chave do projeto: a questão da participação. Nas discussões abertas, perguntámos e fomos perguntados: como é que os interesses do público podem ser representados na política, nas salas e gabinetes da administração dos bancos, nos media e no debate público, se apenas uma pequena minoria estiver envolvida? Então apareceram questões secundárias, em primeiro lugar, surgiu a questão porque razão deve o público participar? Como podemos tornar a participação efetiva para que ela tenha um impacto? Como se deve organizar a participação?
As sessões de trabalho
Desde o início do projeto que reconhecemos que uma parte do problema da participação e de interesse na representação era os o facto de os de dentro (insiders) do setor se pronunciarem sobre todos os aspetos da banca, enquanto outras vozes (ou seja, a grande maioria) permaneciam silenciosas ou não são escutadas.
Portanto, desejávamos para a nossa pesquisa o seguinte:
- Examinar o processo de participação, a representação de interesse e a tomada de decisão, em vez de simplesmente fazer prescrições técnicas para o comportamento dos bancos, examinando, por exemplo, o próprio processo regulatório; e
- Trabalhar e elaborar propostas diretamente a partir da experiência das pessoas não escutadas, reunindo o contributo de não-especialistas de todas as partes da sociedade civil, bem como a contribuição de académicos que nem sempre estão presentes na arena política. De certa forma, tentámos ser o eco da participação e da representação de interesses no sistema bancário que estávamos a investigar com a participação e representação de interesses no processo de pesquisa que estava a ser feito.
Como resultado, uma grande parte da pesquisa para o projeto envolveu reunir diversas OSCs, universitários, sindicatos e outros para discutir a representação do interesse público no setor bancário, trazendo cada um destes participantes as suas próprias experiências de participação em questões ou debates públicos sobre bancos e os resultados das suas análises nesta área. Os debates abertos também ocuparam um lugar único e importante no projeto, sendo simultaneamente um contributo para o processo de pesquisa e para os resultados do projeto [18].
- Como contribuição: estas reuniões de trabalho abertas contribuíram tanto para a direção geral do projeto como também contribuíram para o desenvolvimento de uma melhor compreensão, tanto prática como conceptual, dos desafios enfrentados pelas OSC e pelo público em geral ao tentar participar e representar os seus interesses no setor bancário.
- Como resultado: também rapidamente ficou claro que a construção de conhecimento e a colaboração entre as OSC e o público em geral eram muito importantes para uma representação efetiva do interesse público embora muito difícil de alcançar. Um outro objetivo destas sessões de trabalho era, pois, proporcionar um espaço seguro onde os participantes pudessem ganhar conhecimentos e criar redes com outros que trabalham nesta área.
No total, organizámos:
- Oito sessões de trabalho abertas e participadas de um dia constituídas, em grande parte, por representantes das OSC (incluindo ONGs, sindicatos, grupos de cidadãos e grupos de consumidores) e universitários. Estas sessões de trabalho tiveram lugar em Paris, Berlim, Bruxelas e Londres: uma primeira ronda de quatro sessões em 2015 para discutir o tema em geral e uma segunda ronda de quatro sessões em 2016 para dar seguimento e discutir mais de perto propostas políticas. No total, 64 indivíduos participaram nas sessões, com alguns a terem ido a mais que uma sessão.
- Houve três reuniões do Comité Consultivo constituídas por universitários, representantes sindicais, jornalistas e representantes de OSCs indicados pela Fundação Hans-Böckler para discutir as conclusões provisórias do projeto e as formas de fazer avançar o projeto.
- Uma sessão universitária aberta de um dia em Paris que reuniu investigadores na área da ação da sociedade civil sobre a finança.
- Um painel especial na conferência anual EAEPE (Associação Europeia para a Economia Política Evolutiva) no verão de 2015 que envolveu académicos e um representante de uma associação de bancos cooperativos alemães.
- Uma teleconferência na primavera de 2016 para partilhar os resultados da primeira ronda das sessões de trabalho com os participantes e receber os comentários dos participantes sobre a redação do que aprendemos com estas sessões. Esta teleconferência foi feita em resposta a um pedido de participantes que queriam ouvir os resultados das sessões que se realizaram noutras cidades.
Pesquisa com base em documentos
A investigação participativa foi apoiada por pesquisa feita em gabinete. Uma revisão da literatura incidiu basicamente sobre trabalhos académicos e outra investigação (por exemplo, das OSC) em relação à participação pública e à representação de interesses no setor bancário e constitui a espinha dorsal deste relatório. A análise de dados examinou principalmente a estrutura do setor bancário europeu e a natureza dos 30-40 maiores bancos (e é retomada no Capítulo 4). Estudos de casos – incluindo a reforma estrutural do sistema bancário, a regulação sobre a adequação do rácio de capital, os bancos cooperativos e mutualistas, o futuro dos bancos resgatados, a análise do setor bancário do Reino Unido – servem como exemplos recorrentes e / ou largamente tratados ao longo do relatório.
