
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
7. Não haverá nenhum boom económico (2ª parte-conclusão)
Por Lance Roberts
em 8 de março de 2018
Na terça-feira, apresentei na Conferência da Financial Planning Association (FPA) em Houston, as questões que envolvem o planeamento financeiro num ambiente de altas valorizações financeiras e de baixos retornos futuros. Após a minha apresentação, alguns dos presentes abordaram-me para discutir a premissa de que os recentes “cortes / reformas de impostos” levarão a um ressurgimento do crescimento económico o que irá impulsionar os lucros e, portanto, negam o problema da sobrevalorização financeira.
É improvável que seja esse o caso e é o que discuti recentemente em “Não haverá nenhum boom económico- 1ª Parte“. No entanto, esse artigo centrou-se sobre o impacto da aprovação da “Resolução Contínua” de dois anos, que levará a um aumento do défice nacional, uma vez que os gastos sem quaisquer restrições negam o efeito da “reforma tributária” na economia dos EUA.
Mas há mais nesta história.
Quando o projeto de “redução de impostos” estava a ser aprovado, todos, desde o Congresso até aos grandes media e até mesmo as pessoas presentes nesta conferência com quem conversei ontem, regurgitavam a mesma narrativa:
“Os cortes de impostos levarão a um boom económico à medida que as empresas aumentem os salários, contratem mais gente e produzem mais e os consumidores tenham dinheiro extra nos seus bolsos para poder gastar”.
Como anteriormente escrevi muitas vezes, isso sempre foi mais “desejo” do que “realidade”.
Deixem-me explicar.
A economia, como o calculamos atualmente, é impulsionada em aproximadamente 70% pelo que o leitor e eu consumimos, ou seja, pelos nossos “gastos de consumo pessoal -PCE) “. O gráfico abaixo mostra a história do PCE real, corrigido pela inflação, como percentagem do PIB real.
Se os “cortes de impostos” aumentarem substancialmente a taxa de crescimento da economia dos EUA, conforme anunciado pelo atual governo, então o PCE precisa ser diretamente visado.
No entanto, embora a maioria dos consumidores vá receber uma “média” de US $ 1.182 na forma de uma redução de impostos (ou US $ 98,50 por mês), o aumento na remuneração já foi compensado pelo aumento nos custos de saúde, aluguer, energia e mais elevados custos do serviço da dívida . Como se mostra na tabela abaixo – os maiores itens do que constitui o “orçamento familiar não discricionário” estão a aumentar mais.
Assim, uma vez que os cortes de impostos, por si só, não devem compensar o aumento dos preços de bens e serviços essenciais, é difícil ver como esses cortes vão alimentar um aumento significativo na despesa dos consumidores.
“Sem problemas. O ‘lucro inesperado’ para as empresas (já que é nelas que a maior parte da legislação de reforma tributária está focada) levará a um aumento no emprego, a salários mais altos e aumento da produção.
Afinal de contas, como as grandes empresas podem agora repatriar os ‘milhões de milhões de dólares’ que estão no exterior, certamente serão suficientemente magnânimas para ‘partilharem a riqueza’ com os trabalhadores. Certo?”
Talvez. Mas qualquer pessoa que tenha observado o comportamento das empresas desde a “crise financeira” deve saber que essa crença não tem nenhuma sustentação.
No entanto, agora que já passámos um par de meses do Ano Novo, os dados estão aí e podemos ver exatamente o que as “empresas ” estão a fazer com os seus dólares.
Aumentos salariais
Imediatamente após a aprovação do projeto de reforma tributária, as empresas fizeram fila para obter “favores políticos”, emitindo cheques de bónus de US $ 1.000 aos empregados. Enquanto os grandes media e a Casa Branca engalanaram em arco com o “sucesso imediato” da reforma tributária, a visão geral sobre a mesma tinha-lhes escapado totalmente.
Um bónus de US $ 1000 para um funcionário é um evento único de “sentir-se bem”. Aumentos salariais são “permanentes e onerosos”.
A realidade é que as empresas NÃO estão a aumentar os salários porque os salários mais altos aumentam o passivo tributário, os custos com benefícios, etc. Os custos mais elevados da folha de pagamento reduzem a lucratividade do resultado final. Numa economia com crescimento muito fraco de receitas, as empresas são extremamente protetoras da sua rentabilidade para corresponder às estimativas de Wall Street e para apoiar o valor de mercado das suas ações, o que tem um impacto direto sobre a remuneração dos executivos.
Assim, enquanto as empresas estão a ganhar a atenção dos media e dos favores políticos, emitindo cheques de bónus únicos, os 80% dos trabalhadores estão a descer lamentavelmente atrás dos 20% do topo.
Os salários não conseguem acompanhar nem mesmo as taxas historicamente baixas de inflação “publicitada”. Novamente, ressaltamos que é provável que a inflação sentida pelo leitor, se incluir os itens não discricionários acima listados, seja maior do que a inflação “publicitada “, e o gráfico abaixo é então realmente pior do que parece.
Mas isso não é novidade, já que as empresas fracassaram em “partilhar a riqueza” nas últimas décadas.