O que pensamos sobre o problema
As partes interessadas
No decorrer das sessões de trabalho e de outras investigações, ficou claro que três considerações são importantes quando pensamos em participação pública e representação de interesses.
Primeiro, na Europa em 2016, todos estamos envolvidos nos problemas dos bancos (conforme discutido no Capítulo 1).
Em segundo lugar, não há um interesse público, mas muitos (discutidos de forma mais alongada no Capítulo 3). A questão para a nossa investigação é: como é que podemos classificar de forma útil interesses múltiplos, contraditórios, sobrepostos e variáveis no tempo, de forma a investigar com sucesso sobre a representação do interesse público no setor bancário?
Em terceiro lugar, o âmbito de aplicação do projeto é investigar como é que o público pode ter impacto sobre as atividades dos bancos. Portanto, a escolha das categorias deve estar relacionada com a participação pública e a representação de interesses e com as atividades bancárias, e qualquer outra coisa mais corre o risco de desconectar a análise dos objetivos da investigação.
Combinando estas três preocupações, o projeto analisa o problema da representação do interesse público através de partes interessadas do banco, depositantes, mutuários, funcionários, acionistas, outros detentores de dívidas e altos cargos. Estas categorias de partes interessadas podem ser vistas na perspetiva do público e dos bancos: são, por um lado, formas de caracterizar a relação do público com os bancos e, por outro lado, formas de caracterizar as atividades essenciais dos bancos.
Espaço discursivo controvertido e participação
Muitos destes grupos de partes interessadas, certamente incluindo a alta administração dos bancos, afirmam que as suas propostas de políticas são de interesse público geral. Podemos, portanto, também pensar no interesse público como um espaço controvertido e / ou um espaço discursivo controvertido – uma ideia e uma frase que surgiu nas sessões de trabalho abertas e participativas. Isto é largamente assim porque os grupos de interesse podem representar interesses privados enquanto afirmam estar a agir no interesse público geral e por isso é que nós sublinhamos a importância da participação do próprio público na representação dos seus próprios interesses.
Note-se que, quando os estreitos interesses privados afirmam estarem a agir no interesse público em geral, eles costumam usar a economia dominante [a teoria neoliberal] como justificação, mas, como visto acima, isso pode levar a uma lógica errada: a economia dominante começa por afirmar o que está ainda verdadeiramente por demonstrar, a saber, que a participação pública não é necessária.
Canais
Em seguida, perguntámos através de que meios é que as partes interessadas podem influenciar as atividades bancárias, como é que elas podem participar e de que modo é que podem representar os seus interesses?
Uma outra ideia que surgiu várias vezes nas sessões de trabalho participadas foi a dos canais a utilizar, como o acesso aos media, às autoridades eleitas, aos reguladores, à administração dos bancos. Diferentes grupos de partes interessadas têm diferentes acessos aos canais, e os canais variam no seu impacto. Como se verá, muitos canais simplesmente não estão abertos ao público em geral e / ou estão bloqueados por outros tipos de interesses.
A abordagem global
Combinamos estes elementos na nossa abordagem geral ao processo de pesquisa (ver Figura 1). O modelo é circular na medida em que começa e termina com as ações dos bancos, essas ações estabelecem categorias de interesses (partes interessadas) que têm acessos variados a mais e menos canais de efetiva representação. O resultado da representação (desigual) é uma construção (controvertida e discursiva) que é reivindicada como o interesse público geral e que afeta as atividades dos bancos, por exemplo, através da regulação. A questão do presente relatório é: como é que as partes interessadas podem participar melhor e representar os seus interesses de tal forma que o equilíbrio dos interesses representados reflita melhor o público como um todo e não esses interesses privados estreitos que têm acesso privilegiado aos canais de representação?
(continua)
Texto disponível em http://www.finance-watch.org/our-work/events/1284-public-interest-banking
Nota
[18] Como Tuncau et al (a publicar) referem “uma característica importante da pesquisa participativa é que ela tem dois objetivos: um é produzir conhecimento e mobilizar para a ação o que é útil para uma comunidade ou grupo e o segundo é capacitar as pessoas através do processo de elaboração de inquérito e dos conhecimento que se ganham, como é também através deste processo que eles são capazes de compreender os desequilíbrios de poder.