Recompras
O quebra-cabeças para os “executivos empresariais ” é que, se os consumidores não têm mais dinheiro para gastar, eles não podem comprar os bens e serviços que lhes são oferecidos e que impulsionam as receitas das empresas. Se a receita não subir substancialmente acima da sua linha de referência, os lucros serão afetados no resultado final, isto é a descerem, em última instância, ameaçando a “remuneração dos executivos”.
Não surpreendentemente, a cura mais fácil para esse pequeno problema foi, e continua a ser, recomprar as suas ações. Como discuti anteriormente:
“A utilização de ‘recompras de ações’ para vencer “a aposta na estimativa” não deve ser prontamente descartada pelos investidores. Uma das principais ferramentas usadas pelas empresas para aumentar a lucratividade foi através da grande recompra de ações. O gráfico abaixo mostra ações em circulação em comparação com a diferença entre os lucros operacionais numa base por ação antes e depois das recompras. “
Quero chamar a atenção para a parte de baixo do gráfico. Desde 2009, o crescimento total das vendas por ação foi de apenas 39%, ou cerca de 3,9% ao ano, e no entanto os ganhos cresceram 253% ou 25,3% ao ano. O diferencial de 21,4% foi impulsionado principalmente pela redução das ações em circulação.
O ponto importante aqui é que 70% da economia é impulsionada pelo consumo e as taxas muito fracas de vendas (ou seja, o consumo) mostram porque o crescimento económico continua fraco.
Então, estão as empresas a utilizar a sua nova riqueza para aumentar os salários? Não, não muito. Como Jesse Colombo mostrou recentemente:
“A aprovação do plano de reforma fiscal do presidente Donald Trump foi o principal catalisador que estimulou as empresas a aumentarem drasticamente os seus planos de recompra de ações.”
Dividendos
É claro que os executivos das grandes empresas (que tendem a possuir muitas ações e opções da empresa) também podem recompensar-se a si mesmos através do aumento do pagamento de dividendos. Não surpreendentemente, conforme observado por Political Calculations, os Conselhos das grandes empresas utilizaram a recente reforma tributária para seu próprio benefício.
“Quando se trata do valor dos aumentos de dividendos declarados durante um único mês, o mercado de ações dos EUA registou o seu melhor mês de fevereiro de sempre“.
Conclusão
Esta questão sobre se os cortes de impostos levam ou não ao crescimento económico foi analisada num estudo de 2014 de William Gale e Andrew Samwick:
“O argumento de que os cortes nos impostos sobre rendimentos aumentam o crescimento é repetido com tanta frequência que às vezes é considerado um evangelho. No entanto, estudos teóricos e empíricos assim como estudos à base de simulações contam uma história diferente e bem mais complicada. Os cortes nos impostos oferecem o potencial para aumentar o crescimento económico melhorando os incentivos para trabalhar, poupar e investir. Mas também podem criar efeitos de rendimento que reduzem a necessidade de se empenharem numa atividade económica produtiva e podem subsidiar o capital produtivo já obsoleto que proporciona ganhos inesperados aos detentores de ativos ganhos estes que minam os incentivos para a criação de novas atividades.
Além disso, os cortes de impostos como uma política autónoma (ou seja, não acompanhada de cortes de despesa) normalmente elevarão o défice orçamental federal. O aumento do défice reduzirá a poupança nacional – e, com isso, o stock de capital de propriedade dos americanos e o rendimento futuro dos americanos – e aumentará as taxas de juros, o que afetará negativamente o investimento. O efeito líquido dos cortes de impostos sobre o crescimento é, portanto, teoricamente incerto e depende tanto da estrutura do corte de impostos em si quanto do momento e da estrutura do seu financiamento. “
Embora os cortes de impostos POSSAM ser pró-crescimento, eles têm que se concentrar nos 80% dos americanos que compõem a maior parte do consumo na economia. Com os benefícios dos cortes de impostos a serem acumulados pelos 20% mais ricos, que já consomem à larga, há pouca propensão a aumentar substancialmente o consumo, em oposição à acumulação de riqueza adicional.
Além disso, a reforma tributária faz pouco para enfrentar os principais desafios estruturais que representam os maiores obstáculos para a economia no futuro:
- Demografia
- Mudanças estruturais no emprego
- Inovações tecnológicas
- Globalização
- Pensões
- Financeirização
- Dívida
Estes desafios mudaram permanentemente os fundamentos financeiros da economia como um todo. Isto sugeriria que o estado atual de crescimento económico lento provavelmente estará connosco por muito mais tempo do que a maioria antecipa. Isto também põe em questão quanto espaço o Fed tem para retirar o seu apoio monetário antes que as rachaduras na base económica se comecem a ampliar.
Simplesmente, até que se consiga aumentar substancialmente a capacidade de consumo dos 80% da população com menores rendimentos, não haverá nenhum “boom económico”.
Texto original em http://realinvestmentadvice.com/there-will-be-no-economic-boom-part-ii/
Republicado por Gonzalo Raffo Infonews THERE WILL BE NO ECONOMIC BOOM – PART II / SEEKING ALPHA
O autor: Lance Roberts é economista, especialista em mercados financeiros, diretor e editor chefe de Real Investment Advice, chefe de estratégia de portfolio em Clarity Financial.